A realidade apofênica do Brasil
Vicente Thiago Freire Brazil
Prof. da UECE
14/08/2023 • Coluna ANPOF
A•PO•FE•NI•A. S.f. Fenômeno psicológico associativo que conecta dados aleatórios da realidade.
Esteve em curso no Brasil um processo de apofenização epistêmica, ou seja, uma tentativa de construção programática de caos social, cuja força encontrava-se na produção de uma máquina estatal de desinformação, gerida por uma milícia digital que – alocada nos altos escalões do planalto central – implantou uma lógica comunicacional que naturalizava a pós-verdade.
A partir dos poderes político-institucionais do nosso país criaram-se celeumas artificiais, algoritmicamente estruturadas, para insuflar o clamor popular por meio da maximização do engajamento odioso no submundo das redes sociais. Temas, problemas e questões, que não possuíam qualquer correlação, foram frankensteineamente interligados debaixo de uma e mesma estrutura.
Associaram-se assuntos que por natureza são díspares: a vacinação contra um vírus pandêmico foi associada a um falacioso processo intencional de contaminação com vírus do HIV ou com adoecimento de câncer; a liberdade de expressão foi distorcida de maneira monstruosa com o objetivo de servir à defesa pública do nazismo e de outras formas inomináveis de totalitarismos; a oposição ao comunismo tornou-se uma cruzada em defesa de determinada experiência religiosa.
Estes são simplórios exemplos do modo como um modelo de gestão apofênico da verdade tornou-se realidade entre nós, com o intuito de gestar um outro Brasil, na verdade, um Brasil, uma sociedade às avessas, de ponta-cabeça, espelhada de modo negativo e insustentável.
O que desejavam os promotores dessa política pública pandemônica? O estabelecimento de um projeto de poder alienante e obscurantista das massas sociais. Pretendeu-se lançar as bases de um Brasil, isto é, do desmantelamento cívico-político de uma nação através da adoção de uma proposta governamental de “quanto pior melhor”: mais polarização social, fomento de uma politização sistêmica das instituições religiosas, e o aprofundamento de uma gestão econômica com fins de guiar nossa situação financeira para o risco e a volatilidade do capital pós-financeiro.
O Brasil que se pretendeu gestar é armamentista, idealizava um programa nacional de facilitação indiscriminada de acesso a armas que mais serveria ao fortalecimento dos estoques ilegais formados por bicheiros e milicianos do que para consolidar algum dado oficial de redução da violência ou de criminalidade.
Neste aspecto, o esforço apofênico tentou construir uma implicação inexistente entre o aumento da posse de armas pela polução em geral e a segurança pública. Se em nenhum lugar do mundo essa premissa é verdade, não seria aqui nesse outro Brasil que se tornaria fato.
Essa proposta monstruosa de Brasil também é devota do racismo estrutural, onde os atores governamentais utilizam toda sua verborragia midiática para associar-se à súcia pública que ataca, de pessoas, a grupos étnicos inteiros. A cor da pele, o cabelo, as tradições ancestrais convertem-se em uma sentença nessa ambiência adoecedora. A apofenia, neste caso, é a perversa tentativa, tão lombrosiana quanto imoral, de conexão entre fatores étnicos e inclinações coletivas para o crime, a violência ou a ignorância.
Por fim, apenas para cessar as caracterizações, e não para rastrear todos os componentes possíveis, o Brasil que se tentou (des)construir é perversamente machista. O aumento galopante da violência contra os corpos e vidas femininas, os feminicídios cada vez mais denunciados e contabilizados, são provas incontestes da empresa misógina naturalizada neste ignóbil projeto de destruição nacional.
A falácia apofênica procurava culpabilizar as vítimas, associando as liberdades individuais femininas – conquistadas depois de séculos de lutas contra opressões e subalternização – com justificativas abjetas para assédios, agressões e violações.
Urge confrontar os patifes que ainda querem criar esse outro Brasil com uma práxis política fundamentada numa razão-afeto, estruturalmente deliberativa e comunitária. O Brasil somos nós, nossa gente, nossa arte e alegria – esses fétidos poderes que tentam desarticular nosso país, não permanecerão incólumes – serão todos confrontados, denunciados e soterrados tão fundo no ocaso da história que nada, nem ninguém, ousarão tentar repetir tais despautérios.
Não há diálogo possível com essa massa putrefata de políticos corruptos, com a corja de milicianos, racistas e misóginos que tentou lotear o Brasil, na oposição deles é necessário ser resistência, existência, persistência, permanência. Então devenhamos através da ciência, da cultura, da filosofia. A hora é agora, oportuna e imprescindível.