Nota de pesar do GT Epistemologia Analítica pelo falecimento do professor Alvin Goldman

12/08/2024 • Notas e Comunicados

Luiz Paulo da Cas Cichoski (UFMT)
Leonardo Ruivo (UEMA/UFMA)
GT Epistemologia Analítica


É com muito pesar que anunciamos o falecimento de Alvin I. Goldman (1/10/1938 - 4/8/2024). Ele foi um dos mais influentes filósofos analíticos em diversas áreas, particularmente Filosofia da Mente e Epistemologia. A partir de uma abordagem naturalista, aproximou a Epistemologia das Ciências Cognitivas (Epistemology and Cognition,1986) e das Ciências Sociais (Knowledge in a Social World, 1999).

Goldman foi professor emérito da Universidade Rutgers. Ao longo de sua carreira também foi docente da Universidade do Arizona, da Universidade de Illinois e da Universidade de Michigan. Ele se graduou na Universidade de Columbia (1960), tendo mestrado (1962) e doutorado (1965) pela Universidade de Princeton, sob orientação de Paul Benacerraf.

Inicialmente, seus trabalhos se concentraram na Filosofia da Ação (A Theory of Human Action, 1970) com a defesa de uma proposta de individuação de ações refinada (fine-grained), onde "descreve uma estrutura gerativa da ação básica e não básica, argumentando pela compatibilidade entre o livre arbítrio e o determinismo” (SCHMITT, F.F., Cambridge Dictionary of Philosophy, 1999, p. 350)

No campo da Epistemologia seu influente artigo A Causal Theory of Knowing (1967) introduziu uma nova resposta ao problema de Gettier, indicando os traços do que mais tarde seria chamado de "externalismo" (ou "externismo"). Se Gettier ficou famoso por colocar um problema para a Epistemologia, a definição do conhecimento como crença verdadeira justificada, Goldman foi um dos epistemólogos que ganhou notoriedade por propor uma solução. O confiabilismo de Goldman é centrado na noção de que crenças serão casos de conhecimento se tiverem uma relação confiável com a verdade. Tal primazia da conexão com a verdade se tornou uma característica saliente das teorias externalistas de justificação epistêmica. Grosso modo, a inovação, rompendo com uma longa tradição na História da Epistemologia, é a de que a posse de razões deixa de ser o elemento epistemizador central da investigação sobre o conhecimento. Além dessa posição ter se tornado a mais aceita na comunidade (BOURGET, CHALMERS, Philosophers on Philosophy: The 2020 PhilPapers Survey, 2023, p. 6), não é surpresa encontrar opositores internalistas (ou "internistas") reconhecendo Goldman como "o mais importante epistemólogo contemporâneo".

Goldman considerava a abordagem tradicional da Epistemologia muito idealizada. Uma visão muito limitada dos efetivos processos cognitivos que seres humanos dispõem resultava em propostas de pouca aplicabilidade para nossa realidade cognitiva bastante limitada e cheia de falhas e vieses. Como solução, Goldman se engajou em uma abordagem naturalista, fortemente apoiada pelos resultados das Ciências Cognitivas, que conseguiam apresentar qual a relação cognitiva que seres humanos possuem com a realidade à sua volta, identificando acertos e erros, bons e maus processos, isto é, identificando quais processos conduzem a formação de crenças verdadeiras (os confiáveis) e quais não o fazem (os não confiáveis).

Além do diálogo da Epistemologia com as Ciências Cognitivas, Goldman exerceu um papel fundamental na consolidação da Epistemologia Social, com destaque especial para o seu Knowledge in a Social World (1999). Parte significativa de nossas atividades cognitivas são realizadas dentro de um contexto social. As crenças que formamos dependem substancialmente de outras pessoas. Seguindo a proposta de que a Epistemologia deva estar centrada na conexão com a verdade, Goldman propõe uma abordagem verística para a avaliação de crenças de grupo, bem como práticas (testemunho, argumentação, mídia e filtragem da informação) e instituições sociais (o campo científico, jurídico, democrático e educacional). Do ponto de vista epistêmico, interessa investigar a produção e disseminação do conhecimento na sociedade, ou seja, de que forma nossas práticas e instituições sociais podem maximizar a posse de crenças verdadeiras por parte dos indivíduos que a constituem. Mais tarde Goldman ampliou tal abordagem verística, em diversos artigos, tanto para outros contextos como para áreas da Epistemologia Social (desacordo, epistemologia da comunicação, epistemologia da expertise, epistemologia da internet, conhecimento coletivo, dentre outros).

Outra grande contribuição de Goldman para a Filosofia foi a defesa e desenvolvimento da teoria da simulação (Simulating Minds, 2006) para a capacidade de leitura da mente (mindreading), a capacidade de atribuirmos estados mentais a outras pessoas . A teoria da simulação postula que nós exercemos nossa capacidade de predizer os estados mentais de outras pessoas por meio da criação de uma simulação ou uma reprodução dos estados mentais dos outros em nossas próprias mentes. Essa abordagem recupera uma importante tradição na Filosofia de compreender essa capacidade como envolvendo empatia, imaginação ou projeção, mas com uma influência naturalista, incorporando resultados recentes de investigações empíricas realizadas particularmente pela psicologia do desenvolvimento.  

A comunidade filosófica brasileira teve a oportunidade de dialogar com Alvin Goldman em duas oportunidades. Ele esteve presente no Brasil no evento Epistemology: The Third Brazilian Conference, Porto Alegre, 2010. E também no Congresso interamericano de Filosofia, Salvador, 2013.

Salientamos também que diversos artigos, dissertações e teses produzidas no Brasil dialogaram com os influentes trabalhos de Goldman.

Nossas condolências à Holly Martin Smith (Holly S. Goldman), nesse momento de perda e nossa homenagem intelectual às contribuições de Alvin Goldman.

Abaixo indicamos os textos do autor que foram traduzidos para o português:

1- O que é a crença justificada?, Alvin I. Goldman. Tradução de L. H. Marques, Sérgio R. N. Miranda e Desidério Murcho. https://criticanarede.com/justificacao.html

2 - Epistemologia confiabilista, Alvin Goldman e Bob Beddor. Tradução de L. H. Marques Segundo. https://criticanarede.com/confiabilismo.html

3 - Educação e epistemologia social. Alvin Goldman. Tradução de Alexandre Meyer Luz e Marcos Rodrigues da Silva. https://periodicos.univali.br/index.php/rc/article/view/76

4 - Epistemologia social, Alvin Goldman e Thomas Blanchard. Tradução de Felipe Castelo Branco Medeiros; Jose? Leonardo Annunziato Ruivo; Luiz Paulo Da Cas Cichoski. https://wp.ufpel.edu.br/nepfil/files/2021/12/SIF4.pdf