Ensino de Filosofia na Pós-graduação: entrevista com a Profa. Dra. Tais Silva Pereira e o Prof. Dr. Antonio Edmilson Paschoal

Maria Cristina Theobaldo

Profa. (UFMT)

27/10/2021 • Entrevistas

Às portas da implantação do “Novo Ensino Médio”, onde a Filosofia, conforme a BNCC e o PNLD, ocupa um novo lugar enquanto matéria escolar nas matrizes curriculares, entrevistamos a Profa. Tais Silva Pereira* e o Prof. Antonio Edmilson Paschoal** sobre formação de professores de filosofia para a educação básica e os dois cursos de mestrado profissional em Filosofia – o PPFEN/CEFET-RJ e o PROF-FILO.

Em seus comentários a Profa. Tais Pereira nos devolve a instigante pergunta: “qual filosofia ensinamos e aprendemos?”, que por sua relevância pode ocupar o núcleo das questões que percorrem a entrevista – as tendências das pesquisas na área de Ensino de Filosofia e seus impactos na docência e na divulgação da filosofia, e as expectativas futuras dos mestrados profissionais de filosofia.

Nos dias que correm, marcados por acirrada pressão ideológica sobre as Humanidades, trazer à discussão o ensino de filosofia e a formação de professores na pós-graduação, como bem nos faz entender o Prof. Antonio Edmilson Paschoal, configura ato de resistência. Vamos à entrevista!

Dada a atual política educacional do governo federal para o ensino médio, notadamente a BNCC e o PLND, quais impactos podemos esperar para o ensino da filosofia na educação básica e nos mestrados profissionais em filosofia?

Taís Silva Pereira: A última versão da Base Nacional Comum Curricular, seguindo a orientação do chamado Novo Ensino Médio altera os pressupostos da formação dos estudantes na educação básica, com acento no desenvolvimento das chamadas competências e habilidades e na resolução de problemas. A proposta do novo currículo, em vias de implementação nas diferentes regiões do país, prevê a organização da formação por meio de itinerários formativos e áreas do conhecimento, como a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, na qual o agora componente curricular de Filosofia está inserido. Por sua vez, o edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2021 é a primeira edição em que a distribuição de livros para as escolas públicas seguirá os parâmetros da BNCC para a oferta de diferentes coleções organizadas por área do conhecimento, as quais indicarão as primeiras leituras e discursos possíveis sobre o que é proposto pela Base. Nosso desafio inicial, a meu ver, consiste na análise destas obras que terão de alguma maneira um caráter indutor no que tange as concepções de interdisciplinaridade e do modo como a Filosofia – hoje sob o tratamento legal de “estudos e práticas – figurará nesta configuração não disciplinar.

Um impacto anunciado é a tendência de desespecialização dos docentes no ensino médio. No caso específico de professores de filosofia, tudo indica um aprofundamento desta desespecialização já existente e que remonta a uma condição anterior ao “Novo Ensino Médio”: docentes de outras formações que atuam no ensino de Filosofia. Alinhada a este fator, temos uma redução significativa de carga horária, tanto em função da própria organização da BNCC quanto das disputas e tensões presentes nas redes pela presença na grade curricular. Neste cenário, não podemos desconsiderar que o histórico intermitente da Filosofia nas escolas não está a nosso favor. Com a redução dos tempos em sala de aula, a tendência mais uma vez é que o professor tenha de complementar sua carga horária em diferentes escolas, afetando a qualidade de suas condições de trabalho e atuação. Por seu turno, a filosofia corre o risco de ser apagada no cotidiano das unidades escolares. Mesmo se acolhêssemos de forma otimista a proposta da BNCC, qualquer planejamento coletivo e interdisciplinar ficaria fragilizado frente às condições que se delineiam. Até mesmo a plena utilização dos livros didáticos que teremos disponíveis nas escolas, cujo pressuposto é uma abordagem transversal em diálogo com diferentes áreas e componentes curriculares, seria prejudicada. 

Há também impactos pedagógicos e filosóficos cruciais. O primeiro deles diz respeito a qual(quais) ensino(s) de Filosofia e prática(s) filosófica(s) cabe(m) no formato da BNCC. Esta problematização me parece fundamental porque a discussão sobre o ensino de filosofia envolve a pergunta sobre qual filosofia ensinamos e aprendemos. Uma pergunta que é também situacional, pois está imbricada na prática docente realizada em distintas realidades. O segundo, talvez mais diretamente ligado aos mestrados profissionais, no âmbito da pesquisa prática-teoria-prática, precisarão buscar alternativas para a promoção dos saberes e práticas filosóficos tanto na educação básica quanto no espaço público, físico ou digital. Uma vez observadas restrições à formação filosófica, teremos, como professores-pesquisadores, o desafio de identificar e propor estratégias para a sua promoção a despeito do cenário dado. 

Antonio Edmilson Paschoal: começo esta conversa lembrando que os mestrados profissionais em Filosofia no Brasil surgiram para atender as exigências de formação dos professores que atuam no ensino de Filosofia no Ensino Médio, tendo em vista especialmente o retorno da disciplina de Filosofia naquela fase de formação dos jovens no país. Poderíamos dizer que esses programas correspondem a um desdobramento das lutas que levaram ao retorno da disciplina. Muitas das pessoas que estavam engajadas naquela luta, envolveram-se direta ou indiretamente na criação de programas como o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino, o PPFEN-CEFET-RJ e o Mestrado Profissional em Filosofia em Rede Nacional, o PROF-FILO. Isto porque, o próprio retorno da Filosofia demandava a criação de espaços próprios, em especial na pós-graduação, para os debates, aprofundamentos de temas concernentes e trocas de experiências relativos à disciplina. Essa era uma necessidade urgente, pois, diferentemente de outras áreas do saber, como a História e a Geografia, por exemplo, a Filosofia não tinha uma tradição consolidada enquanto disciplina no Ensino Médio. O que se deve, em grande parte, ao fato de ela ter sido retirada do currículo na década de 70, mas também porque em seu histórico, sua presença naquela fase de formação dos jovens foi sempre intermitente, interrompida, cheia de lacunas que precisavam ser preenchidas tendo em vista o novo cenário nacional que se apresentava a partir de 2008.

Particularmente no que se refere ao PROF-FILO, que é o meu lugar de fala, é importante notar que o ao iniciar suas atividades, em 2016-17, o novo Programa já encontra uma mudança nesse cenário, especialmente em função das constantes ameaças de retirar novamente da Filosofia o caráter de disciplina obrigatória no Ensino Médio. O que de fato ocorre nesse período por meio da Lei nº 13.415/2017 e ganha corpo com a nova Base Nacional Comum Curricular, a BNCC e, por decorrência, com o novo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que é orientado pela BNCC.

Como é conhecido, a nova Base Nacional Comum Curricular, a partir de 2017, passou a ser delineada não mais a partir de um grande debate público, como vinha acontecendo até então, mas por instituições privadas como é o caso da Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho. Sendo que algumas dessas instituições passaram a conduzir o próprio processo de construção da BNCC, desviando-a de seu foco inicial e aprofundando aquilo que nela era controverso, como era o caso dos itinerários formativos e da redução do papel de disciplinas como Filosofia e Sociologia no Ensino Médio.

De fato, a nova BNCC que teve seu processo de finalização e implementação acelerada pelos últimos governos, apresenta inúmeros problemas, dentre os quais vamos nos ater neste momento, e de forma muito breve, apenas no que diz respeito diretamente ao espaço e ao papel conferido à disciplina de Filosofia no chamado “novo ensino médio”. Nesse sentido, cabe lembrar que o novo Ensino Médio dispõe para os estudantes um total de 3.000 horas. Dessas, 1800 são destinadas à formação geral, onde apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórios, e 1.200 destinadas aos itinerários formativos, onde, conforme o itinerário escolhido, outras disciplinas serão requisitadas, sem excluir as primeiras. Como é conhecido, são cinco os itinerários formativos, o de Linguagens e suas tecnologias, o de Matemática e suas tecnologias, o de Ciências da natureza e suas tecnologias, o de Ciências humanas e sociais aplicadas, e o de Formação técnica e profissional. Sendo que a Filosofia só é requerida no de Ciências Humanas. O que não apenas reduz drasticamente a sua presença no Ensino Médio, como retira dela o propósito de contribuir para a preparação dos estudantes para a vida ou para o exercício da cidadania, como constava na LDB. Assim, mantendo-a apenas no âmbito aquele itinerário formativo, como uma disciplina voltada para estudantes que queiram atuar na área de Ciências Humanas, a Filosofia é alijada de seu papel formador, sendo forçada do mesmo modo como as demais disciplinas específicas da área de Ciências Humanas a dialogarem apenas consigo mesmas e não mais atuarem na formação dos jovens.

Nesse contexto, como é notório, com a redução da disciplina de Filosofia no Ensino Médio, houve também uma drástica redução da área de atuação dos professores formados nos cursos de Licenciatura em Filosofia. Ao certo, por um longo tempo, não haverá concurso para professores de Filosofia no Ensino Médio em muitos Estados, em função dessa redução, mas também do oportunismo de alguns governos estaduais, como é o caso do Governo do Estado do Paraná, que reduziu, em 2020 pela metade a atual oferta da disciplina de Filosofia no Ensino Médio. Até essa data, os estudantes do Ensino Médio tinham duas aulas semanais de Filosofia, a partir de então, passaram a ter apenas uma. O que dificulta ao extremo o trabalho dos professores que, de resto, passam a acumular um número infindável de turmas e de alunos para fecharam uma carga horária razoável para sua sobrevivência.

Tendo em vista sua experiência na pós-graduação, particularmente no Mestrado Profissional em Filosofia, quais tendências podem ser notadas nas pesquisas sobre ensino de Filosofia?

Antonio Edmilson Paschoal: no âmbito do PROF-FILO, programa no qual atuo, as pesquisas desenvolvidas seguem duas linhas bem amplas. A primeira, denominada “Filosofia e Ensino”, que agrupa especialmente as pesquisas que enfatizam o papel formador da Filosofia, com ênfase na formação dos jovens alunos do Ensino Médio. Entre essas pesquisas encontram-se aquelas sobre o papel de textos filosóficos clássicos nesse processo formativo e o seu uso em sala de aula, bem como os estudos sobre o livro didático e outros materiais de ensino, tendo em vista sempre o papel formativo da Filosofia e o propósito de filosofar sobre o ensino de Filosofia. A segunda linha de pesquisa, denominada “Práticas de Ensino de Filosofia”, engloba as pesquisas com enfoque na realização efetiva da experiência filosófica, tendo em vista em especial o ambiente de sala de aula do Ensino Médio. No seu âmbito são debatidos, por exemplo, as experiências de ensino de Filosofia, envolvendo metodologias, atividades didáticas, modelos de avaliação, a produção e o uso de material didático etc.

Há uma expectativa de que as pesquisas realizadas no PROF-FILO estabeleçam um forte diálogo com a prática da sala de aula, tendo em vista o papel formador da Filosofia com os jovens do Ensino Médio. Nesse sentido, a maioria das dissertações defendidas apresentam um processo planejado pelos professores que fazem o PROF e implementado em suas escolas, de tal forma que os resultados alcançados possam suscitar discussões e motivar outras intervenções similares.

Taís Silva Pereira: embora o PPFEN, onde atuo, admita em seu quadro discente graduadas e graduados provenientes de diferentes áreas, a maioria de nossos estudantes é formada por docentes da educação básica que atuam no Ensino de Filosofia. Tal diversidade expressa a proposta do programa é pensado a partir de um caráter interdisciplinar. Assim, compreende que o Ensino de Filosofia, especialmente em espaços formais, é atravessado por questões e tensões institucionais, de política pública, de condições de trabalho, cujas implicações também precisam ser refletidas filosoficamente junto com nossa atuação cotidiana na sala de aula. 

Por um lado, as pesquisas do vêm acompanhando a característica mais geral de nossa área no que diz respeito à pluralidade de abordagens teóricas e metodológicas. Das 47 dissertações defendidas até dezembro de 2020, verificamos que o aporte filosófico é bastante amplo tanto na referência a pensadores consagrados na história da filosofia quanto no diálogo com pensadores e teorias que se situam foram do cânone mais tradicional. Por outro lado, a motivação de pesquisa é, sobretudo, a atuação docente singular das mestrandas e mestrandos. Sobre este segundo ponto, acho que o trabalho do professor e colega do PPFEN, Felipe Pinto, nos ajuda a identificar as tendências nas pesquisas sobre o ensino de Filosofia no mestrado profissional do CEFET/RJ. Ao analisar os indicadores do programa, sobretudo os TCCs, entre os anos de 2016 e 2018, o professor Felipe Pinto e seus orientandos levantam três categorias de análise tendo em vista um primeiro mapeamento da produção dos egressos. A primeira, na qual se apresenta a maioria das dissertações defendidas, compreende as práticas e experiências no ensino de Filosofia; uma segunda categoria reúne, à luz de determinada corrente filosófica ou pensador, pesquisa sobre concepções de ensino de filosofia ou mesmo da educação, de forma mais ampla; e por fim e em menor número, um conjunto de trabalhos cujo foco de investigação reside no estudo sobre determinações legais ou rearranjos institucionais nos quais o Ensino de Filosofia está implicado. O mapeamento realizado me parece bastante profícuo para compreender de forma mais aprofundada duas tendências interessantes sobre a motivação das dissertações defendidas. Primeiro, a pesquisa em âmbito profissional não se restringe à instrumentalização de técnicas a serem aplicadas em sala de aula ou em outros espaços de formação. Antes, ela diz respeito a uma reflexão rigorosa sobre ensinar e fazer filosofia, ainda que seja a partir de uma experiência específica de um professor específico que atua diretamente no ensino de Filosofia ou se apropria da Filosofia e do filosofar a fim de enriquecer a sua atuação em outra área, seja na escola, seja fora dela. Significa dizer que a prática formativa, em sua singularidade, torna-se ela mesma uma questão filosófica. Segundo, as pesquisas sobre Ensino de Filosofia, por serem inseparáveis da atuação do mestrando, parecem apontar também para uma investigação sobre os processos e materiais elaborados. Em espaços formais ou não formais, o professor de Filosofia é autor de práticas de ensino-aprendizagem e pode problematizar, atualizar e testar seus produtos à luz de critérios filosóficos e debate com seus pares. Os produtos educacionais produzidos pelos mestrandos caminham neste sentido.

Quais as perspectivas futuras para os mestrados profissionais em Filosofia e de que modo estes mestrados contribuem para a consolidação da área de Ensino de Filosofia no Brasil?

Taís Silva Pereira: percebo que os programas de mestrado profissional, tanto o PPFEN quanto o PROF-FILO, revelam algo latente em nossa área, a saber, a compreensão de que a prática do ensino de filosofia é, ela mesma, uma questão filosófica. Apesar de se aproximarem das áreas de ensino e educação, as pesquisas sobre ensino de filosofia no Brasil vêm consolidando um campo de produção filosófica original e plural. Penso, então, que os mestrados profissionais podem ser um primeiro movimento de reunião de pesquisas que estariam mais dispersas nos programas de Educação e nos programas de Filosofia, sob orientação de docentes sensíveis às propostas voltadas para o ensino de Filosofia. Então, acredito que PPFEN e PROF-FILO contribuem de forma valiosa para a divulgação do campo de Ensino de Filosofia entre os nossos pares e, indiretamente, na sociedade. Em outro sentido, e voltando ao que mencionei anteriormente, os mestrados profissionais em nossa área mostram-se muito distantes de um possível temor quanto à instrumentalização da Filosofia nas escolas. Antes, o que estamos acompanhando nos referidos programas são pesquisas que trazem a Filosofia praticada em instituições de ensino e outros espaços formativos no centro da investigação filosófica propriamente dita. Esta aproximação não é somente profícua para os locais de atuação de mestrandas e mestrandos, mas de igual maneira para a universidade, a pós-graduação e os centros de formação de professores. 

O reconhecimento da pesquisa a partir dos lugares onde se faz, se ensina e se aprende filosofia, institucionalizada pelos mestrados profissionais, traz um elemento que também considero promissor em um horizonte futuro: assumir a investigação do ensino-aprendizagem de Filosofia para além dos muros da escola e refletir sobre modos de divulgação filosófica para diferentes públicos e em diferentes lugares, a exemplo das atividades da Olimpíada de Filosofia que ocorrem aqui no Rio ou ainda na elaboração de materiais e processos. Os mestrados profissionais em ensino de ciências já possuem uma longa caminhada na relação entre ensino-aprendizagem e divulgação científica. Penso que a área de ensino de filosofia pode aprender com eles.

Antonio Edmilson Paschoal: os mestrados profissionais em Filosofia, em especial o PROF-FILO, do qual posso falar com mais propriedade, possui como campo de atuação vários Estados da Federação, cobertos por seus 16 núcleos. A ideia inicial do PROF, contudo, era que ele pudesse cobrir todo o território nacional onde, de forma indistinta, tem-se o ensino de Filosofia. Contudo, isso não foi possível à época de sua criação porque, naquele momento, para atender às demandas da área de avaliação da CAPES, houve uma redução do número de núcleos propostos inicialmente. Nesse sentido, e tendo no horizonte aquele projeto inicial, a expectativa é que o PROF-FILO amplie sua área de atuação nos próximos anos. Isto porque logo após o início de seu funcionamento teve início as tratativas para a sua ampliação, o que foi autorizado em 2021 e, com isso, deverá ser lançado em breve o edital para a criação de novos núcleos, preferencialmente em Estados que ainda não são atendidos pelo PROF-FILO.

Tal expansão, quando considerado que deve atingir Estados mais carentes em relação à pós-graduação em Filosofia, deve significar uma oportunidade para professores de Filosofia desses Estados se inteirarem com os debates que ocorrem em outros centros e em especial em formas de se pensar a disciplina a despeito das dificuldades impostas ao seu funcionamento. O que confere ao PROF-FILO um importante papel na resistência – talvez essa seja a sua perspectiva futura mais importante - frente ao quadro descrito na resposta à primeira pergunta desta entrevista.

Já é possível avaliar o impacto dos mestrados profissionais na atuação profissional dos seus egressos?

Antonio Edmilson Paschoal: é importante registrar, inicialmente, que é muito difícil apontar algum parâmetro objetivo que possa aferir a mudança da qualidade das aulas de um professor que tenha feito, por exemplo, o PROF-FILO. Não é fácil, nesse sentido, estabelecer uma medida objetiva para o “antes” e o “depois”. Contudo, é possível afirmar que a experiência da reflexão oportunizada por esse tipo de programa de pós-graduação constitui um diferencial para aqueles professores que têm com o Mestrado Profissional, a oportunidade de refletir de forma metódica e orientada, sobre o seu trabalho em sala de aula, com a disciplina de Filosofia. Essa experiência têm início, no caso do PROF-FILO, com os debates ocorridos nos seminários de projetos e de pesquisas, e se desdobra no planejamento meticuloso de uma prática, na sua condução, avaliação e, por fim, na escrita dessa experiência, com embasamento teórico e metodológico. É possível afirmar também que as dissertações apresentadas, nas quais são registrados processos formativos planejados, implementados e avaliados, possuem um papel que extrapola o ambiente no qual se desenvolveu aquela pesquisa, em especial quando esse material é publicado, podendo ser replicado ou, conforme o caso, tornando-se referência para novos debates e novas praticas. Desse modo, os egressos do PROF-FILO, com suas pesquisas, cumprem um importante papel na ampliação dos debates sobre a disciplina de Filosofia no Ensino Médio, que é indispensável para o amadurecimento da disciplina, em termos teórico-práticos.

Taís Silva Pereira: Os últimos dois anos foram muito difíceis para nossos colegas que, como eu, atuam na educação básica. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, observamos um número significativo de demissões nas redes privadas de ensino que podem ser atribuídas, sim, às políticas educacionais que estão se delineando em nosso país, mas também à própria situação de grave crise sanitária em que enfrentamos. Em relação à rede pública, a ausência de concursos para professores efetivos também dificulta a inserção ou ampliação da carreira docente. Dada a conjuntura em que nos situamos, qualquer avaliação sobre a progressão da carreira destes egressos torna-se nebulosa. 

Ainda assim, é possível vislumbrar dados interessantes ao longo dos seis anos de funcionamento do PPFEN. Parte dos concluintes tem dado continuidade a seus estudos nos cursos de doutorado acadêmico. Como a área de Filosofia optou por não autorizar a abertura de cursos de doutorado profissional, observamos uma migração para doutorados acadêmicos na área da Filosofia ou Educação. Em ambos os casos, os egressos têm aprofundado a pesquisa iniciada no mestrado profissional, isto é, dedicam-se à pesquisa em Ensino de Filosofia. Alguns de nossos egressos também estão atuando na rede pública através de concursos para vagas temporárias, quando a titulação se torna um fator classificatório para o cadastro de reserva da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ – por exemplo.

Outro impacto significativo é que boa parte das pesquisas realizadas retornam para a sala de aula e outros contextos formativos enquanto projetos, atualização de materiais e reformulação de processos de ensino-aprendizagem. Algumas destas produções começam, inclusive, a serem disponibilizadas em plataformas digitais, acessíveis a outros professores que, por sua vez, podem adaptar os produtos educacionais para atender as demandas de seu local de atuação. Contudo, e julgo ser mais importante, é que na singularidade do cotidiano escolar de cada egresso se consolida o reconhecimento de si como coautor e coautora da experiência formativa na parceria com estudantes e outros públicos ao se explorar possibilidades de ensinar, aprender, divulgar e fazer filosofia. Em suma, a orientação filosófica de sua própria prática promove novas possibilidades de atuação. Talvez esse aspecto possa parecer um otimismo não muito razoável seja pelas circunstâncias antes mencionadas, seja pelo fato de que se é dificílimo (senão impossível) mensurar o impacto na experiência singular docente, mas o próprio gesto de falar sobre ela, de significá-la e comunicá-la, parece ser um indício relevante desse impacto. Tais relatos, registrados pelos egressos na última autoavaliação do PPFEN contribuem para pensarmos sobre o caráter peculiar dos mestrados profissionais e sua importância na formação continuada de professores.

Na sua opinião, como a ANPOF pode ampliar sua contribuição para o ensino da filosofia na educação básica?
 

Taís Silva Pereira:

A iniciativa de aproximação entre a educação básica e a pós-graduação, especialmente com a criação e consolidação da ANPOF Ensino Médio na última década, foi um marco para a divulgação dos saberes e práticas filosóficas realizados em espaços não acadêmicos. A ANPOF EM é um evento importante e, me parece, não precisa ser confundida com a produção desenvolvida nos mestrados profissionais ou pesquisas acadêmicas na área de Ensino Filosofia. Antes, o comprometimento de se dialogar com a educação básica, passa, sobretudo, por se reconhecer professores e demais funcionários que atuam nas escolas e outros espaços formativos como parceiros reais de conversação.

Me parece que ANPOF continua realizando esta aproximação com a ampliação da comunicação de eventos voltados para temáticas que tocam a educação básica e o ensino de Filosofia. Neste sentido, acho que uma forma de contribuir para o ensino de filosofia na educação básica é também manter a periodicidade futura da ANPOF EM nos encontros bienais e investir em pontes de comunicação, não apenas diretamente com o professor, mas também com sociedades de professores de filosofia presentes em diferentes regiões do país. Julgo que parcerias desta natureza são muito proveitosas, tendo em vista os enfrentamentos diante da atual situação da educação e do ensino de Filosofia no país.


Antonio Edmilson Paschoal: é inegável que a ANPOF tem apoiado de forma muito solícita, especialmente ao longo das últimas décadas, as pautas relativas ao ensino de Filosofia na Educação Básica. Mais do que ações pontuais, contudo, ao certo muito importantes, coloco em relevo aqui o papel político da Associação. Faz parte desse papel, em especial neste momento crítico para a Filosofia no país, manter-se atenta às pressões que a disciplina sofre e também aos dilemas dos professores que atuam nela, tendo em vista a redução de seu campo de atuação e todas as implicações e consequências dessa redução. Isto porque, o ensino de Filosofia no Ensino Médio e os debates relativos a ele produzem um interessante enraizamento da Filosofia no solo tupiniquim, conferindo à Filosofia em geral uma interessante perspectiva de reflexão e sentido nesse ambiente.

*A prof. Taís Pereira participou da primeira equipe de coordenação do Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (PPFEN/CEFET-RJ), tornando-se coordenadora efetiva entre os anos de 2017 a 2020.

**O Prof. Antonio Edmilson Paschoal foi o 1º coordenador do PROF-FILO, entre os anos de 2016 e 2019.