Transfilofilia: entrevista com Sara York
Solange Aparecida de Campos Costa
Professora de Filosofia (UESPI); Integrante do GT Filosofia e Gênero
30/08/2024 • Entrevistas
Entrevista publicada em parceria com a Revista Humanitas - edição 178
Muitas abordagens filosóficas partem da visão binária de gênero, relegando identidades não conformes a posições secundárias. Educação e filosofia podem mudar atitudes, desconstruir preconceitos, criar inclusão e respeito com as identidades trans.
Convidada como palestrante do XX Encontro da ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), no Recife, Sara York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior, se apresenta como Travesti da/na Educação, declara-se deficiente visual, pai e avó que tem em seu currículo não só uma história de vida e acadêmica composta por lutas e desafios, mas também, vitórias, como o resultado de seu ativismo em defesa dos direitos da população LGBTQIAP+: a inclusão do nome social nas plataformas educacionais nacionais da Universidade Estácio de Sá, o que lhe rendeu a honraria de uma medalha ALUMNI, da mesma instituição.
Mesmo com um mestrado em Educação (GENI/ProPEd / UERJ) e titulada como especialista em Gênero e Sexualidades (CLAM / Instituto de Medicina Social – UERJ), recentemente graduou-se em Jornalismo (UNESA) e é considerada a primeira travesti âncora do jornalismo pós-TV, no site de notícias Brasil 247. Na entrevista que lhes apresentamos nesta edição, York atrela sua trajetória pessoal à discussão de ideias sobre gênero e a sua intersecção com a filosofia. Ao dissertar sobre a transfilofilia, tema de sua palestra, ela faz um mergulho epistemológico para defender a ideais de uma ética e política de existência capazes de guiar transformações. O objetivo é garantir “que todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, possam viver com dignidade e segurança”. “A luta continua, e eu permaneço comprometida com essa causa”, afirma a professora. Confira, a seguir, a conversa entre York e Solange Aparecida de Campos Costa, professora de Filosofia da UESPI (Universidade Estadual do Piauí).
Solange Aparecida de Campos Costa – A sua trajetória acadêmica e pessoal é marcada por uma forte atuação na defesa dos direitos da população LGBTQIAP+ e na luta pela educação inclusiva e democrática. Como sua experiência pessoal influenciou seu caminho na academia e sua escolha de temas de pesquisa?
Sara York – As minhas trajetórias tanto acadêmicas quanto pessoal estão profundamente entrelaçadas com a luta contra as estruturas opressoras e de poder que massacram pessoas vulnerabilizadas. Essa luta coaduna com a defesa dos direitos da população LGBTQIAP+ e com a promoção de uma educação inclusiva e democrática. Permitam-me, então, traçar um itinerário que se desdobra em desafios e momentos marcantes, enraizados em minha experiência de vida enquanto criança, menina, adolescente e mais recentemente de avó e travesti que viveu o final da ditadura cívico-militar empresarial e testemunhou a consolidação da política anti-homossexuais e travestis durante a era do "câncer gay", como era chamada a pandemia de HIV/Aids nos anos 1980. Como minha jornada na academia foi moldada por minha identidade como pessoa trans e travesti, cresci em um período de intensa repressão e marginalização, onde ser quem eu era significava enfrentar a exclusão social e violência institucional compulsória. Lembro-me das noites de medo e do estigma que nos cercava, especialmente durante a crise do HIV/Aids, quando o preconceito atingiu seu ápice. Essas experiências pessoais dolorosas me fizeram perceber a urgência de transformar o sistema social e educacional, mas antes disso sobreviver apesar de tudo. Vivendo na pele a discriminação, compreendi que era necessário criar espaços onde pessoas como eu pudessem existir com dignidade e respeito. Minha experiência como uma voz minoritária ainda frágil, isolada e deslegitimada me impeliu a buscar mudanças significativas naquele momento. A força viria no final de 1987 com o grêmio estudantil no Colégio Estadual Professor Pedro Gomes em Goiânia, e com teatro e a dança. Posteriormente veio a graduação em Letras - Inglês, Pedagogia, Letras – Vernáculas e Jornalismo. A escolha dos temas de pesquisa na pós-graduação foi uma outra jornada reflexiva e profundamente pessoal, sendo orientada por Fernando Pocahy, na UERJ. Meu compromisso com a justiça social e por equidade me levou a investigar o impacto do acesso e permanência de pessoas trans e travestis nos programas de pós-graduação no Brasil. Focalizei minha atenção nas chamadas cotas trans/travestis, explorando como essas políticas podem ampliar oportunidades e desafiar as barreiras estruturais que sempre nos mantiveram à margem. A pesquisa não foi apenas um ato acadêmico, mas uma tentativa de abrir portas que foram historicamente fechadas para nós. A academia ainda perpetua normas cisgêneras e heteropressumidas.
Quais foram os principais desafios e momentos marcantes dessa jornada?
Enfrentei resistência ao propor pesquisas centradas em identidades trans e travestis. Lembro-me dos olhares de desdém e das portas fechadas, mas esses desafios só reforçaram minha determinação. A luta contra o estigma e o preconceito foi constante. A visibilidade como pessoa trans/travesti muitas vezes gerou hostilidade, mas também fortaleceu minha determinação de criar um mundo mais inclusivo através das imagens, das selfies. Quem não quer ser aplaudido por ser uma pessoa “inclusiva”? Foi com esse discurso e uma boa cara-de-pau (conquistada como ex-pessoa em situação de rua por várias vezes) que mostrava a ausência dos corpos marcados pelo desprezo aqueles que banalizam nossas lutas. O acesso limitado a recursos desde a expulsão de casa aos 12 anos, a falta de representatividade nos espaços de poder e ambientes não inclusivos foram obstáculos persistentes. Ao apresentar minha dissertação sobre as cotas trans/travestis, senti que estava contribuindo de alguma forma. A defesa foi um marco emocionante em minha vida, simbolizando não apenas uma conquista acadêmica, mas uma vitória pessoal e coletiva.
Qual foi o papel de colegas, professores e outras pessoas nesse período?
Conversas com esses grupos, inclusive com ativistas, ampliaram minha compreensão do mundo, porque o preconceito vai se refinando de acordo com a nossa ascensão. Na escola eu apanhava, na faculdade eu era alvo de bullying, na pós eu sou ignorada ou simplesmente deslegitimada com perguntas quase sempre medianas e ultrapassadas. Pergunta como, “pra quê estudar se com cabelo você ganha mais?”, “Aqui somos todos iguais! (sic)” – mesmo não havendo ninguém que seja negro, PcD [Pessoa com Deficiência] ou trans. Esses diálogos insuportáveis e por vezes muito violentos me trazem confiança para continuar lutando, e nunca desistir, mesmo quando o caminho parece piorar.
A proposta de sua palestra [a ser proferida no evento da Anpof] intitulada “Transfilofilia: um mergulho epistemológico", é discutir como as ideias sobre gênero influenciam o pensamento filosófico e vice-versa. Poderia nos dar um exemplo concreto de como a filosofia pode contribuir para uma melhor compreensão e transformação das concepções de gênero hoje?
A promessa capitalista de que as gerações futuras viveriam melhor do que as gerações passadas foi, durante muito tempo, uma realidade desde os anos 1940. As sucessivas gerações experimentaram melhorias em suas condições de vida, seja pelo simples processo de transição rural-urbano, seja pelo avanço das forças produtivas. Contudo, atualmente, enfrentamos uma situação inédita: as gerações futuras parecem destinadas a viver em condições piores do que as anteriores. A palestra é uma tentativa de conceitualização da paixão por cruzar fronteiras que todos nós humanos temos desde “Adão e Lilith”. A investigação da dimensão essencial e ontológica do mundo real não é percebida da mesma forma por todos, a opinião irrefletida do senso comum demonstra tal percepção que mais funciona como escala cotidianamente reajustada. Seja quando estamos na feira, no mercado ou assistindo, por horas, os microvídeos nas redes sociais. A atenção em disputa para se manter uma “realidade empírica e das aparências sensíveis” possível de ser apreendida. Essa geração trans, que em grande medida foi a primeira a ingressar em massa nas universidades, enfrenta a intensificação dos sérios problemas que já tínhamos, de uma vida trans sem nenhuma garantia. Problemas de saúde mental, insegurança no mercado de trabalho, ausência de perspectivas de aposentadoria e a impossibilidade de adquirir uma casa própria, atinge a todos, mas a maioria dos jovens trans nunca havia vivenciado quaisquer dessas experiências. Muitos deles olham para os pais, que conseguiram uma certa estabilidade, e temem que, aos 50 anos, talvez, precisem retornar à casa deles, sem ter nada próprio. Essa ausência de perspectiva de futuro é extremamente dilacerante para uma juventude que vive uma crise capitalista, mas também uma crise de esperança e de inconformidade com o neoliberalismo extremo. Jovens trans, pela primeira vez, podem exercitar seus desejos diversos no campo social com alguma liberdade.
Como a inclusão das perspectivas e experiências de mulheres cis e trans pode enriquecer o campo filosófico? Pode citar alguma filósofa, cis ou trans, cuja obra tenha sido fundamental para essa ampliação?
Repito, essa situação é ainda mais complexa e severa para mulheres trans e travestis, que, além de enfrentarem todas essas dificuldades, lidam com questões adicionais de marginalização e exclusão social em um mundo patriarcal. Em meio a essa crise, as ferramentas de segurança e as iniciativas de apoio se tornam vitais, especialmente para populações trans e demais vulneráveis. A discussão sobre a transfilofilia, ou seja, a paixão por cruzar fronteiras, está intrinsecamente ligada à promessa capitalista quebrada e ao sofrimento das gerações mais jovens. Para mulheres trans e travestis, cruzar essas fronteiras é um ato de sobrevivência e resistência em um mundo que muitas vezes lhes nega segurança e dignidade. Em tempos de crise e incerteza, é vital que as ferramentas de segurança sejam aprimoradas e acessíveis, garantindo que todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, possam viver com dignidade e segurança. A filosofia, em sua busca incessante por compreender a realidade, desempenha um papel crucial na análise das concepções de gênero. Ela transcende os limites disciplinares e nos convida a questionar normas, categorias e preconceitos. Um exemplo concreto reside na desconstrução do binarismo de gênero de Nancy Fraser, Judith Butler, Gayle Rubim e Jaqueline Gomes de Jesus, por exemplo. A filosofia oferece ferramentas para desconstruir a dicotomia tradicional entre masculino e feminino. Filósofas como Judith Butler, em sua obra “Gender Trouble”, exploram como o gênero é performativo, construído através de práticas sociais repetidas. Ela nos desafia a questionar a rigidez das categorias e a considerar a fluidez e a multiplicidade das identidades de gênero.
Enriquecer o campo filosófico requer a inclusão ativa das perspectivas de mulheres cis e trans...
Sim, ao ouvir e valorizar suas experiências, ampliamos nossa compreensão. Filósofas trans, como Julia Serano, em “Whipping Girl”, oferecem insights profundos sobre a cisnormatividade, a transfobia e a construção social do gênero. Suas vozes desafiam o status quo e enriquecem o diálogo filosófico. A inclusão dessas perspectivas não é apenas uma questão de justiça, mas também de transformação epistemológica. Ao abraçar a diversidade de vivências, a filosofia se renova, questiona pressupostos e abre espaço para novas abordagens. A obra de Simone de Beauvoir, embora não seja trans, também é fundamental. Em “O Segundo Sexo”, ela desvela as estruturas patriarcais que moldam as concepções de gênero ao dialogar com as experiências de mulheres cis ou trans, transcendem fronteiras e nos conduzem a uma compreensão mais profunda e transformadora do gênero.
Você defende a inclusão das experiências de mulheres trans e travestis na filosofia. Quais são os principais desafios para que elas sejam reconhecidas e valorizadas na disciplina filosófica, e como podemos trabalhar para superar essas barreiras?
Entro no campo filosófico com muito cuidado, especialmente por não ser filósofa, mas um texto importante para comunidade trans foi desenhado por Leila Dumaresq. Nele, Dumaresq escreve de modo singular sobre os desafios enfrentados pelas mulheres trans e travestis em busca de reconhecimento e valorização dentro do campo. Vamos desvelar essas barreiras e considerar estratégias para superá-las, sempre tendo em vista o transfeminismo como ética e política de existência. Mais recentemente tenho lido McKenzie Wark, uma filósofa australiana e ativista transgênero conhecida por suas ideias sobre o “vetorialismo” e sua visão de que os hackers representam a nova classe progressista. Ela argumenta que o capitalismo está sendo substituído pelo vetorialismo, um sistema baseado na propriedade e controle de informações. Nesse novo cenário, os “vetorialistas” são os donos da infraestrutura que controla a circulação de dados, extraindo valor do nosso desejo de compartilhar informações nas redes sociais. Para Wark, os hackers não são apenas invasores de computadores, mas também todos os produtores de propriedade intelectual, como escritores, artistas e cientistas. Ela vê os hackers como uma classe emergente que desafia o status quo e busca novas possibilidades de resistência. As mulheres trans e travestis frequentemente enfrentam exclusão e marginalização nos círculos filosóficos masculinistas. Suas vozes são subalternizadas, e suas experiências muitas vezes não são consideradas relevantes para os debates filosóficos. A falta de representatividade em currículos, eventos acadêmicos e publicações perpetua essa invisibilidade. Além disso, muitas abordagens filosóficas partem de uma visão binária de gênero (masculino/feminino), relegando identidades não conformes a uma posição secundária. Isso resulta em custos cognitivos mais elevados para mulheres trans que participam desses debates, pois precisam constantemente justificar sua presença e relevância.
A produção de trabalhos acadêmicos também enfrenta obstáculos...
Assim, mulheres trans e travestis podem ser desencorajadas a pesquisar temas relacionados a suas identidades de gênero, temendo o preconceito ou a falta de aceitação. A falta de representantes trans também dificulta o desenvolvimento acadêmico, a própria Leila Dumaresq fez uma pausa em sua promissora carreira acadêmica no passado. No entanto, a filosofia e o feminismo têm o potencial de se tornarem aliados poderosos na luta por um espaço mais inclusivo e acolhedor. O feminismo, com sua história de luta pela igualdade de gênero, tem sido fundamental na promoção dos direitos das mulheres e na desconstrução das normas patriarcais. No entanto, é crucial que o feminismo também abrace o transfeminismo, que amplia essa luta para incluir todas as pessoas trans e travestis. O transfeminismo reconhece que a opressão de gênero afeta a todos de maneiras variadas e que a luta por justiça deve ser interseccional, abrangendo questões de identidade de gênero, raça, classe e orientação sexual. Estratégias para superar essas barreiras incluem a inclusão deliberada de mulheres trans e travestis em instituições acadêmicas, promovendo sua presença em palestras, conferências e comitês. É necessário ampliar os currículos para incluir filósofas trans e travestis, destacando suas contribuições e perspectivas. Estabelecer programas de mentoria específicos para mulheres trans, conectando-as a profissionais experientes, é essencial para fornecer o apoio necessário para seu desenvolvimento acadêmico.
A visibilidade e o reconhecimento das realizações acadêmicas dessas mulheres são fundamentais para desafiar estereótipos e preconceitos...
Celebrar publicamente suas conquistas também ajuda a criar um ambiente mais acolhedor e inclusivo. A filosofia deve se tornar um espaço onde as vozes das mulheres trans e travestis sejam ouvidas e valorizadas. Para além das barreiras acadêmicas, é importante considerar a construção de refúgios para a vida em meio às ruínas do capitalismo, conforme explorado pela antropóloga Anna Tsing em seu livro "O Cogumelo no Fim do Mundo: Sobre a Possibilidade de Vida nas Ruínas do Capitalismo". Tsing examina como emergem refúgios de coabitação em meio à perturbação causada pelo capitalismo, onde diferentes espécies (humanas, animais, plantas, fungos etc.) encontram maneiras de sobreviver e prosperar em paisagens afetadas pela destruição ecológica e pelas mudanças socioeconômicas. O cogumelo matsutake, uma espécie específica de cogumelo, serve como uma pista para explorar esses refúgios. Tsing nos convida a aprender a ocupar essas ruínas, dançando em meio a paisagens fragmentadas do antropoceno. A construção desses refúgios envolve adaptação, resiliência e colaboração entre diferentes seres vivos, desafiando a lógica capitalista de exploração e competição. A política de coabitação, referida por Tsing, busca formas de convivência e interdependência entre espécies, em vez de dominação ou exclusão. Essa abordagem reconhece que a sobrevivência e a saúde planetária dependem da coexistência harmoniosa entre humanos e outras formas de vida. Em resumo, a educação e a filosofia têm o poder de transformar atitudes, desconstruir preconceitos e criar uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com as identidades trans. A presença de corpos trans e travestis nas universidades é vital para uma transformação pedagógica e estética. O transfeminismo, como ética e política de existência, deve guiar essa transformação, garantindo que todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, possam viver com dignidade e segurança. A luta continua, e eu permaneço comprometida com essa causa.
A despatologização das identidades trans é uma questão central na sua atuação. Como a educação pode contribuir para ela e para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa?
As ideias acima, quase sempre solitárias, me inspiraram a continuar lutando mesmo sem saber que um aspecto crucial do meu trabalho havia sido a luta pela despatologização das identidades trans. A patologização histórica das identidades trans como transtorno mental é injusta, sobretudo por estar atrelada a uma doença e, por conseguinte, à vulnerabilização imposta pelo cis-tema. Identidade de gênero não é uma doença, e é essencial desnaturalizar essa visão. A educação pode promover a compreensão de que ser trans não é uma patologia, mas uma variação natural da experiência humana. Os currículos escolares, inclusive médicos, devem incluir conteúdos que abordem questões de gênero, diversidade e identidades trans nas recomendações. A educação sexual deve ser abrangente, informando sobre identidades de gênero e orientações sexuais de maneira não patologizante. Capacitar educadores para lidar com questões de gênero e identidade trans é fundamental. Oferecer treinamento sobre linguagem inclusiva, sensibilidade cultural e combate ao preconceito é essencial para criar ambientes escolares seguros.
Quais programas políticos e educativos podem ser criados nesse sentido?
A criação de políticas anti-bullying e protocolos de apoio são fundamentais para proteger estudantes trans. Criar espaços seguros onde a expressão de gênero seja respeitada e celebrada é crucial. Programas educativos podem combater estereótipos e preconceitos foram criados muito recentemente. Palestras, workshops e materiais informativos podem promover a aceitação e a compreensão das identidades trans. Incluir narrativas de pessoas trans na literatura e história escolar é essencial. Isso humaniza as experiências trans e desafia estereótipos. Educar profissionais de saúde mental sobre a despatologização é crucial. Garantir que o atendimento psicológico não esteja condicionado a um diagnóstico mental é uma necessidade urgente. O que me faz retornar ao já citado livro da antropóloga Anna Tsing. A política de coabitação que ela propõe envolve práticas e políticas que promovam a diversidade biológica (e aqui penso pessoas intersexo, nós e tudo o que vive), a regeneração ambiental (e aqui me refiro aos excessos seja de dejetos ou alimentos) e a justiça social (quem pode se livrar de um passado violento com facilidade?). Ainda há muito a ser feito, mas permaneço comprometida com essa causa. Minha vida e meu trabalho são dedicados a garantir que as futuras gerações possam viver em um mundo onde suas identidades sejam celebradas e respeitadas, não porque sou boazinha, mas por ser egoísta o suficiente a ponto de trabalhar como todas as minhas forças para que meu netinho, ainda menino, possa se declarar ou não travesti, como a vovó, sem que isso tenha qualquer conexão pejorativa ou moralmente destrutível. Sofri muito, tenho o direito de ver os meus sentindo orgulho de minha caminhada e perguntando a si, por que não ser como ela foi? Presunção? Eu chamo de futuro!