Breve introdução sobre David Hume e sua Crítica à Causalidade

Ygor Borba

Especialista em Ensino de Filosofia no Ensino Médio (Faced-UFBA) e Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA)

17/03/2022 • Coluna ANPOF

O filósofo escocês David Hume (1711-1776) tornou-se célebre por sua crítica à causalidade, que encontra no Tratado da Natureza Humana (1689) sua primeira mas não menos sofisticada formulação. A história da filosofia recusa, porém, a unidade da obra. Um típico exemplo dessa recusa é a maneira como é compreendida a continuidade entre o Tratado e a Investigação sobre o Entendimento Humano (1748). Nesse contexto, é ainda mais radical a aparente cisão teórica entre a investigação moral e a teoria do conhecimento, no interior da qual se inscreve a crítica à causalidade. Desse modo, a recepção da obra filosófica de David Hume costuma separar, como investigações distintas, sua crítica à razão das considerações sobre a moral, não reconhecendo entre elas qualquer solução de continuidade.

Todavia, retomar ao seu texto de juventude colabora no essencial, ou seja, em explicitar a crítica à causalidade tal como apresentada no Tratado da Natureza Humana, à qual importava recuperar a exigência conceitual pela qual Hume modifica e faz retornar, de um modo todo seu, a necessidade no domínio do empírico. Consequentemente, analisar razões internas à obra parecem indicar que as diversas investigações sobre as conexões causais, tanto nas dúvidas céticas quanto na solução das dúvidas (em especial, na filosofia moral), são momentos legítimos e complementares da filosofia humeana.

A crítica à causalidade conferiu lugar de destaque ao filósofo David Hume, situando-o na história da filosofia como interlocutor privilegiado sobretudo nas questões relativas ao problema da indução. No entanto, como se lhe indicassem o revés da medalha, segue-se frequentemente do elogio à censura. A sofisticação da crítica pareceria agora medir, com igual força, sua incapacidade de solucionar os problemas antes sugeridos pelo exame da causalidade. Nesse contexto, o elogio passa a encobrir uma operação teórica cuja função precisa consiste em apontar a fragmentação da obra humeana. Com efeito, não se atribui à crítica aquilo que a filosofia humeana teria de mais radical, próprio e consistente senão para tornar sensível o contraste entre duas filosofias. E não por outro motivo a tradição de comentários passou a privilegiar –de Kant a Popper, de epígonos a seus detratores –a argúcia de um Hume demolidor das relações causais, por contraste e oposição a um Hume fraco e lamentavelmente incapaz de responder suas próprias questões. Disso parecia resultar não apenas uma dificuldade interna ou a indigência conceitual característica da obra, mas uma descontinuidade cuja expressão se realiza sobretudo na posterior divisão do Tratado da Natureza Humana em Uma Investigação sobre o Entendimento Humano e Uma Investigação sobre os Princípios da Moral.

Em oposição a esta perspectiva que reconhece na demolição de relações causais e, consequentemente, na crítica à metafísica o gesto mais característico da filosofia de Hume, assim,  uma boa leitura sobre o autor nos levar a uma perspectiva diferente: a de que sua denúncia estende-se de maneira mais ampla ao domínio da razão. Assim, tratou-se de reconhecer na crítica e solução humeana movimentos complementares cuja unidade reside no exame e resposta às dificuldades a partir do recurso duplo e sistemático à experiência e à natureza humana. Todavia, não por uma deficiência, mas por exigências internas ao sistema, questões relativas à investigação moral passam a derivar estreitamente de investigações epistemológicas. Ao incidir sobre tais aspectos, fazermos uma leitura que tenta recuperar a unidade da obra de Hume como seu objetivo mais significativo, estando ele justificado pela pretensão de identificar uma tal unidade a partir das razões fornecidas pelo próprio autor do Tratado. 

 

Referência

 

DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade. Editora 34, São Paulo, 2001.

HUME, David.Tratado da natureza humana. UNESP, São Paulo, 2001.

______. Uma investigação sobre o entendimento humano. UNESP, São Paulo, 2004.

MONTEIRO, João Paulo. Hume e a epistemologia. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1984.

_____. Hume: Três Problemas Centrais. In Dois Pontos, Curitiba, Vol. 1, n. 2, p.111 –128, jan/jun, 2005.

LEBRUN, Gérard. A boutade de Charing Cross. In: A filosofia e sua história, Cosac & Naif, São Paulo, 2006.

_____. Berkley ou le sceptique malgré lui. In: A filosofia e sua história, Cosac & Naif, São Paulo, 2006.

MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. David Hume para além da epistemologia. In: Racionalidade e crise, Discurso Editorial e Editora da UFPR, São Paulo, 2001.

DO MESMO AUTOR

O Autor/Intelectual

Ygor Borba

Especialista em Ensino de Filosofia no Ensino Médio (Faced-UFBA) e Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA)

28/07/2022 • Coluna ANPOF