Subjetividade ética - Um outro lugar para a ontologia em Levinas | Especial XX Anpof

Abimael Francisco do Nascimento

Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará; Professor na Faculdade Católica de Fortaleza

22/08/2024 • Coluna ANPOF

O pensamento levinasiano é inquietante e propõe uma ética desafiadora aos leitores e pesquisadores. Buscando proporcionar um momento de conhecimento da proposta ética de Emmanuel Levinas, colocamos esse curso dentro do conceituado evento, assim, repensando a subjetividade em Levinas, deparamo-nos com a problemática da ontologia em seu pensamento e verificamos como tal problema implica numa ampla interdisciplinariedade, o de demonstra a vitalidade do minicurso proposto e para o qual deixamos o convite. 

A relação que pretendemos analisar, durante o minicurso, é: subjetividade, ética e ontologia. Contribuindo para a percepção da necessidade de relações interpessoais e institucionais que se esforcem na convivência com a alteridade, numa acolhida do outro que nos aparece numa multiplicidade de rostos. Deste modo, a pesquisa dirige-se a aportar relevante contribuição para a reflexão filosófica e para a sociedade, por abordar a subjetividade e a ontologia no horizonte ético desde uma leitura do pensamento levinasiano, sabendo que o maior empenho levinasiano tenha sido retirar a relação Mesmo-outro do predomínio do ser.

Para o nosso estudo, além de verificar a revisão filosófica e a crítica levinasiana, queremos dirigir a atenção para a permanência da ontologia, sabendo que não se trata daquela proposta por Hedeigger, mas uma ontologia antecedida pela ética, entretanto, ainda ontologia. Aliás, parece-nos e procuraremos perscrutar: Levinas se deteve tanto na crítica, que terminou por apresentar a manutenção da ontologia de maneira tímida, especialmente ao final de Autrement qu´être. De nossa parte, ir ao trecho final da obra de 1974, constitui um direcionamento peculiar em nosso minicurso, visando expor a subjetividade ética como um outro lugar para a ontologia, especialmente com o aparecimento do terceiro, quando a justiça é invocada e a ontologia surge como elemento de condição dessa justiça.  

A constituição da subjetividade na filosofia da alteridade, com a proposta da saída do predomínio do ser, mostra-se uma revisão do pensamento ocidental, portanto, Levinas se insere entre os pensadores do século XX que pretenderam uma outra abordagem do sentido, do humano e das relações. Levinas entende que a filosofia do Ocidente tem sido, no geral, um esquecimento do outro. Dentre as revisões filosóficas encampadas no século XX, a originalidade de Levinas é a inversão: o ente antes do ser. Uma abertura ao outro como transcendência radical, uma saída do si mesmo. A filosofia de Levinas faz críticas a uma subjetividade monótona e solitária, regida pelo ser. Para ele, a subjetividade se torna plenamente formada por meio de sua saída para o outro, isto é, o outro no Mesmo. A saída, pensada por Levinas é a saída do ser, saída de si mesmo, numa perspectiva de se ter uma subjetividade ética: o Mesmo responsável pelo outro. 

O pensamento de Levinas, em virtude da defesa de tal saída, como crítica à ontologia, é interpretado como ruptura, de modo que alguns comentadores, como Pivatto e Chalier indiquem que Levinas toma uma distância radical em relação à ontologia. A nosso ver, Levinas faz duras críticas à ontologia fundamental de Heidegger, querendo sair do aprisionamento do ser. Essa dura crítica se dá, sobretudo, por Levinas entender que a primeira pergunta da ontologia seja pelo ser e não pelo outro, diante disso, ele propõe a inversão: o ente antes do ser. Tal inversão, realizada pela filosofia da alteridade, consiste em eleger a ética como filosofia primeira e não a ontologia.

Uma primeira consideração que nos conduz a pesquisar que em Levinas há sim algum recuo à ontologia, é primeiramente considerar que para ele, depois da obra de Heidegger, seria difícil uma filosofia pré-heideggeriana (Cf. LEVINAS, 1998, p. 18). Também nos leva a desenvolver este estudo, o fato de haver poucos comentários centrados na análise de uma ontologia em Levinas; há uma carência de pesquisa que exponha a relação entre ética e ontologia em Levinas, na perspectiva de crítica e não de ruptura, de modo que a nosso minicurso se ponha como um aprofundamento a contribuir com a filosofia contemporânea e a práxis ética. Igualmente, propomos reforçar o reconhecimento que Levinas, junto à contribuição judaica, fala a língua grega, isto é, sua filosofia está numa linguagem acadêmica e universal, no âmbito da ontologia, dando-se como uma intriga entre a linguagem ética e a linguagem ontológica (Cf. LEVINAS, 2008, p. 123) e apesar de toda intriga com a ontologia, verificaremos em nosso estudo, que sua filosofia aporta na relação entre justiça e ontologia, como condição da ética quando aparece o terceiro.  

No encontro com Heidegger, Levinas é consciente que a obra de Heidegger dê uma considerável contribuição ao pensar filosófico posterior; é isto que ele expressa em Ética e Infinito (Cf.: LEVINAS, 2007, p. 28). Em todo caso, a nossa pesquisa quer se deter na questão se o modo de subjetividade ética em Levinas é realmente um abandono da ontologia ou uma releitura crítica da mesma. O próprio Levinas, ao tratar da relação entre o Dito e o Dizer, considera o Dito vinculado à ontologia e o Dizer vinculado à ética, desenvolvendo uma antecipação do Dizer ao Dito, isto é, da ética a ontologia: o ente antes do ser. Mantendo, deste modo, um vínculo com a ontologia.

Partindo da reflexão acerca do pensamento levinasiano, em nosso minicurso proporemos uma pedagogia ativa, por meio de espaço para debates e intervenções, que favorecerão a construção do conhecimento e problematização do pensamento levinasiano. 


Bibliografia Básica

LEVINAS, Emmanuel. Autrement qu´être ou au-delà de l´essence. Paris: Kluwer Academic, 2016.

LEVINAS, Emmanuel. Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

LEVINAS, Emmanuel. Deus, a morte e o tempo. Tradução Fernanda Bernarco. Coimbra: Almedina, 2003. 

LEVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Tradução Pergentino Stefano Pivatto (coord). Petrópolis-RJ: Vozes, 2010. 

LEVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito. Tradução João Gama. Lisboa: Edições Setenta, 2007.

LEVINAS, Emmanuel. Théorie de l´intuition dans la Phénomémologie de Husserl. Paris: J. Vrin, 1994. 

LEVINAS, Emmanuel. Totalité et Infini: essai sur l´exteriorité. Paris: Kluwer Academic, 2000.

ZUPI, Massimiliano. Per um´ontologia della soglia che pensi l´essere come traspassare recíproco irrisolto: una lettura di Totalità e Infinito e de Altrimenti che essere di Emmanuel Levinas. Roma: Associazione culurale Riccola Barca, 2017.

SEBBAH, François-David. Lévinas. Tradução Guilerme João de Freitas Tixeira. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.


O minicurso "Subjetividade ética – Um outro lugar para a ontologia em Levinas" será ministrado pelo Prof. Dr. Abimael Francisco do Nascimento (FCF), integrando a programação do GT Levinas.