23/12/2020
Ekstasis: Revista de hermenêutica e fenomenologia - Chamada de trabalhos
UERJ
[Português] Chamada de trabalhos
Vol. 10, N. 2 (2021)
Dossiê “Fenomenologia e Hermenêutica na América Latina”
Submissões até 15 de junho de 2021
Serão aceitos artigos e resenhas apenas em português ou em espanhol.
A Ekstasis: Revista de hermenêutica e fenomenologia divulga a chamada de trabalhos para selecionar artigos inéditos e resenhas para o próximo número.
Um dos múltiplos desdobramentos do referencial hermenêutico e fenomenológico na contemporaneidade é a ideia de que o lugar constitui, tanto quanto o tempo, o ponto de partida para uma investigação filosófica. Tomar a espacialidade como referência no processo de descrição dos fenômenos é perceber que a experiência concreta do existir não é universal, tampouco essencialista.
Demandas existenciais determinam a forma pela qual a tradição filosófica é recebida, apropriada e levada adiante. Nesse sentido, toda mensagem transmitida sofre modificações porque o processo de reapropriação de temas e problemas é marcado pela heterogeneidade que constitui a multiplicidade das vivências. Pensar em uma hermenêutica topológica como forma de validar o lugar originário da vivência como determinante dos processos de fenomenologização das coisas em geral é reconhecer que a verdade de uma tradição é substancialmente histórica. Isso se deve ao fato de a história de um grupo ser constituída pela situação concreta na qual esse mesmo grupo se encontra.
É no encontrar-se da disposição histórica que se dá a reapropriação e a transmissão de uma tradição, uma vez que somente o caráter dinâmico, vivo e atuante da história pode dar conta de levar adiante a investigação filosófica, sem recair em dogmatismos, em certezas absolutas e, consequentemente, na estagnação hermenêutica que inviabilizaria o próprio filosofar.
Em suas Lições sobre a filosofia da história universal (Tecnos, 2005, p. 93), Hegel nos diz que “a filosofia da história não é outra coisa senão a consideração pensante da história, e nós não podemos deixar de pensar, em nenhum momento”. Mais adiante (2005, p. 101), o filósofo nos diz que “o ponto de vista da história universal filosófica não é, portanto, um ponto de vista obtido por abstração de outros muitos pontos de vista gerais e prescindindo dos demais. Seu princípio espiritual é a totalidade dos pontos de vista. Ela considera o princípio concreto e espiritual dos povos e sua história, e não se ocupa das situações particulares, mas de um pensamento universal, que se prolonga pelo conjunto”.
O que temos em vista ao evocar Hegel é justamente questionar a pretensão de universalidade do fazer filosófico situado no âmbito das epistemologias europeias. O fazer filosófico, a prática da filosofia – o filosofar –, este, sim, é universal, porque o pensamento resguarda um potencial revolucionário onde quer que ele esteja. Se a atitude filosófica, portanto, está muito além da mera reprodução de conteúdos históricos acerca de pensadores e de seus respectivos sistemas ou caminhos filosóficos, a filosofia deve ocupar-se daquilo que é transmitido, reapropriado e levado adiante década após década, século após século, por meio das mesmas questões que suscitaram o despertar da filosofia ainda em seu período pré-socrático. Esta é a universalidade que caracteriza a concepção de filosofia aqui em jogo: o movimento de reapropriação e a força do pensamento capaz de vincular diferentes povos, nações, regiões etc. Por outro lado, uma filosofia marcada pela presença da historicidade requer considerar como verdadeira a experiência do filosofar a partir de princípios concretos, capazes de transmutar a experiência da vida fática em caminhos novos, nunca antes explorados por aqueles que delimitaram previamente o terreno para que a trilha fosse suficientemente segura.
Basta caminhar, no entanto, para perceber que todas as trilhas possuem um fim, uma vez que percorrer um caminho aberto requer sair de um ponto “a” para um ponto “b”, sem grandes novidades. Como, então, manter viva a força dinâmica de um pensamento senão por meio da abertura de novos rumos, de novos caminhos, de novas encruzilhadas? Uma filosofia restrita à demarcação de um lugar não estaria invariavelmente fadada à perda de sua força histórica e de seu potencial vinculante que atravessa tempos e lugares motivando confrontações e novas descobertas?
É nesse sentido que o dossiê “Fenomenologia e Hermenêutica na América Latina” busca enfatizar a importância do lugar no processo de reapropriação e de renovação do fazer filosófico. Pensar a importância do referencial hermenêutico e fenomenológico na América Latina é reafirmar o fato de que as epistemologias do sul-global são caminhos novos abertos por uma tradição de pensamento, não meras repetições circulares de caminhos já percorridos. O que se faz na América Latina – ou em qualquer outro registro não eurocentrado da filosofia – é também filosofia, com toda a universalidade que esse termo resguarda. Nesse sentido, não se trata de averiguar como se dá a recepção das epistemologias europeias no Novo Mundo, mas de demarcar a possibilidade – concreta e presente – de estruturar a prática filosófica a partir de nossas próprias demandas, tomando como referência a experiência concreta de nosso existir. Dito isso, concluímos que o ponto de partida aqui em jogo é a constatação de que há fenomenologia e hermenêutica na América Latina e de que essas não se restringem à recepção ou à reprodução de outros saberes, mas consistem na própria manifestação do pensamento em toda a sua envergadura.
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