Nota da FFLCH USP pelo falecimento do Prof. Dr. José Arthur Gianotti
27/07/2021 • Notas e Comunicados
Luto Oficial de 3 dias
Com imensa tristeza, o Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo comunica que, nesta terça-feira, 27 de julho de 2021, faleceu o professor e filósofo José Arthur Giannotti, Professor Emérito da Universidade de São Paulo e nosso mestre, colega e amigo:
É muito difícil redigir uma nota para anunciar o falecimento do prof. José Arthur Giannotti. À imensa dor que todos sentimos acrescentam-se de imediato a consciência de uma perda irreparável, o reconhecimento de uma figura ímpar, a visão, nestas terras brasileiras por vezes tão pantanosas, de um gigante moral e intelectual que tomba como um herói homérico que lutou incansavelmente em prol da reflexão, em nome da verdade, que honrou como ninguém a integridade ética de um pensamento altamente exigente e, ao mesmo tempo, exuberante. Poderia citar as suas diversas condecorações, mencionar um a um seus tantos livros que pautaram a reflexão filosófica brasileira para tantas gerações, os seminários em que nos transportava com tanta maestria às mais delicadas e cogentes reflexões, suas intervenções de natureza política de extrema lucidez, seus comentários ácidos e penetrantes sobre a alma brasileira, sua sensibilidade maximamente aguçada às questões fundamentais, ao que de fato importa: o belo, a verdade, o bem. Deixarei tudo isso de lado, pois imagino o sorriso tipicamente italiano que faria ao escutar tal relato, o gesto seguro de uma modéstia, uma real modéstia, para indicar que nada ainda foi dito: Giannotti estava sempre à nossa frente, estava muito além de todos nós, via o que não conseguíamos ver e, mesmo assim, se dedicava inteiramente a nos fazer ver o que somente ele conseguia vislumbrar. Assim era Giannotti: inescapavelmente solitário em sua capacidade de ver o que foge a tantos, sempre voltado, no entanto, a nos instruir, a nos fazer ver, mas sempre certo de que entrevê o que é fugaz e instável, pois está em constante diálogo interno com seu próprio daimon e sua implacável crítica. Assim é o filósofo.
Não posso deixar de mencionar sua generosidade exemplar, suas habilidades culinárias invejáveis, sua veia estética prodigiosa. Sobretudo, sua amizade indefectível porque profundamente humana. Gilles Gaston-Granger, Claude Lefort, Victor Goldschmidt, Jules Vuillemin, Gérard Lebrun tornaram-se de imediato seus amigos, para citar somente alguns. Bento Prado Júnior e Oswaldo Porchat, a despeito de todas as suas diferenças, formaram com Giannotti um trio que pôs São Paulo no centro das reflexões filosóficas mundiais, bem como da busca de justiça em um país de tanta desigualdade. A ditadura militar tentou destruir sua carreira, mas Giannotti fundou o CEBRAP e lá criou um ambiente propício para pensar o Brasil que tanto amava, criando um programa de formação de quadros para tirar o país de seu atoleiro. Jamais cedeu às tentações do poder nem faltou com a verdade por acalentar algum projeto pessoal. Tudo nele era íntegro, verdadeiramente íntegro, profundamente íntegro. É esta a imagem que guardo dele, quando saí por última vez de um jantar e o vi, do alto da escada que levava ao seu gabinete de trabalho, acenar o adeus: um gigante homérico, um intelectual insubstituível, um homem que fez da vida a mais bela expressão da potência humana.
Marco Zingano