O silêncio nos conduzirá à bancarrota

Álvaro de Souza Maiotti

Discente no Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO/UFABC); professor de Filosofia nas redes públicas estadual e municipal de educação na cidade de São Paulo.

12/12/2024 • Coluna ANPOF

Desde que ingressei na rede pública estadual de educação como professor em regime de contratação temporária, há 12 anos, convivo com o temor de que em algum momento não haverá espaço para a Filosofia na educação básica. Portanto, logo no início da carreira, fui orientado por diretores de escola e colegas professores a cursar outra graduação para ter uma carta na manga no momento em que a ameaça se consolidar. Durante algum tempo, a estratégia do governo do estado de São Paulo foi a de fechar salas de aula no período noturno reduzindo, a um tempo, a quantidade de turmas e a jornada de trabalho dos professores. Essa medida foi incrementada com a expansão do Programa Ensino Integral (PEI) e, posteriormente, com as reformas curriculares dos últimos anos: arbitrariedades fantasiadas de legalidade.

A implementação da etapa Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular impôs aos estados a tarefa de reorganizar os currículos. Progressivamente, o Currículo Paulista substituiu o Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas Tecnologias, e as disciplinas que eram ofertadas apenas no âmbito do PEI passaram a compor as grades curriculares de todas as escolas estaduais, reduzindo o já parco espaço que a Filosofia dispunha. Parece que acompanhamos essa movimentação como se ela nada tivesse a ver conosco. Preferimos discutir alternativas para ensinar Filosofia nas brechas curriculares que nos restaram: inventar uma disciplina eletiva de cunho filosófico; assumir a disciplina de Projeto de Vida e discutir os temas que a ela concernem a partir da perspectiva filosófica; acrescentar aos itinerários formativos desvios e atalhos filosóficos. Em síntese, alegramo-nos com o mínimo, e isso foi suficiente para abandonarmos a trincheira da garantia institucional do ensino de Filosofia na educação básica.

Há pouco celebramos o aumento do número de questões de Filosofia na última edição do Enem. E essa parca vitória desviou nossa atenção das próximas alterações curriculares que enfrentaremos em 2025, tendo em vista a aprovação da Lei n.º 14.945/24: na unidade escolar onde atuo, a Filosofia será ofertada apenas para a primeira série do ensino médio, no período vespertino; as turmas de segunda série do ensino médio, do período noturno, terão aula de Filosofia e Sociedade Moderna – uma pseudodisciplina que será oferecida a distância, no contraturno, e da qual não se sabe o conteúdo, já que caberá ao professor e à professora o papel de mediação que se resumirá ao acompanhamento da realização das tarefas pelos alunos. Não haverá Filosofia para as turmas da terceira série do período noturno. A tática de terra arrasada parece ter sido executada com maestria: a ameaça supramencionada enfim se concretizou. O que nos resta? Vislumbro apenas duas alternativas: (i) nós, que nos habituamos a filosofar nas brechas, teremos que aprender a filosofar sob escombros – a velha estratégia da adaptação, do currículo oculto, que já se mostrou ineficaz; (ii) unir esforços e erguer uma barricada para defender, de maneira aguerrida, a permanência do ensino de Filosofia na educação básica. Eu escolho a segunda opção e conclamo os filósofos e filósofas que atuam na linha de frente na educação básica a fazerem o mesmo. Do contrário, o silêncio nos conduzirá à bancarrota.


A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.