13/11/2021

Lançamento da Seiscentos - revista eletrônica do PPGLM

É com alegria que tornamos pública a edição inaugural da revista Seiscentos (v1, n1, 2021), publicação eletrônica vinculada ao Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Seiscentos é uma revista de filosofia que pretende abrigar artigos, resenhas e traduções de temas, autoras e autores relacionados ao século XVII, além de interpretações contemporâneas dos mesmos. Já há, sem dúvida, quantidade considerável de revistas acadêmicas brasileiras de manifesta competência que compartilham esta proposta, o que poderia levantar a pergunta legítima sobre a necessidade de inclusão de mais uma. Trata-se, aqui, de convidar, reunir, intensificar e despertar o olhar para a produção de trabalhos críticos, que tragam para o centro da reflexão filosófica discussões normalmente posicionadas à margem, consideradas anômalas, além de formas de escrita e metodologias de análise tomadas como não-filosóficas e até mesmo anti-filosóficas. O periódico nasce, assim, do desejo de criar um espaço de divulgação para pesquisas que examinem a história da filosofia seiscentista com originalidade e rigor. Nasce também de uma postura ético-política de resistência aos universalismos e evidências perpetrados pelo cânone filosófico.

Seu primeiro volume possui uma seção temática dedicada às mulheres na filosofia do século XVII e a debates de feminismo e gênero correlatos, bem como uma seção geral com artigos de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros e estrangeiros que versam sobre discussões caras ao período histórico. Insere-se, portanto, num movimento mais amplo de resgate de pensamentos que sempre se fizeram presentes no horizonte filosófico, mas que foram silenciados pela imposição patriarcal. É preciso mencionar o débito desta edição com iniciativas recentes de reescritura do cânone, principalmente com o projeto Extending New Narratives, da Simon Fraser University, o qual tem insistentemente sublinhado, através de pesquisas, ações e eventos, a presença das mulheres e de outros grupos na história da filosofia. Procuramos observar, ao convidar as articulistas e articulistas para compor este volume, um princípio de paridade de gênero, de modo a manter a presença das mulheres na filosofia em duas frentes: tanto lendo e relendo filósofas históricas quanto, num esforço análogo, divulgando os trabalhos das filósofas do presente. A composição de nosso corpo editorial é também um reflexo da observação atenta desta prerrogativa.

Abrimos esta edição com um artigo de Lisa Shapiro sobre François Poulain de La Barre (1647-1723), filósofo francês do século XVII defensor de um feminismo cartesiano. Shapiro mostra como Poulain se apropria de algumas ideias da metafísica cartesiana, particularmente das propriedades atribuídas à mente humana, a fim de aplicá-las indistintamente a homens e mulheres. Em seguida, ainda sobre Poulain, Sacha Kontic examina de que modo esta igualdade entre os gêneros é derivada de uma teoria das paixões e de uma crítica do modelo contratualista. Encaminhando as discussões metodológicas do volume, Tessa Moura Lacerda toma o caso de Damaris Cudworth Masham (1659-1708) – filósofa inglesa que não só entreteve uma profícua correspondência com autores célebres de sua época, como também publicou anonimamente tratados de sua autoria – para refletir sobre a construção histórica do cânone. Contra certa interpretação segundo a qual Leibniz se dirigia de modo mais intuitivo às suas correspondentes mulheres – tais como a própria Masham e também Sophie Charlotte (1668–1705) –, David Rabouin insiste que, na verdade, a elas endereça os exemplos matemáticos mais difíceis, o que o permite precisar pontos centrais de sua filosofia. Katarina Peixoto, por sua vez, se aprofundará na correspondência entre Elisabeth da Boêmia (1618-1680) e Descartes. Peixoto questionará a leitura estabelecida que supõe que Elisabeth interpela Descartes a respeito do dualismo substancial, procurando determinar sua contribuição específica na troca epistolar. Em seguida, Celine Hervet avança uma analogia entre Judith Butler e Spinoza em suas concepções de linguagem, mostrando como é possível associá-los em suas teorias afetivas e críticas à concepção individualista de subjetividade. Fechando nossa seção temática, apresentamos uma tradução de duas cartas de Margaret Cavendish feitas por uma equipe coordenada por Nastassja Pugliese. A tradução acompanha uma apresentação inicial em que as cartas são situadas no projeto amplo de resgate das vozes de mulheres na filosofia. Nas cartas, Cavendish concentra-se nas questões do movimento e do lugar.

Nossa seção geral começa com um artigo de Luís César Guimarães Oliva acerca da concepção pascaliana do infinito. O autor retira as implicações éticas dessa concepção, sustentando que ela não é apenas, em Pascal, um tema de caráter matemático, mas também existencial. Refletindo sobre o tema da exterioridade na metafísica de Espinosa, Bruno Albarelli propõe que não se pode verificar, em seu pensamento, algo como um esforço positivo de servidão voluntária. Jack Stetter, dando continuidade ao momento espinosista, reflete sobre o argumento do autor em prol do monismo substancial, situando sua originalidade em relação às demais teorias do século XVII. Por último, Fabiano Lemos e Ulysses Pinheiro investigam a noção de profecia operante no contexto ibérico dos seiscentos, tomando a obra do Padre Antônio Vieira como exemplar canônico da construção de certa noção de teologia-política de teor imperial.

Desejamos a todas e a todos uma boa leitura.

Os Editores,

Ulysses Pinheiro

Carmel Ramos

Monique Guedes

Bruno Albarelli

Link: https://revistas.ufrj.br/index.php/seiscentos/index