A recriação do antigo
Wolfgang Theis
Doutorando em Filosofia pela Universidade de Brasília
13/03/2025 • Coluna ANPOF
A tão esperada disputa eleitoral ocorreu, e a Alemanha votou. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve avanços significativos, embora não tenha alcançado a posição de liderança que esperava. Os social-democratas registraram seu pior desempenho histórico, enquanto o bloco conservador conseguiu, ainda que com dificuldades, conter o avanço da extrema direita. Em novembro de 2024, Donald Trump, um conservador de direita declarado, foi eleito presidente pela segunda vez e, imediatamente, iniciou uma série de expurgos do aparato estatal, deportações de migrantes, cortes nas organizações de assistência pública, entre outras medidas. Na Argentina, Javier Milei já havia traçado um caminho semelhante e, ao seguir o modelo de Trump, anunciou sua intenção de retirar o país do Acordo Climático de Paris. Há muitos outros exemplos que poderiam ser mencionados, contudo, para manter o escopo deste artigo, limitamo-nos aos casos mais recentes. O que está ocorrendo no presente momento? Como se configura o cenário mundial atual? Ao refletir sobre os eventos contemporâneos, é comum remeter-se a um período em que tudo parecia seguir um curso familiar. A obra Der Untergang des Abendlandes (O Declínio do Ocidente), de Oskar Spengler, publicado em sua totalidade em 1923, ressurge como uma referência recorrente desse contexto. A teoria constantemente invocada por demagogos sobre o fim de sua própria cultura superior — supostamente provocada pela imigração e pela decadência interna —, encontra em Splenger a sua forma mais pura. O autor argumenta que os indivíduos competem por poder e prestígio como uma forma de garantir sua sobrevivência. Ele diz literalmente: “Porque ou se cresce ou se morre. Não há uma terceira opção” (SPENGLER, 2016, p. 1109). Em outra passagem, sustenta que embora seja possível observar uma cultura estrangeira como expectador, não se pode atuar politicamente para moldar o futuro. Para ele, a visão estrangeira, por meio da constituição, do parlamento e da democracia, não pode ser aplicada a culturas estrangeiras, pois elas não estão preparadas para isso (SPENGLER, 2016, p. 954).
O que Spengler diz aqui soa de alguma forma familiar, mas também estranho ao mesmo tempo. Quantas vezes os EUA tentaram impor sua forma de democracia em outros países e acabaram em grandes e prolongados conflitos militares? A URSS e a Alemanha nazista também não se expandiram ideológica e militarmente e impuseram suas doutrinas de salvação a outras culturas? O período do imperialismo britânico e francês ou, ainda mais remotamente, a divisão do mundo em um hemisfério português e espanhol são outros exemplos disso. Portanto, sempre houve e continua havendo esforços para alcançar a vontade de poder, como Nietzsche a descreveu (ZA II, Ueberwindung), e a aceitar sua própria visão como a única. Em sua campanha, Trump disse que, como presidente eleito, acabaria com a guerra na Ucrânia em um dia (LEDERER, 2024). Ele agora é presidente e o dia 24 de fevereiro de 2025 marcou o terceiro aniversário do início da guerra. Como podemos observar, Trump prometeu algo e não cumpriu. Aparentemente, a complexidade e a estranheza da situação ucraniano-russa eram complexas demais para uma visão de mundo simples de uma perspectiva corporativa “America First”.
Mas o que agora está levando os eleitores às mãos desses partidos políticos e de seus líderes, que prometem soluções simples para problemas complexos? A campanha eleitoral alemã foi caracterizada por questões econômicas e políticas de migração. A retórica de Trump durante sua campanha eleitoral soou radical, prometendo o céu azul e a ressurreição do paraíso na Terra. A motivação dos eleitores alemães provavelmente difere apenas marginalmente da dos americanos, pois a Alemanha registrou cerca de 1,8 milhão de chegadas pela primeira vez e 1,2 milhão de pedidos de asilo somente em 2015 (BAMF, 2017), o que desencadeou uma onda de solidariedade, mas também de medo do desconhecido entre a população. Além disso, houve um aumento subjetivo da criminalidade e um enfraquecimento da economia nos anos seguintes[1]. É provável que a motivação americana esteja ligada ao senso de missão dos EUA de ensinar democracia ao mundo, mas também às questões da economia enfraquecida e da imigração desenfreada subjetivamente percebida, especialmente da América Latina (POTTS, 2024). Entretanto, todas essas questões não podem ser resolvidas com simples retórica; elas exigem conceitos bem pensados e elaborados e não políticas de motosserra ou demissões em massa de funcionários públicos. Tudo isso é, na verdade, contraproducente e, a longo prazo, leva exatamente ao oposto do que se pretendia.
Entretanto, se analisarmos agora a ideologia por trás da motivação dos eleitores, veremos que o conservadorismo com conceitos econômicos neoliberais está se tornando cada vez mais difundido. A Revolução Conservadora da década de 1920 já havia incorporado esse senso de missão em sua ideologia. Arthur Moeller van den Bruck escreve, por exemplo: “A pessoa reacionária tem uma visão superficial da história, enquanto a pessoa conservadora tem uma visão enraizada dela. O reacionário imagina o mundo como ele foi. O conservador o vê como ele sempre será. [...] A política reacionária não é política. A política conservadora é a grande política. A história, que é pequena, tem a política que lhe corresponde: essa política é logo esquecida. A política só se torna grande quando cria a história: então, ela se torna impossível de ser esquecida (MOELLER, 1933, p. 131). Dessa forma, Trump quer garantir a si mesmo um lugar nos livros de história - o que ele já conseguiu, pois nenhum presidente dos EUA, anterior a ele, assumiu o cargo como condenado.
Se você seguir ainda mais os pensamentos de Moeller, então o conservadorismo não é de fato um preservador, mas um criador. Um conservador quer “criar coisas que valem a pena ser preservadas” (MOELLER, 1933, p. 157). e, além disso, ele está sempre procurando um ponto de partida no qual ele seja ao mesmo tempo sustentador e indignado (MOELLER, 1923, p. 147). Se aplicarmos essa posição à recente eleição na Alemanha, então o AfD corresponde exatamente a esse perfil. Por um lado, eles querem remodelar o Estado e suas leis de modo que, a seu ver, sejam criadas coisas que valham a pena preservar e, ao mesmo tempo, estão indignados com os chamados partidos antigos, pois eles são responsáveis pela situação geral e condenariam a Alemanha e os alemães. O estado da AfD seria um estado que não apenas se manteria sem estrangeiros, mas também seria um estado no qual a discordância é motivo suficiente para indignação. Portanto, a Alemanha seria recriada.
Recriada? Tudo isso já foi feito antes. A década de 1920 foi uma época de indignação e criação política. Em 1919, a monarquia foi abolida e a república foi criada, o sufrágio feminino foi introduzido ao mesmo tempo e a pena de Zuchthaus [2] por aborto foi substituída pela prisão. Estilos de vida diversos gradualmente se tornaram socialmente aceitáveis, a Nova Objetividade começou a se desenvolver na arte em direção à Bauhaus, danças não tradicionais foram introduzidas e o cinema e o rádio se estabeleceram como novas mídias. Era exatamente contra isso que a Revolução Conservadora se opunha, pois via o excesso de mudanças como um declínio dos valores que ela gostaria de criar e preservar. Isso soa familiar e contemporâneo para o século XXI? Provavelmente sim, porque, nos últimos anos, a resistência à mudança social tornou-se desenfreada em todo o mundo. As eleições de Trump e na Alemanha são apenas mais um desdobramento dessa tendência global. Mas elas apontam o caminho a seguir, pois os EUA são um fator econômico global, um peso-pesado político e um contribuinte líquido para todas as organizações internacionais - e é exatamente esse status de contribuinte líquido que Trump quer acabar, pois muitas dessas organizações não compartilham seus valores e só se curvam aos ditames do dinheiro. A Alemanha está procurando uma maneira de sair da atual crise social e econômica na qual se meteu recentemente. Os ganhos de votos da AfD não são necessariamente um fortalecimento do extremismo de direita, mas certamente são um sinal de alerta. Afinal de contas, Hitler também foi democraticamente nomeado Chanceler do Reich com 33,1% dos votos e aumentou sua votação para 43,9% no ano seguinte (WINKLER, 1990). O que se seguiu é (esperamos) bem conhecido.
Uma coisa não pode ser negada em relação aos conservadores de direita: eles levam a sério o que dizem e o executam quando estão no poder. Portanto, você sempre sabe qual é a sua posição, mesmo com antecedência. Mas se a implementação dos planos é tão desejável é outra questão. Essa é uma pergunta que todos devem se fazer e responder nas urnas.
Bibliografia
BAMF Das Bundesamt in Zahlen 2016. Asyl, Migration und Integration, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge, Berlin, 2017, URL: https://www.bamf.de/SharedDocs/Anlagen/DE/Statistik/BundesamtinZahlen/bundesamt-in-zahlen-2016.pdf?__blob=publicationFile&v=16 (acc. 24.02.2025)
LEDERER, E. M. Trump says he can end the Russia-Ukraine War in one day. Russia’s UN ambassador says he can’t. Associated Press, 02.07.2024, URL: https://apnews.com/article/trump-russia-ukraine-war-un-election-a78ecb843af452b8dda1d52d137ca893 (acc. 24.02.2025)
MOELLER, A. v.d.B. Das dritte Reich, Hamburg, Hanseatische Verlagsanstalt, 1933
NIETZSCHE, F. Also sprach Zarathustra. Ein Buch für Alle und Keinen. Zweiter Theil, Chemnitz, Enst Schmelzer Verlag, 1883, in: NIETZSCHE, F., Gesammelte Werke, herausgegeben von Giorgo Colli und Mazzino Montinari, Berlin / New York, Walter de Gruyter Verlag, 1967ff, URL: http://www.nietzschesource.org/#eKGWB/Za-II (acc. 24.02.2025)
POTTS, M. Why voters chose Trump, ABC News, 14.11.2024, URL: https://abcnews.go.com/538/voters-chose-trump/story?id=115827243 (acc. 24.02.2025)
SPENGLER, O. (1923) Der Untergang des Abendlandes: Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, Berlin, Henricus – Edition Deutsche Klassik, 2016
STATISTA I Anzahl der polizeilich erfassten Straftaten in Deutschland 1987 – 2023, Statista globale Datenbank, publicado 28.10.2024, URL: https://de.statista.com/statistik/daten/studie/197/umfrage/straftaten-in-deutschland-seit-1997/ (acc. 06.03.2025)
_________. II Anteil der ausländischen Straftatverdächtigen in Deutschland von 2013 bis 2023, Statista globale Datenbank, publicado 28.10.2024, URL: https://de.statista.com/statistik/daten/studie/2460/umfrage/anteile-nichtdeutscher-verdaechtiger-bei-straftaten-zeitreihe/ (acc. 06.03.2025)
WINKLER, H. A. Weimar 1918 – 1933, München, C.H. Beck Verlag, 1993
Notas
[1] Entre 2015 e 2021, o número de infrações penais registradas pela polícia caiu de forma constante; enquanto houve 6330694 infrações penais em 2015, o número foi muito menor em 2021, com 5047860 infrações penais. No entanto, o número de delitos voltou a aumentar ligeiramente em 2022 (5628584) e 2023 (5940667) (STATISTA, 2024). A proporção de cidadãos estrangeiros foi relativamente constante no período de 2017 a 2021, em torno de 34%, enquanto foi de 38% em 2015, 40,4% em 2016, 37% em 2022 e 41% em 2023 (STATISTA, 2024). A queda do número não foi percebida pela população tanto quanto o aumento, pois este último foi divulgado com muito mais intensidade pela mídia, enquanto o número reduzido de crimes registrados quase não recebeu atenção da mídia e, portanto, levou a uma percepção subjetiva de aumento da criminalidade entre a população.
[2] Zuchthaus, uma forma arcaica de prisão, tinha o objetivo de “corrigir” casos de problemas sociais, como criminosos, mendigos, outras pessoas pobres ou até mesmo abortistas, depois de terem sido privados de seus direitos políticos e sociais por meio de trabalho físico árduo para a sociedade e condições de prisão mais duras.
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