10/02/2022
História da Filosofia Medieval
Se um dos principais problemas que espreitam o historiador consiste na divisão dos períodos que incluem os diferentes acontecimentos e os diversos movimentos culturais, isto vale em particular quando se trata de considerar, do ponto de vista historiográfico, a era, ou as eras, medievais. É que a divisão por séculos que costumam introduzir os historiadores na caracterização dos eventos e das diferentes mudanças culturais que se observam ao longo da história parece mais atender a uma finalidade de ordem prática e didática do que propriamente a uma divisão nítida, precisa e terminante. Na verdade, este tipo de divisão não se verifica no desenrolar dos fatos, que se supõem uns aos outros, ou melhor, que se incluem uns nos outros.
Com relação especificamente à Idade Média, o emaranhado de fatos, de tendências, de correntes filosóficas e de outras produções culturais não permite, de modo algum, enquadrá-los nos limites de um determinado século ou mesmo num conjunto definido de décadas. Considere-se, por exemplo, a fase áurea da Escolástica, que se costuma encerrar no século XIII e, mais exatamente, no período que vai da fundação da Universidade de Paris (1200) até os conflitos que culminaram na grande condenação dos aristotelismos efetuada pelo bispo Étienne Tempier, em 1277. Para Étienne Gilson, no entanto, o florescimento máximo do saber filosófico e teológico medievais coincide, antes, com o período que se estende, mais ou menos, de 1248 – data em que Alberto Magno deu início ao seu ensino em Colônia – até cerca de 1350, ano em torno do qual faleceu Guilherme de Ockham.[1]
Sabe-se efetivamente que, do ponto de vista geográfico e histórico, a Idade Média recobre um vasto espaço e um longo período que começa, para alguns, no século IV, para outros, no século V, e que se estende até o século XV. Assim, as diferentes divisões e denominações que se introduziram nesse extenso lapso de tempo variam de país para país, de modo que a França costuma dividi-la em duas Idades principais. Há, de um lado, a Alta Idade Média, cujo início se convencionou colocar em 395, data da morte do imperador Teodósio, e cujo término se situou no período das Cruzadas, isto é, entre o século XI e o século XIII. Há, de outro lado, a Baixa Idade Média, que vai das Cruzadas até meados do século XV. Para os historiadores alemães e ingleses, a divisão se faz de maneira tripartite. Existe assim, para os alemães, uma Idade Média Inicial (Frühmittelalter), cujo ponto de partida é o ano 476, data em que foi deposto o último imperador romano, e cujo ponto final é o século XI. Existe ainda uma Alta Idade Média (Hochmittelalter), que cobre os séculos XII e XIII, e, finalmente, uma Idade Média Tardia (Spätmittelalter), que compreende os dois séculos restantes. Os ingleses adotaram a seguinte periodização: Dark Ages (eras obscuras), que abrangem os séculos IV–X; Early Middle Ages (eras medievais iniciais), correspondentes aos séculos XI–XIII; Late Middle Ages (eras medievais tardias), do final do século XIII ao século XV. Convém também salientar que a expressão Idade Média parece ter surgido pela primeira vez somente em 1469, isto é, em pleno período do Renascimento e quando já se chegava ao limiar dos chamados tempos modernos.
No que tange à filosofia medieval ou, mais exatamente, às filosofias medievais, é usual dizer-se, em certos meios acadêmicos, que foram duas as tendências principais de pensamento que se confrontaram durante aquele longo período: o platonismo e o aristotelismo. E, de fato, a visão segundo a qual o platonismo e o aristotelismo foram as duas tendências básicas, em torno das quais giraram as outras correntes filosóficas da Idade Média, está de certo modo correta. Resta, contudo, saber a que Idade Média se está referindo e, principalmente, de que tipo de platonismo e de aristotelismo se está falando. Efetivamente, devem-se considerar não somente as várias formas de platonismo e de aristotelismo ao longo da Idade Média, mas também a maneira pela qual estas duas tendências se entrelaçam e se incluem, não raras vezes, num mesmo e único pensador. Dada, pois, a extrema diversidade e heterogeneidade que caracterizam esse longo período, a nossa atenção, ao longo desta obra, se concentrará sobre as principais ideias e correntes que revelam, e escondem ao mesmo tempo, a vastidão e fragmentariedade do pensamento e do saber medievais.
A exemplo do livro anterior – História da filosofia antiga – esta obra também quer ser sinóptica, sucinta e, ao mesmo tempo, panorâmica. Tentei, portanto, apresentar de maneira breve as principais correntes filosóficas que vincaram o pensamento medieval dando ênfase àqueles filósofos que mais se destacaram ao longo desse extenso período da história ocidental. Tentei igualmente dotar esta obra de uma linguagem simples e acessível a todos, de sorte que evitei propositadamente exorná-la com um aparato crítico que, necessariamente, exigiria extensas notas de rodapé com suas análises, descrições e menções de outros autores e de outros estudos. Isto, evidentemente, terminaria por sobrecarregar em demasia o leitor. Assim, a maioria das notas de rodapé são simplesmente notas de referências às citações feitas no corpo do texto.
Se, na obra anterior, a minha intenção foi a de oferecer uma visão de conjunto da História da Filosofia Antiga, nesta obra também tive como objetivo apresentar, de maneira global e resumidamente, uma História da Filosofia Medieval, que poderá igualmente revelar-se como uma introdução e, ao mesmo tempo, como um incentivo para ulteriores estudos, para novas descobertas e eventuais aprofundamentos. Compete, pois, ao leitor verificar e julgar se eu consegui ter êxito nesta tarefa que me propus realizar.
[1] Cf. GILSON, Étienne. La philosophie au Moyen Âge. Paris: Payot & Rivages, 1999, p. 591.