O que o ensino de filosofia deve aprender com Oxum

Aline Matos da Rocha

Doutora em Filosofia (UnB)

28/06/2023 • Coluna ANPOF

Primeiramente, é importante salientar que (abre) caminhos esta escrita pretende  percorrer. Levando em conta a minha relação com o pensamento da filósofa iorubá Oyèrónk?? Oy?wùmí, a minha jornada como professora de filosofia na Educação Básica, e algumas  reflexões sobre o artigo 26-A da LDB, inserido pela Lei 10.639/2003, e modificado pela Lei  11.645/2008, que estabelece mudanças significativas no currículo “oficial” através da  obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena na Educação Básica, é que esta escrita deságua.  

Embora tenhamos a Lei 10.639/2003, esta não “colou” de fato nos departamentos brasileiros de filosofia, tampouco no âmbito da formação docente para o ensino de filosofia. Há  ainda um profundo silêncio sobre a história e cultura afro-brasileira e indígena na formação da licenciatura em filosofia, que não consegue abordar outras filosofias a não ser a ocidental. Mas  cabe-nos questionar: é possível para um(a) professor(a) ensinar filosofia no Brasil sem refletir a existência das(os) próprias(os) estudantes da Educação Básica? O que significa reproduzir uma filosofia na qual a população negra não se vê representada como produtora de pensamento  filosófico?  

Giraremos em torno destas questões com a divindade iorubana Oxum, a qual espero nos  levar a pensar não apenas como representação religiosa, mas como (represent)ação filosófica  que não preconiza o ensino de filosofia assentado apenas em uma filosofia. Pelo contrário,  Oxum é a encarnação do conhecimento, cujo significado pressupõe e reflete todas as diferenças (multiplicidades) no ensino de filosofia. Este que precisa confrontar e problematizar o estado de coisas constituído pelo racismo colonial moderno que subjugou e excluiu filosofias  afroindígenas, impactando (colonialmente) o nosso imaginário e a nossa compreensão sobre  elas. 

Através das águas de Oxum compreendemos que não devemos dispensar o ensino de  filosofia de se fazer uma autorreflexão sobre temas como raça, relações raciais e racismo. Mobilizando assim elementos fundamentais para a crítica e o desmantelamento de estruturas  racistas como aportes do próprio fazer filosófico, o qual tacitamente define o que é e o que não  é filosofia, e que por implicação inscreve a filosofia africana e a filosofia indígena na zona do não ser/saber justificando seus apagamentos no ensino, e garantindo o domínio intelectual e  material global do Ocidente.  

Entretanto, se o ensino de filosofia não reflete outras filosofias não podemos chamá-lo de ensino. Até porque Oxum nos oríenta [1] que não se aprende apenas para ensinar (como se  pudéssemos despejar, passivamente, água de um pote a outro), mas se ensina para aprender.  Isto é, aprender a (re)conhecer diferentes abordagens e valorizar quem são os sujeitos que estão  numa sala de aula de filosofia na Educação Básica brasileira, cuja raça, gênero, classe, etc. precisam ser refletidos no ensino de filosofia. Em suma, o que o ensino de filosofia deve  aprender com Oxum é que a formação precisa se engajar com outras filosofias para que uma  sociedade plural, não depredatória, e tampouco opressiva, emerja.

[1] Neologismo criado através do destaque de orí. Na tradição filosófica iorubá, orí é uma das expressões mais  importantes e comporta uma pluralidade de sentidos, mas, de forma literal, significa cabeça. Não apenas a cabeça  física, mas o receptáculo que carrega o destino de uma pessoa.  

Referência 

OY?WÙMÍ, Oyèrónk??. What Gender Is Motherhood? Changing Yorùbá Ideals of Power, Procreation, and Identity in the Age of Modernity. New York: Palgrave Macmillan, 2016.

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Aline Matos da Rocha

Doutora em Filosofia (UnB)

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