As universidades deveriam se engajar mais contra o novo ensino médio e outras pautas políticas

Newton Pereira Amusquivar Júnior

Mestre e Doutor em Filosofia pela Unicamp; Pós-Doutorando em Filosofia pela Unifesp

22/02/2024 • Coluna ANPOF

Em 2017, o governo nada democrático de Michel Temer realizou, por meio de decreto, a famigerada Reforma do Ensino Médio contendo diversas atrocidades contra a educação. Pouco se reagiu contra isso e, talvez por essa passividade, o Novo Ensino Médio foi implementado a partir de 2022 em todo o país. Entre os diversos problemas estão a diminuição da carga horária de disciplinas clássicas da BNCC e a implementação de outras disciplinas como Projeto de vida e os famigerados itinerários formativos que oferecem disciplinas como “O que rola por aí?”, “Ação! Está em suas mãos”, “Brigadeiro caseiro” e outros títulos bizarros. Por outro lado, disciplinas como filosofia, sociologia, física, biologia, química, educação física e arte foram diminuídas no Ensino Médio. Para ter uma ideia, em São Paulo, com o governo Doria (PSDB), a oferta de filosofia foi cortada do 3º ano do Ensino Médio para ter mais aulas de itinerários formativos. Agora em 2024, com o governo Tarcísio (Republicano), o ensino de filosofia foi retirado também do 2º ano, sobrando a oferta apenas para o 1º ano. Uma das justificativas para a diminuição da oferta dessas disciplinas foi a falta de professores. Ou seja, se não há professores, ao invés de criar faculdades de filosofia, diminui-se o ensino de filosofia no Ensino Médio. Sociologia, arte e história também tiveram o número de aulas diminuídas, assim como se manteve uma oferta pequena das disciplinas de física, química, biologia. Até mesmo educação física, disciplina essencial para a saúde dos estudantes, não tem seu lugar garantido no Novo Ensino Médio.

Quem se mobilizou principalmente contra essa atrocidade no ensino do Brasil foram os secundaristas, organizando diversas manifestações, colocando o tema para o debate público e pressionado o governo Lula (PT) para revogar o Novo Ensino Médio. Porém, nas universidades brasileiras pouco movimento foi realizado contra o Novo Ensino Médio, nem mesmo nos cursos de licenciatura houve muita mobilização contra isso. Em geral, os professores universitários que se manifestaram mais sobre isso foram justamente do curso de pedagogia e com especialidade nesse tema. Não vi em nenhum momento o movimento estudantil pautar a revogação do Novo Ensino Médio como luta, tal como os secundaristas fizeram. A greve da USP do ano passado (2023) levantou bandeiras importantes para a universidade, mas não pautou o Novo Ensino Médio, esse tema foi pouco citado e nem tematizado em algum GT. Seria por que esse tema está para além dos muros da USP? Diante disso, pode-se perguntar: por que a universidade está tão passiva diante do Novo Ensino Médio? Por que não tomar isso como pauta de luta? Por que pelo menos não tematizar mais isso nos espaços acadêmicos?

Essa passividade das universidades sobre o novo ensino médio diz muito sobre como está estruturada hoje a academia no Brasil e talvez também pelo mundo. A universidade se tornou espaço de especialização, de pesquisa cada vez centrada em um tema específico e simplesmente não toma uma posição política que deveria ter diante dos problemas da sociedade. Lembro em 2013, quando teve as jornadas de junho, convidei todos os professores da UNICAMP para uma roda de conversa sobre aquele momento político. Muitos se negaram a ir afirmando que não eram especialistas no assunto e que seria melhor isso ser realizado por professores que estudam política. Ora, para falar sobre política é preciso ser um cientista político ou estudar filosofia política? A política é algo que diz a todos, professor universitário, secundaristas, motoristas de aplicativos, e todo e qualquer outro ramo da sociedade. Enquanto na universidade houver a ideia de que devemos abordar só o que estudamos, ela se torna uma “bolha do saber” que se distancia dos problemas reais da sociedade e torna a comunidade universitária cada vez mais idiota, no sentido etimológico do termo, que vive só sua própria particularidade e não entra para os problemas e as questões públicas e políticas. É preciso politizar as universidades. É preciso criar a consciência que, por mais que uma pesquisa seja especializada em um tema, ela pode se engajar com questões políticas concretas. É preciso ser ciente que, por mais que exista uma pesquisa que não tenha nada a ver com política (isso realmente existe?), ainda assim deve-se posicionar e engajar-se politicamente. A luta contra o Novo Ensino Médio não deve ser só dos secundaristas que estão sofrendo com a precarização dele, mas de todos os cidadãos e, principalmente, de todos os ramos da educação, incluindo toda a comunidade acadêmica.

Por conta de toda mobilização protagonizada principalmente pelos secundaristas, o governo Lula abriu uma consulta pública e propôs mudanças no Novo Ensino Médio. Apesar da principal bandeira ser a revogação do Novo Ensino Médio, as propostas do governo no projeto de lei 5230/23 são positivas e garantem a continuidade do ensino de todas as disciplinas da BNCC durante todo o Ensino Médio, acrescenta a obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas e outras mudanças necessárias. Entretanto, o relator da proposta na Câmara é o deputado Mendonça Filho (União Brasil), que foi justamente o Ministro da Educação de Temer que realizou a reforma no Ensino Médio, e ele já manifestou que quer diminuir as horas dessas disciplinas propostas pelo governo. Se deixarmos nas mãos desse deputado, o modelo do Novo Ensino Médio vai continuar com esses mesmos problemas, pois os deputados pensam em não aumentar as horas das disciplinas da BNCC e continuar com muitas disciplinas de itinerários formativos. Se as universidades não se mobilizam e nem debatem isso, as grandes empresas, celebridades liberais e imprensa conservadora irão fazer pressão para que o Novo Ensino Médio permaneça praticamente o mesmo. Os empresários liberais se unem e formam grupos como “Todos Pela Educação” para influenciar o MEC na formação do Ensino Médio. E as universidades e a comunidade acadêmica se uniram para algo? Formaram algum coletivo para impedir esse Novo Ensino Médio durante esses anos? Recentemente, o documento final da Conferência Nacional de Educação (Conae) sugeriu, entre outras ótimas medidas, o fim do Novo Ensino Médio, mas se não houver apoio popular, infelizmente essa proposta ficará só no papel. É importante que a comunidade acadêmica lute por mais verbas e melhorias na universidade, mas também precisa lutar pela qualidade do ensino de base. Nesse ano de 2024, a questão do Novo Ensino Médio vai ser uma pauta relevante para a política nacional. As universidades ficarão pensando só nas suas “bolhas” ou participaram também ativamente nesse debate político nacional?


A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.