Marcos Teixeira e os Paradoxos da Razão
Arthur de Moura Dantas
Graduando em Administração Pública (FGV)
Adeir Ferreira Alves
Doutorando em Metafísica (UnB)
17/04/2023 • Coluna ANPOF
Os escritos de Marcos Teixeira prometem transformar radicalmente a paisagem filosófica internacional. A sua intuição fundamental de que paradoxos não deveriam ser tratados apenas como objetos de análise, mas também como instrumentos de análise, é complexa, densa e intricada o suficiente para garantir debates acirrados nos mais diversos campos da filosofia, na lógica e na matemática.
Segundo Teixeira, para explicar um mundo paradoxal (como é o nosso), precisamos construir teorias paradoxais. Não só aparentemente paradoxais, mas internamente e constitutivamente paradoxais. Aprendemos e nos acostumamos a encarar nossas teorias como esquemas conceituais forjadas para explicar o mundo. Mas como Teixeira demonstra, precisamos também encarar o mundo como um conjunto de entidades ontológicas semanticamente fulgurantes que explicam nossas teorias. A via é de mão dupla, não de mão única.
O mundo não é uma entidade inerte e passiva à espera das nossas faculdades cognitivas. E nós também não somos seres tão ativos e autônomos quanto imaginamos. A passividade é inerente à atividade e a atividade é inerente à passividade. A passividade leva à atividade e a atividade leva à passividade.
Além do mais, o mundo está em nosso centro tanto quanto nós estamos em seu centro. Ao mesmo tempo complementando e invertendo a descoberta antiga de que os humanos são a medida de todas as coisas, Teixeira argumenta que as coisas também são a medida de todos humanos.
As consequências das suas ideias para a estética, a ontologia, a ética, a lógica e a epistemologia são inúmeras. E elas parecem confirmar a sua intuição de que os paradoxos não têm apenas valor lúdico. Eles são realmente elementos constitutivos da realidade—razão pela qual são elementos constitutivos também da linguagem.
A obra filosófica de Marcos Teixeira indica que a fase de formação da filosofia acadêmica brasileira se completou. Como sabemos, a profissionalização da filosofia acadêmica brasileira começou na década de 1930 com a fundação da Universidade de São Paulo (USP). Na década de 1990, porém, o professor Oswaldo Porchat Pereira lamentou o fato de que a USP e as demais universidades brasileiras estavam formando apenas comentadores, isto é, apenas profissionais capazes de repetir e explicar o pensamento ocidental dominante, mas não pensadores no sentido estrito do termo, isto é, sujeitos epistêmicos capazes de introduzir inflexões na esfera do saber. A originalidade de Teixeira é uma prova de que a filosofia brasileira já não está mais em sua infância. Ela finalmente atingiu a idade adulta. Agora o Brasil pode dialogar com a comunidade acadêmica internacional de igual para igual.
Mas tem um problema. Infelizmente, Marcos Teixeira não existe. Ele é um autor fictício. O maior problema, porém, não é que ele não existe. O maior problema é que ele também não poderia existir, como argumenta um recente artigo publicado na revista Metaphilosophy.
Perante as outras ciências e os outros saberes, a filosofia às vezes arroga para si uma posição superior—inclusive por ter supostamente inaugurado no mundo o reino da razão. E assim as afirmações da filosofia se assentam essencialmente em um conjunto de rejeições, subalternizações e exclusões. Ela questiona tudo. Mas não admite que seja questionado o seu direito de classificar todos discursos, todos paradigmas, todos saberes como válidos ou inválidos, como verdadeiros ou falsos. É assim que uma raça, a branca, que um gênero, o masculino, que uma classe econômica, a dominante, que uma religião, a cristã, e que um lugar, a Europa, decide o que é universal e o que é particular, e define quem conta ou não conta como sujeitos do conhecimento.
Os brasileiros, e mais ainda as brasileiras, precisam superar tantas barreiras interiores para se permitirem ter ideias próprias e tantas barreiras exteriores para serem lidos ou lidas como iguais e quiça como originais, que sua simples existência equivale a uma impossibilidade lógica. Os alemães, franceses, britânicos e americanos, sim, podem ditar os termos do debate internacional. Mas jamais um autor ou uma autora de um país em desenvolvimento, não importa o quão profundas, relevantes e sofisticadas sejam suas reflexões. O seguinte gráfico que aparece no artigo publicado na Metaphilosophy ilustra bem o problema. As avaliações que fazemos da produção intelectual alheia variam significativamente de acordo com a nacionalidade do autor.
Marcos Teixeira não existe. Mas o fato de que não existe não significa que ele não seja provocador. Na verdade, ele é tão provocador quanto qualquer filósofo de renome. Pois ele nos coloca diante de um paradoxo bastante difícil de digerir: além de não existir, ele não pode sequer ser imaginado. Ou seja, um filósofo brasileiro suficientemente inovador para alcançar projeção internacional não pode ser matéria nem mesmo da imaginação. A grande tragédia da filosofia acadêmica brasileira parece ser que Marcos Teixeira só pode existir como um autor fictício, como um ser que pertence ao reino da fantasia. Sabemos que filósofos brasileiros e as filósofas brasileiras raramente ocupam espaços em revistas estrangeiras especializadas. Mas por que também não têm espaço nem mesmo no plano da imaginação?