Schopenhauer e o pessimismo anticoach
Alex Andrade
Mestrando em Filosofia (UFBA)
27/09/2023 • Coluna ANPOF
Em O mito de Sísifo, o filósofo Albert Camus afirma que julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia e todas as outras questões surgem depois. Eu particularmente concordo com a posição de Camus e endossaria que, caso a resposta seja positiva, ainda haveria outra questão a ser respondida: como ser feliz? Qual é a fórmula mágica para alcançar a felicidade?
Todos, pelo menos uma vez, buscaram ou refletiram sobre a existência de uma fórmula para ser feliz. As prateleiras das livrarias estão repletas de livros coloridos que vendem diversas receitas com títulos como, por exemplo, “Alcance o sucesso e seja feliz”, ou “Pare de sofrer agora”. São livros com títulos grandes e chamativos, bastante atrativos. O mercado otimista de autoajuda e coaching, impulsionado pelo capitalismo, mostrou-se altamente lucrativo e próspero. Aliás, esse mercado só existe devido ao sistema capitalista. Em um mundo repleto de tragédias e infortúnios, todos desejamos saber: o que deve ser feito para evitar as dores e sermos realmente felizes?
O neoliberalismo foi capaz de transformar um sentimento (algo abstrato) em uma mercadoria (algo concreto). Escolhi utilizar termos que possuam uma conotação comercial para expressar minha posição crítica em relação ao otimismo neoliberal. Vivemos em uma sociedade extremamente competitiva e individualista, sob o véu do mito da meritocracia. Diante deste cenário, surgem os coaches: os “tutores” da felicidade. Eles pregam que o sucesso e a felicidade dependem do esforço individual. Além de manter e incentivar os pensamentos otimistas, segundo eles, devemos nos afastar dos pensamentos pessimistas, pois isso atrapalharia o nosso rendimento ou (uma justificativa mais mística) aumentar a atração de eventos ruins devido aos pensamentos negativos inerentes ao pessimismo. A felicidade é o propósito da existência humana e, por isso, deve ser sempre o objetivo prioritário de todos nós. A avidez pela prometida felicidade resulta em graves problemas sociais e psicológicos. A busca desenfreada pela felicidade tem causado diversos problemas sociais e de saúde mental, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), síndrome de Burnout, entre outros.
Atualmente, há um movimento anticoach, especialmente nas redes sociais, que fazem humor com as frases e doutrinas motivacionais adotadas pelos coaches. São memes, frases desmotivacionais com tom de humor. Alguns psiquiatras avaliam que este movimento aparentemente humorístico pode ser um convite para reflexão sobre o impacto de um otimismo exagerado que, quando comparado minimamente com a realidade, torna-se um discurso absurdo e engraçado. Logo, penso que o ideal pessimista seria um potencial aliado nesse movimento contrário à sanha otimista.
No senso comum, evitamos a palavra e os pensamentos pessimistas, pois, em nosso imaginário, o pessimista é alguém que só enxerga o lado ruim de tudo, um descrente, um amargurado. Enquanto o otimista é a pessoa esperançosa, esforçada e emana positividades. A palavra otimismo tem origem no latim “optimum” que significa “o melhor”. Já o pessimismo, por sua vez, é derivado da palavra “pessimum”, que significa “o pior”. Se uma perspectiva otimista da vida apresentada pelo coaching, é semelhante a uma propaganda, uma vez que não nos leva à felicidade que é prometida, mas sim a uma ilusão mercadológica que tem enfermado as pessoas. O que fazer, então?
Arthur Schopenhauer, considerado o pai do pessimismo, afirmava que a felicidade duradoura não pode ser alcançada devido à eterna insatisfação do nosso querer. Schopenhauer, em uma de suas críticas ao otimismo, afirma que vivemos no “pior dos mundos possíveis”, uma alusão à tese leibniziana de que este é o “melhor dos mundos possíveis” por ter sido criado por um deus generoso e bondoso. O pessimismo filosófico não se limita a uma perspectiva quietista e imobilista. É justamente essa faceta crítica e ativa do pessimismo que quero observar nessa crítica ao otimismo neoliberal contemporâneo. Dado que a felicidade plena é impossível e que o sofrimento é inerente à vida, o pessimismo crítico teria ambições, talvez, mais modestas, como, por exemplo, a de ter uma vida menos sofrível e mais feliz possível. Schopenhauer denominará esta doutrina de sabedoria de vida em sua obra tardia Aforismos para a sabedoria de vida. Contudo, não irei aprofundar muito sobre essa questão por não ser o meu objetivo nesse texto. O importante aqui é entender a existência dessa outra nuance do pessimismo e como ele pode ser utilizado como oposição a uma ditadura da felicidade estabelecida pelo otimismo neoliberal.
Dessa forma, o pessimismo crítico seria, como já foi mencionado, uma busca por uma vida menos infeliz. Dada a premissa da ilusão vendida pelos coaches de que a felicidade plena é possível e que essa busca deve ser o objetivo de vida de todos, proponho uma problematização a respeito dessa doutrina e uma reflexão sobre as vantagens menos ambiciosas do pessimismo crítico. E não estou dizendo que seja um tipo de hedonismo ou um estoicismo literal. O intelecto combinado às experiências vividas contribui para a tomada de decisões conscientes, permitindo uma análise criteriosa das escolhas que atenuariam o sofrimento inerente à existência humana. Parece-me menos exagerado e mais realista do que o prometido pelos comerciantes do otimismo.