Radar Filosófico: Contribuições do pensamento filosófico de Jean Maugüé, Gérard Lebrun e Hannah Arendt para a filosofia brasileira

Robério Honorato dos Santos

Professor de Filosofia da Seduc/SP e Doutorando em Filosofia no PPGFil da UFABC

06/06/2023 • Coluna ANPOF

Tem crescido no Brasil o debate acerca da filosofia brasileira, e até mesmo do pensamento autoral brasileiro. Optamos pela expressão filosofia brasileira, não porque se ignore o debate em torno da questão de uma filosofia no ou do Brasil, mas por entender que ela acomoda essa discussão. 

Este artigo objetiva analisar as contribuições do pensamento filosófico de Jean Maugüé, Gérard Lebrun e Hannah Arendt, especificamente de suas noções de espírito crítico, da concepção de filosofia livre, portanto, sem amarras e do “pensar sem corrimão” para a filosofia brasileira. Para a análise dessas concepções, partimos do contexto da formação filosófica uspiana das décadas de 1930 a 1970, tal como Paulo Arantes apresenta em Um departamento francês de ultramar, exceto quando se trata de Arendt. Neste caso, seu pensamento ganha destaque. O motivo que justifica o lugar central que o pensamento filosófico da filósofa alemã ocupa no presente artigo é duplo: por termos partido da análise que Lebrun fez do pensamento dela em seu texto Hannah Arendt: um testamento socrático e por compreendermos que o significado da noção de “pensar sem corrimão” tem muito a contribuir para a filosofia brasileira. 

A partir das lições de Maugüé, penso que dois aspectos centrais podem servir de contribuições para a filosofia brasileira, quais sejam: o desenvolvimento do espírito crítico e o cultivo de repertório teórico advindo das ciências, como, por exemplo, da História, das Ciências Sociais, das Ciências Políticas, e até mesmo da cultura em geral, entre outros. É certo que Maugüé mobilizava amplo conhecimento cultural, que lhe servia como introdução para filosofar, contudo, a meu ver, certamente, a articulação conceitual oferecida pelas ciências para se pensar filosoficamente a realidade brasileira oferecerá oportunidade para o desenvolvimento de um significado filosófico em que a relação deste com a realidade se coloca como uma referência, e que, por isso mesmo, não se furta em pensá-la.

Ao libertar o pensamento do conhecimento, Kant contribuiu fundamentalmente para o entendimento de Lebrun sobre a autonomia do discurso filosófico. Desse modo, a “autonomia” do discurso filosófico constitui a influência mais decisiva da redescoberta kantiana do pensamento, o que confere à compreensão da filosofia de Lebrun, o sentido de um filosofar livre, sem amarras. Essa é a mais importante lição de Lebrun, e deveria ter figurado como o exercício de maior magnitude na formação filosófica brasileira, como um arremate da missão francesa na década de 1970. Essa é, conforme entendemos, a lição que resta como contribuição de Lebrun para a filosofia brasileira ainda hoje. Se a “leitura estrutural” do texto, a busca pela compreensão daquilo que o autor quis dizer, a partir do quadrante do texto, em suma, a história da filosofia, de algum modo, trouxe às gerações de filósofos uspianos, formados sob o guarda-chuva das diretrizes dessa missão, algum vislumbre do significado do filosofar, este, ao que me parece, para alçar voo, precisa ser livre.

O fato de que o pensamento, segundo o prisma da filosofia de Hannah Arendt, não prescinde da experiência vivida, ao contrário, os problemas desta experiência provocam e desafiam a atividade do pensar, é que se encontra o significado desta atividade, que se constitui inteiramente crítica. Caracterizada desta forma, o pensamento, ao se voltar para as experiências vividas, inevitavelmente, traz implicações ao examiná-las. Como tais experiências dizem respeito aos homens no plural, e, de acordo com Arendt, a política emerge dessa pluralidade, isto é, do espaço entre os homens, essas implicações são de caráter político. Essas pistas levaram Arendt a compreender que o significado do pensamento não pode prescindir da intersecção entre o pensamento e a ação, de modo a caracterizá-lo como um “pensar sem corrimão”, portanto, livre.

As lições de Maugüé, Lebrun e Arendt, sugerem para a filosofia brasileira uma contribuição no sentido de que, o significado do filosofar comporta algo a mais do que aquilo que se faz dentro dos contornos dos muros da academia, visto que, as experiências vividas igualmente são referências a partir das quais a filosofia pode alçar voo. 

Nesse horizonte, argumentamos que, a lição de Maugüé de cultivo de espírito crítico, a de Lebrun acerca da filosofia sem amarras e a compreensão da filosofia de Arendt como um “pensar sem corrimão” constituem contribuições importantes para a filosofia brasileira, no sentido de um filosofar cujas experiências vividas são incontornáveis para essa atividade, quer dizer, a filosofia.  
 

Artigo completo neste link.