Vícios epistêmicos: um exemplo a partir do emprego do pronome 'ela'

Eduardo Novaes

Mestre em filosofia pela Universidade Federal da Bahia

02/05/2025 • Coluna ANPOF

Temos hoje como exame um exemplo do marulho atual sobre o que se comunga chamar de ‘reflexão epistêmica’ a maneira como se reavalia, implícita ou explicitamente ou ainda como um efeito indesejado, uma discussão que tem papel localizado no movimento da falência da filosofia da ciência, onde no seu curto histórico de curso histórico põe em relevo o papel funcional do pronome que indexa as mulheres no divisar do horizonte do seu emprego uma conjunção da evolução com a revolução – a partir do exame de seu lugar de fala. Em outras palavras, a pergunta é se ‘ela’ sofreu uma revolução nos últimos anos ou houve uma evolução, ainda em curso..., no tratamento do lugar das mulheres na filosofia ou a partir dela. Afinal, eis a questão devidamente pontuada, podemos inferir que a nossa imagem de mundo, que é sobremaneira a da sociedade científica, constrói ou reconstrói o argumento do lugar epistêmico? Ao constituir o espaço da inspiração evoluída ou a inversão completa da sua lógica com a revolução das mazelas do sofrimento psíquico dessa figura minoritária e excluídas da mitologia geral das formas de subjetividade assertivas da sociedade, aparentemente civilizada, no interior dos nossos usos epistêmicos na estrutura de uma sociedade ideal, entre a responsabilidade e a menoridade inocente do argumento liberal que norteia a reflexão acerca da inversão social em exame contínuo.

Que tivemos direitos conquistados às mulheres no último século, disso não temos dúvida alguma – porém é justamente este o signo virtuoso de um dos mais belos exemplos de vício epistêmico... que atrofia o desenvolvimento de um debate autêntico sobre a determinação teórica tem em seu significado ao se avaliar o lugar de uma conceituação em seu marco histórico. Tenho assim não dúvida, mas sim a certeza de que houve uma digressão mais profunda que a interpretação sociológica, que afasta como premissa maior uma premissa menor, esta última a que coube à filosofia com as suas cores. Pois, eis uma anotação sobre a desconstrução futura do elo entre evolução contínua e revolução, a evolução das formas de interpretação religiosa dos fundamentos como funções que põem em superfície os dados que incorporam a ideia de revolução em nossa imagem de mundo. Então... Popper ou Kuhn?, eis a questão do desacordo essencial.

Partiremos de outra premissa, de uma cidade avizinhada: Atena. Desde muito, a cegueira para aspectos constituiu o emprego de profundidade na intuição do mundo como um modo de valorização poética da vida como integridade oferecida ao poeta. Na Grécia Antiga, a divindade era divisada entre os sexos a fim de, não paradoxalmente, representar fielmente o que não tem sexo, isto é, o fenômeno natural no seu duplo, entre a presença e a ausência. Mas mais, as musas, no corpo prático-social, eram as responsáveis legítimas a profundirem os aedos, o conhecimento de um povo anterior a Sócrates, e, nesse movimento, conferir identidade lógica e assexuada ao cinturão do conhecimento de uma cidade que, nessa circunstância, figurava Estado. E é assim que como um outro milagre grego, dessa vez pega-se de empréstimo Vernant uma prerrogativa de subversão da lógica religiosa de interpretar a profusão do conhecimento, a saber, que a filosofia nasce da periferia da ‘representação’ como metáfora para a ideia de substituição lógica dos fundamentos do arabesco permutado e da cidadania regular do nível ontológico do fenômeno. E é somente nesse último que temos a diferença da ilusão da presença em conjunto com a ideia de uma “ausência” ao nível do ser do ente, então sexuado, postumamente papisa, da mater  da ciência, por exemplo, sobre Maria, a mariologia, que vincula, em suma, à mãe de Jesus, a função epistêmica de doadora de sentido do acordo de santidade do filho, ironicamente o contrário do que temos hoje em nossa interpretação de qual o lugar de fala o fruto se não o da justiça imaculada em não conseguir atingir o homem e o seu espírito a sua maioridade moral. Então, do natal virgem de adultos, condição epistêmica primeira do filosofar, temos o desfecho de somente uma parte do sentido da vida, a saber, que a morte lhe confere sentido.

E hoje, o que mais temos? A inflação do conceito sociológico exige logicamente a rasura, geralmente com um ‘x’, do emprego do pronome como forma de limitar de dentro um verbo essencial e por vir sobre a figura histórica da sexualidade do então constituído, e desempenhado como revolução, do direito autoral do texto como fortuna crítica da indexação do que antes era a principia social da cultura e os limites da representação de sua arte, nomeação que, a saber, fornece ao entorno do fenômeno o cotidiano da reprodução articulada com o ensejo de figurar-se técnico e especializado em divórcio com a natureza; em outras palavras, vivemos, por exemplo, mas num rápido sobrevoo, embaralhando os limites do paroxismo, a sociedade em que o extraordinário na redução fenomenológica passou de Husserl à câmera e aos mecanismos de edição do último iPhone. Cabe dizer que quanto mais uma sociedade é viciada nas imagens do real para circuncisar o caráter circular de comunicação do real ofertado aos órgãos do sentido mais próxima ela está do real circunstanciado sem os afetos originários que nos ajudam a cozir a produção em comum acordo com a reprodução mais ou menos contínua da reprodução tateada, legitimamente o paradoxo antigo, que perde agora a integridade poética, de ver com as mãos. Molyneaux ou Homero? Eis assim que sem Maria norteando um território ao desejo de unidade, a ideia de evolução e revolução pertencem a um mesmo erro categorial, a saber, que ‘ser’ é o télos da presença e que ‘ente’ é o télos da identidade cultural. Portanto, não importa se evolução ou revolução, a letra e o espírito da visão de mundo se perderam no mecanismo dos fundamentos, ao menos para um dos argumentos possíveis sobre o feminismo e a sua atualidade.

É assim, eis uma das muitas aporias no coração da reflexão sobre a capacidade especulativa do conhecimento e a questão da sua fundação, que, nos termos assistidos, as mulheres, antes frutos de devoção, de partilha sensível do fenômeno de uma sociedade que reverenciava o divino de modo outro ao autoral, a um outro em que poucos ou quase nenhum dos super-heróis, símbolos que constituem o quadro mitológico contemporâneo, consistem a discriminação do ente com a maior proximidade da unidade com Deus, que, sem saber-se morto ou ao lado de uma natureza habitada por substâncias angélicas, não se apercebe da sua própria imaginação filosófica, que são as virtudes clássicas supracitadas.

A questão envolve, como estudamos em nossos cursos de filosofia da ciência, que a derrocada, por sua vez, da filosofia das ciências se legitimou pela aporia em considerar a descoberta como reconstrutora do elo histórico ou de reconstrutor que impossibilita a vinculação de conhecimento do fundamento sem imaginarmos saber o que não pertence à gramática dos empregos que fazemos com ações e linguagem, interpretando o passado e lançando a ideia de revolução da disciplina ao futuro, sobretudo como uma imaginação privilegiada sobre outras culturas. Kant? Aqui, pois, a aporia de toda a filosofia da ciência: a lógica dos mecanismos de fundamentação. A transferência da filosofia da ciência para análise do argumentos que vinculam conhecimento, na filosofia da linguagem, portanto, com a análise da distribuição de valores a esta ou aquela teoria, sem que apercebermos que se suponho conhecer o fundamento então não tem sentido supor desconhecer o que se sabe na asserção que deslegitima a possibilidade de conhecer o que suponho com a imaginação e, portanto, não saio da imagem de mundo para ter saber sobre o que não tem sentido em minha linguagem pois infundado a mim. É, pois, o modo como investigar a revolução e o seu signo que mudou. E muda mundo o imutável, Wittgenstein..., temos que não há evolução conceitual para as mulheres, mas temos a ascese social e direitos constituídos e oferecidos, sem, porém, que o divino, com a ideia impressa do conceito de lugar de fala numa sociedade autoral, tenha, de fato, sido oferecido virtuosamente.

Um vício, por sua vez, não é mais que uma dependência do olhar ao que se oferece ao contínuo e ao átimo. Assim, o conjunto de pares em contrariedade na filosofia já é ele mesmo o ventre da laicização dos conceitos: é a verdadeira morte do homem.

Para terminar, uma sociedade cada vez mais centralizada na posição de observador imparcial tende a desfazer o coração da questão pela maneira cerebral de importar o problema dos debates na democracia sem que se notem as leis da tatuagem do mundo: a reconstrução do signo em seu duplo, fundado e infundado, no interior de uma mesma Lei. Porém, isso fica para outra ocasião. De modo breve, porém, que haja o símbolo ‘mulher’, isso é a divergência essencial de uma convenção social da legitimidade da desconstrução da figura masculina, o que será o passo legítimo do empoderamento filosófico da fenomenologia a partir dos meios de articulação entre o sensível e os fenômenos que, ao circular através da poética, restou à cegueira da civilização a visão disso que não se deixava dizer.


A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.

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