Diálogo de saberes para uma Educação Ambiental: considerações acerca de uma Ecosofia

Janilce Silva Praseres

Pós-doutoranda em Filosofia na Universidade da Beira Interior

12/06/2023 • Coluna ANPOF

A ter como base uma reflexão acerca das mudanças climáticas e questões ambientais emergentes que pautarão o pensamento, a política e o mundo contemporâneo, temos o intuito de estabelecer um diálogo de saberes para uma Educação Ambiental (designadamente para o ensino da filosofia) que supõe uma certa “fusão” dos saberes, ou seja, uma Ecosofia, um diálogo íntimo entre Ecologia e Filosofia, que resulta na integração, em uma inter-relação, interconexão e mistura dos saberes, dentre os principais nomes que despontam em relação a esta questão, temos: o filósofo norueguês Arne Naess, o pensamento ecofeminista de Françoise d’Eaubonne, o filósofo francês Guiles Deleuze, o pensador e ativista Félix Guattari e a freira e filósofa brasileira Ivone Gebara.

Compreendemos que o termo Ecosofia chamo-nos a atenção para a necessidade de se pensar ou repensar a relação entre o homem e o meio ambiente a partir de um paradigma po?s-cartesiano, que não subscreva uma forma de dominação sobre a natureza, a natureza não deve ser compreendida como “serva” do homem. Esta expressão está ancorada no pensamento do filósofo e ambientalista Arne Naess (1912-2009), criador do movimento denominado como Deep Ecology, o qual elenca que o problema da ecologia vai muito além de um único campo de estudos, que necessita do envolvimento de um esforço coletivo de diferentes áreas e saberes, visto ser um tema que acarreta a responsabilidade de todos.

É preciso que a Ecosofia seja encarada como uma cosmovisão que esta? para além das formas consensuais de combate ao desequilíbrio ambiental, mas que se promova como uma filosofia naturalista que consiga fazer emergir tarefas a serem plenamente consolidadas, como o reconhecimento da interdepende?ncia dos seres vivos entre si e em relação e consonância com o meio ambiente, e a natureza considerada como origem comum de todos, ponto este conflituoso com a tradição espiritual ocidental de matriz judaico-cristã?.

Se a ecologia atualmente se configura como um novo campo de saber, dentre o quadro dos saberes, que tende a questionar de forma ética os próprios saberes e que possibilita a proposição de uma organização, quiçá, ecológica dos saberes. É preciso, então, ter em atenção a questão da educação e as práticas discursivas na escola. Neste sentido, relembramos que a importância da filosofia sempre se fez e se faz presente, ajuda-nos a pensar o mundo, as problemáticas e os acontecimentos históricos, políticos, socioculturais, entre outros. Compreendemos que a filosofia em si não carece de atualidade, mas o seu ensino sim, assim como outras ciências, a forma como ensinamos filosofia também necessita acompanhar não só as novas tecnologias, como o desenvolvimento próprio do humano ao longo da história em busca de ações humanas para evocar uma harmonia com o meio ambiente.

De tal forma, a necessidade de compreender em que consiste a ecologia, mas essencialmente a ecologia em conjunto com a filosofia para uma educação ambiental que permeie a escola de forma mais concisa, visto ser primordial formar os jovens cada vez mais conscientes das questões emergente do mundo hodierno. Centraremos a nossa reflexão com base no texto The Deep Ecology Movement de Arne Naess e na obra Pensar o Ambiente: bases filosóficas para a Educação Ambiental, organizado por Isabel Cristina de Moura Carvalho, Mauro Grün e Rachel Trajber.

O surgimento da ecologia enquanto disciplina data de 1866, com Ernest Haeckel (1834-1919) a partir de Generelle Morphologie der Organismen (Morfologia Geral dos Organismos) quando propõe a criação da ecologia como um novo ramo da biologia. A qual teria por função o estudo das relações entre as espécies animais e o seu meio ambiente, isto é, o orgânico e inorgânico. Este ramo da biologia acaba por ter um crescimento considerável na segunda metade do século XX, em consequência dos desastres ambientais e pela urgência em tomar consciência da crise ambiental que cresceu exponencialmente na primeira década do século XXI.

Assim, a ecologia passou de ser apenas um estudo das relações do orgânico e inorgânico, para constituir-se como uma reflexão profunda sobre o comportamento do ser humano face aos sistemas naturais, numa abordagem aberta à multidisciplinaridade de saberes, em que se cruzam as ciências da natureza, as ciências humanas e a filosofia.

O texto, The Deep Ecology Movement: Some Philosophical Aspects, de Arne Naess aborda as fundamentações filosóficas do movimento da Ecologia Profunda e apresenta uma visão abrangente sobre as principais questões e ideias que norteiam essa abordagem ecológica. Naess descreve como a Ecologia Profunda difere de outras formas de ambientalismo, enfatizando sua ênfase na valorização intrínseca da natureza e na interconexão de todos os seres vivos. Destaca a importância de uma mudança de perspetiva, da visão antropocêntrica para uma visão ecocêntrica, na qual a natureza é valorizada por si mesma, independentemente de seu valor utilitário para os seres humanos.

A partir de Naess compreende-se as bases filosóficas da Ecologia Profunda, para ele a “diferença decisiva entre um movimento ecologista superficial e um profundo reside na vontade de questionar, e de apreciar a importância de questionar, todas as políticas económicas e políticas em público” (NAESS, 2005, p.9), destaca que políticas fundamentadas em argumentos antropocêntricos bem construídos acabam por violar e comprometer de forma indevida os objetivos de uma argumentação ecológica mais profunda e a disposição das pessoas em servir em causas ecológicas é enfraquecida, para além de causar desacordos técnicos entre especialistas e atrasar debates para ações ecológicas eficazes. O movimento da ecologia profunda destaca a importância de questionar profundamente e não de forma superficial-profunda (esta muitas vezes é utilizada como slogans utilitaristas retóricos). 

Apenas uma minoria dos apoiantes da ecologia profunda são filósofos académicos como eu. Embora a ecologia profunda não seja um sistema filosófico acabado, isso não significa que os filósofos do movimento não devam tentar ser tão claros quanto possível. Assim, uma discussão da ecologia profunda como sistema derivacional pode ser útil (NAESS, 2005, p. 10).

Conforme Naess uma decisão política só estará orientada para o ambiente a medida que estiver ligada a valores intrínsecos na natureza, caso contrário, sua racionalidade não está determinada, o movimento da ecologia profunda é um movimento de base, não uma visão do mundo. A partir do final da década de 1970, muito cristãos na Europa e na América (alguns professores de teologia) participaram ativamente neste movimento, embora, muitas das interpretações bíblicas e posições teológicas, atualizadas ao que eram, tem uma ênfase grosseiramente antropocêntrica no seio do Cristianismo. O movimento da ecologia profunda possui uma relação íntima com algumas formas de budismo, dado os princípios da não-violência, da não-lesão e do respeito pela vida.

As contribuições de Naess podem auxiliar de forma contundente os diálogos sobre as questões ambientais na escola, principalmente, no campo da filosofia no que diz respeito ao que é esperado dos alunos quando terminam a escolaridade obrigatória, que tem como objetivo o aluno como aprendente ativo e responsável, que seja questionador, crítico, organizador, informado e autoavaliativo. Pautado numa Educação para a Cidadania Democrática, cabe ao professor de filosofia (mas não só, como óbvio) fomentar os alunos para o desenvolvimento de uma consciência ambiental responsável, para o desenvolvimento de competências como pensamento crítico, informação e comunicação, raciocínio e resolução de problemas, mas que também seja capaz de operar ações ao seu alcance para preservação e respeito ao meio ambiente.

A ecosofia emerge como uma fusão de saberes ecológicos e filosóficos para enfrentar os desafios ecológicos contemporâneos. Essa abordagem inovadora nos convida a repensar nossa relação com o meio ambiente e a construir uma nova visão de mundo que valorize a interconexão e a interdependência de todos os seres vivos, na qual reconhecemos que a saúde do planeta está intrinsecamente ligada à nossa própria saúde e bem-estar. 

Referências

NAESS, Arne. The deep ecology movement: some philosophical aspects, 2005, pp. 33-55. Disponível em: https://openairphilosophy.org/wp-content/uploads/2019/02/OAP_Naess_Deep_Ecology_Movement.pdf. Acesso: 9 de abril de 2023.


 

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