"Como pensar a pluralidade das vozes da filosofia brasileira em diálogo?" - entrevista com Érico Andrade, novo presidente da Anpof
06/12/2022 • Entrevistas
Por Sarah Bonfim, doutoranda em Filosofia (Unicamp)
e monitora do XIX Encontro Anpof
Entre 2023 e 2024 a Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia terá à frente da sua presidência Érico Andrade, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A chapa - única - encabeçada por Érico foi eleita durante o último Encontro Anpof, realizado em outubro em Goiânia. Na ocasião, o professor da UFPE concedeu uma entrevista sobre como ele pensa em contribuir para a Associação.
O professor pernambucano fez o doutorado na Sorbonne, em Paris, e suas pesquisas giram em torno da psicanálise, em especial às questões ligadas à negritude, racismo, sofrimento e subjetivação das pessoas negras. Embora tenha tido uma formação na filosofia de Descartes, Érico atua com questões que fogem à filosofia tradicional. A fim de promover diálogos entre a pluralidade de vozes que permeiam a filosofia brasileira, Érico propõe uma escuta, tal qual a psicanálise, e que seja dirigida para a possibilidade de um diálogo. Ele almeja, também, que as conquistas referentes à paridade de gênero e regional sejam referendadas pelo estatuto da Anpof, com o objetivo de se tornar uma política institucional e não apenas de uma gestão. Por fim, ele apresenta as suas expectativas e como pretende contribuir para que a filosofia possa ser protagonista nos debates sobre política brasileira.
O seu currículo é bem diversificado, marcado por temas que fogem à chamada filosofia tradicional. Como você acha que a sua formação e atuação podem contribuir para o mandato 2022-2024?
Eu fiz o meu doutorado em uma instituição muito consagrada, milenar e sobre um tema também bastante importante. Fiz esse movimento de entrar em questões muito ligadas ao pensamento brasileiro, especialmente da psicanálise brasileira, produzida por pensadoras brasileiras negras. Eu acho que esse é um movimento que tem uma tendência a ganhar cada vez mais corpo na filosofia. Isso não quer dizer que a gente vai abandonar a história da filosofia. Pelo contrário, a gente tem uma tradição muito importante no Brasil sobre isso, e a gente tem uma tendência a ampliar isso e trazer para dentro da academia, para as ementas. Trazer mais mulheres, mais pessoas negras, o pensamento dos povos originários e eu acho que a gente tem uma grande oportunidade histórica de fazer a filosofia Brasileira cada vez mais pulsante.
No debate do processo eleitoral de setembro de 2022 você fala em escuta filosófica. O que isso quer dizer?
Bom, escuta é uma palavra que eu recupero da psicanálise. A escuta nunca é neutra, ela é sempre dirigida. No caso da psicanálise, geralmente, é dirigida pela teoria psicanalítica. No nosso caso, a nossa escuta é dirigida por uma concepção política em que o diálogo é constituinte da democracia. Então, o grande desafio que a gente traz é: como pensar essa pluralidade das vozes da filosofia brasileira em diálogo? De modo nenhum com a pretensão de obter um consenso ou uma unidade absoluta. Mas, sim, com a pretensão de que esse diálogo possa ser franco, aberto e sincero para que a gente possa ajustar, na medida do possível, posições próximas ao consenso ou que saibamos lidar com os nossos dissensos.
Quais iniciativas a sua diretoria pretende propor para ampliar a diversidade na área da filosofia?
Eu acho que uma das iniciativas importantes, que só vai ser feita mediante a escuta da comunidade, vai ser dialogar sobre a importância de que no próprio regimento, isto é, no estatuto da Anpof, a gente tenha uma discussão sobre paridade de gênero e paridade regional. A gente fez uma chapa com nove estados do Brasil em dez cargos. Todas as regiões estão contempladas, isso é um feito histórico, mas isso não deve ser uma coisa de mérito, deve ser pensada como uma política. Em outras palavras, não depender mais de uma chapa x ou y, mas que a gente constitua isso de uma forma estatutária.
Dados os resultados da última eleição, qual o papel da filosofia no enfrentamento ao avanço da extrema-direita no Brasil?
A filosofia tem um papel fundamental, uma vez que ela pode colocar questões sobre as extremidades que movem o Brasil para uma perspectiva conservadora, que eu diria até ser na sua raiz reacionária. Eu acho que a filosofia tem uma contribuição ímpar, uma vez que ela nos convida ao desconforto das posições, diríamos assim, problemáticas, instáveis, que são próprias da existência. Em outras palavras, é com a filosofia que a gente aprende que a maior certeza é que a fantasia de que estamos certo nunca supera a contingência e a impermanência da existência.
Você é bastante atuante nas redes sociais. Qual será o papel da comunicação da Anpof por esses meios?
Vital. Não existe mais hoje ocupação política radical que não seja, também, nas redes sociais. Então temos a compreensão de que as redes sociais podem, inclusive, facilitar a comunicação desse imenso e gigantesco Brasil para que a gente possa ouvir essas vozes efetivamente. Certamente o recurso das redes sociais é essencial. As redes sociais encurtam as distâncias que marcam o Brasil e retiram qualquer possibilidade de preterir determinadas regiões ou concentrar a visibilidade filosófica apenas ao eixo mais rico do país.
Como a sua diretoria pretende estabelecer pontes e diálogos com outros campos das humanidades?
Acho que a gente não pode fazer nenhuma política clara de questionamentos quanto ao sistema e aos critérios de avaliação junto à CAPES, se for o caso, ou exigir mais transparência e discutir os critérios do CNPq para a distribuição de recursos, se a gente não tiver uma política de humanidades. A força política da gente depende da nossa união. Então, nesses termos, o diálogo com outras áreas não é apenas, digamos assim, recomendável, como ele é necessário.
Quais são as suas expectativas para a sua gestão?
A expectativa é que a gente possa consolidar conquistas referentes à visibilidade da pluralidade da produção filosófica nacional de uma forma estatutária, e que a gente prossiga, tornando a filosofia protagonista na discussão sobre humanidades e, também, sobre a política brasileira de maneira geral.