Marc Thévenet: A Morte do Espanto

Arthur de Moura Dantas

Graduando em Administração Pública (FGV)

Bruno José Bezerra Ribeiro

Mestrando em Filosofia (UFPA)

13/04/2023 • Coluna ANPOF

Os escritos de Marc Thévenet prometem transformar radicalmente a paisagem filosófica internacional nos próximos anos. A sua forma peculiar de argumentação, que parte de intuições simples para chegar a conclusões audazes e espantosas, têm gerado crescentes controvérsias e ganhado cada vez mais destaque em diferentes áreas da filosofia e das ciências humanas. As suas reflexões pós-ontológicas e as suas análises epistemográficas têm potencial para mudar permanentemente a face da filosofia. Colocando uma lápide final na velha distinção entre filosofia analítica e continental, Thévenet e seus seguidores estão virando o pensamento contemporâneo de cabeça para baixo e o mundo do avesso. Um gênero completamente novo está a se formar.

Surpreendentemente, Thévenet continua sendo ignorado no Brasil. Já ocorreram pelo menos cinco congressos internacionais de grande porte dedicados exclusivamente à sua filosofia. Diversas revistas internacionais já editaram números especiais discutindo seus “nove paradoxos”, a sua teoria dos substratos políticos e os seus Gedankenexperimente epistêmicos. Os seus livros já foram traduzidos para o inglês, o alemão, o italiano, o espanhol, o romeno, o húngaro, o chinês e até mesmo para o português de Portugal. Já ocorreram até tentativas de testar algumas das suas hipóteses experimentalmente. O Brasil, porém, parece estar parado no tempo, incapaz de acompanhar os grandes debates internacionais contemporâneos e a nova revolução teórica liderada por Thévenet. 

Talvez o mais intrigante dos paradoxos de Thévenet seja o paradoxo nove, que afirma sem rodeios que é impossível ler. A argumentação de Thévenet não é apenas elegante. Ela também é irritantemente convincente. Thévenet está obviamente certo, mas, ao mesmo tempo, ele precisa estar errado. Para complicar ainda mais as coisas, todas tentativas de resolver o enigma proposto por Thévenet até agora só conseguiram confirmá-lo. 

Um recente estudo descreve os resultados de um experimento desenhado para testar o primeiro teorema thévetiano da leitura, que, em linhas gerais, afirma que só é possível ler porque é impossível ler. Trata-se provavelmente do melhor ataque já realizado ao paradoxo nove. No entanto, os próprios autores reconhecem ser impossível decidir se realmente conseguiram resolvê-lo ou simplesmente agravá-lo. 

Os leitores e as leitoras podem argumentar: “Se a tese thévenetiana de que ‘É impossível ler’ fosse verdadeira, então seria impossível lê-la. Mas ela está sendo debatida, o que significa que ela foi lida. E se ela foi lida, então é possível ler”. O problema, porém, é que o filósofo Marc Thévenet jamais escreveu que “É impossível ler”. Por uma razão muito simples. Ele nunca escreveu nada. E nunca escreveu nada porque ele não existe. 

Marc Thévenet é um autor fictício. Ele só existe enquanto nome e símbolo de prestígio. Ele não é um pensador francês, ele é uma isca projetada para fisgar a valorização inconsciente e involuntária da produção intelectual vertida pelo norte atlântico. Marc Thévenet é parte de uma engenhosa peça pregada contra a suposta imparcialidade da filosofia acadêmica. Ele não é um filósofo, ele é parte de um experimento filosófico

O experimento é descrito em um recente artigo publicado na revista Metaphilosophy. O objetivo do estudo foi testar a imparcialidade de julgamento da comunidade acadêmica. Os resultados não deixam muita margem para a dúvida. Não temos a pretensão de detalhar toda pesquisa aqui, mas destacamos o seguinte achado: o mesmo texto foi melhor avaliado quando assinado por Marc Thévenet do que quando assinado por Marcos Teixeira (como se pode ver pelo gráfico).






Faça um breve experimento. Caso você tenha acreditado, mesmo que por um breve momento, na existência de Marc Thévenet, que tal realizar um movimento de introspecção e tentar responder algumas perguntas? Você sentiu curiosidade em relação ao pensamento de Marc Thévenet? Você sentiu vontade de ler seus escritos? Você sentiu necessidade de se familiarizar com sua obra? A reação de interesse diante de um novo autor francês não constitui uma novidade. Ela é a reação esperada. 

A questão verdadeiramente perturbadora é a seguinte. E se o autor não fosse francês e sim brasileiro? E se você tivesse se deparado não com o nome Marc Thévenet, mas com o nome Marcos Teixeira? Você teria sentido a mesmo nível de curiosidade? Você teria sentido vontade de lê-lo? Você teria sentido o dever de se familiarizar com seu pensamento? Quando você observa suas próprias reações interiores, você se descobre usando dois pesos e duas medidas?