Ensino de filosofia a partir da experiência do pensamento e não a partir da verdade

Genildo Firmino Santana

Mestre em Filosofia da Educação pela UFPR; professor da Rede Particular de Ensino em Tabira e da FASP (Faculdade do Sertão do Pajeú).

30/01/2025 • Coluna ANPOF

Jorge Larrosa pensa a educação a partir da experiência e do sentido.  Experiência que implica mais do que compreensão. A experiência como uma postura, um pôr-se em relação a algo ou alguém. Experiência que não pode se dar em uma sociedade que privilegia a informação, a opinião a toda hora sobretudo, o tempo ou a ausência de tempo e o ritmo de trabalho da sociedade de consumo. Larrosa faz uma distinção entre experiência e acontecimento, de modo que muita coisa acontece, mas não possibilita a experiência. Como a educação em toda sua complexidade está nesse contexto e adquiriu também seus hábitos, ela não possibilita a experiência do educando. A escola, que deveria ser o lugar da experiência, tem dificuldade em possibilitá-la, pelo ritmo frenético de estudo que impõe às estudantes e aos estudantes. A experiência é fundamental para Larrosa na relação de ensino-aprendizagem. Eis como afirma o pensador:    

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia (sic) de travessia, e secundariamente a idéia (sic) de prova (LARROSA, 2002, p. 25).

Fazer a experiência remonta à ideia de movimento, de um ir e vir, sair e retornar, de não ficar parado, de ser nômade em sua postura filosófica, intelectiva, pedagógica. Um sair de si, como atesta o prefixo ex. Um pôr-se fora. O que implica também um arriscar-se, como atesta Larrosa, o que é um perigo. É um não acomodar-se, semelhante àquele homem da caverna que sai, faz uma experiência e retorna.  É um estar aberto à própria condição ou possibilidade de experiência. A experiência é como um expor-se, sendo, assim, mais do que opor-se, ou impor-se e mais que um pôr-se. Assim diz Jorge Larrosa:

Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe. (LARROSA, 2002, p. 25).

A experiência, conforme a analisa Larrosa, se constitui em algo para além do acontecimento. Em outras palavras, a experiência não é o que se passa, mas o que nos passa. Ao mesmo tempo é individual e intransferível, no sentido que quem faz a experiência não pode transmiti-la a outra pessoa e também não se pode aprender com a experiência do outro.

Walter Kohan afirma que a Filosofia é um saber, mas é, sobretudo, uma relação com o saber. Do mesmo modo, o professor de Filosofia é, sem sombra de dúvidas, alguém que sabe, mas, principalmente, alguém que problematiza o saber. Kohan nos convida a pensarmos o Ensino de Filosofia desde a perspectiva da experiência e não desde a perspectiva da verdade. Kohan toma de empréstimo a fala de Foucault sobre a experiência e a verdade e as transporta para o ensino de Filosofia.

Foucault se refere aos livros. Diz ele que enquanto escritor tem escrito dois tipos de livros: livros-experiência e livros-verdade. Qual é a diferença? O livro-verdade é um livro que aquele que escreve o faz porque pensa que está em posição de algumas verdades e o sentido principal da escrita é transmitir essas verdades para que seja apropriada pelos leitores do livro. Escreve para transmitir o que sabe. Assim como há escritores de livro-verdade, há leitores de livro-verdade. Um leitor de livro desde a lógica da verdade busca no livro as verdades que ele ignora. Contraposto aos livros verdade, Foucault define os livros-experiência. O livro-experiência é um livro que também afirma verdades, mas a lógica da afirmação das verdades, diferente dos livros-verdade, é que as verdades são reveladas não para serem incorporadas pelos leitores do livro, elas são firmadas para permitir que o leitor e ao autor do livro problematizem a relação que tem com essas verdades do livro. (https://www.youtube.com/watch?v=jeqX6gevbpA Acessado dia 18 de janeiro de 2025.).

A distinção entre os livros-verdade e os livros-experiência não é a inexistência de verdades, uma vez que em ambos as verdades aparecem, não é a negação das verdades, porque não negam verdades, ou mesmo a afirmação de verdades, porque ambos afirmam-nas. A diferença reside justamente na maneira como essas verdades são afirmadas pelo autor do livro. Ambos transmitem verdades em suas páginas, mas o que os diferencia é que os livros-experiência problematizam as verdades que eles mesmos afirmam, enquanto os livros-verdade como que impõem um saber ao leitor, supondo que ele não saiba, que ele o ignore e, mais ainda, que esse saber lhe é útil. Os livros-experiência problematizam as verdades afirmadas e problematizam não só para o leitor, conquanto que também as problematizam para o autor das verdades afirmadas. Essa relação distinta se encontra no ato da escrita e no ato da leitura dos livros-verdade ou dos livros-experiência.

Aponta Walter Kohan que a Filosofia em si pode apresentar esses dois tipos de relacionamentos: o relacionamento desde a lógica da verdade e o relacionamento desde a lógica da experiência. Seja no ato de pensar filosoficamente, seja no ato de escrever Filosofia, seja no ato de ler Filosofia. Escrever ou ler Filosofia desde a lógica da verdade é buscar uma verdade que se ignora e que se supõe necessitar dela. Quem se posiciona a partir da lógica da verdade, afirma verdades para serem recepcionadas passivamente, sem maiores problematizações ou questionamentos. Já quem se posiciona a partir da lógica da experiência, também afirma verdades, mas não as busca para incorporá-las ao seu cabedal intelectual, não as busca para saber mais, antes as busca para problematizá-las.

E o professor de Filosofia? Qual a prática pedagógica do dia-a-dia em sala de aula? Como se reportar e se portar perante os(as) estudantes? Também a prática pedagógica em si mesma é passível de ser elaborada desde a lógica da verdade ou desde a lógica da experiência.

Como o professor de Filosofia também posso fazer minha prática de ensino a partir da lógica da verdade ou da lógica da experiência.

Eis o desafio da educação e do Ensino de Filosofia posto para todos(as) nós.


A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.

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Genildo Firmino Santana

Mestre em Filosofia da Educação pela UFPR; professor da Rede Particular de Ensino em Tabira e da FASP (Faculdade do Sertão do Pajeú).

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