Nota de pesar pelo falecimento de Bruna Rodrigues Dias Testi

14/02/2025 • Notas e Comunicados

Querida Bruna,

Desde o dia 4 de janeiro de 2025, quando recebi a notícia de que você se foi, tenho experimentado o sentimento do absurdo como nunca antes. Por exemplo, passei pelo absurdo de ter que fretar uma van do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, onde foi o seu velório, ir e voltar no mesmo dia; o absurdo de ter que pensar em frases e harmonia de cores para suas duas coroas de flores; e o absurdo de ter que organizar tudo isso. Há mais ou menos um mês estou negociando com a tarefa absurda de te escrever uma nota de pesar. Não acredito que o primeiro texto que envio à ANPOF é a tua nota de pesar. Normalmente, o convite para publicar ou escrever qualquer coisa era seguido de uma mensagem para você, que vibraria comigo qualquer conquista, por mais singela que fosse. Você sabia dar esse amor puro e, com um orgulho quase maternal, acompanhava meus caminhos, me escutava, trocava comigo, dava conselhos e emprestava um pouco da tua coragem; essa coragem de sustentar o desejo, afirmar o movimento e sempre mudar quando sentia que era preciso: mudar de carreira, mudar de cidade, mudar a pesquisa e de ares.

Você sempre se destacou pela forma apaixonada que se dedicava à sua pesquisa e aos autores e autoras que você estava estudando. Como era bonito te ouvir falar em mineirês sobre Brecht, teatro das oprimidas, Judith Butler, Neusa Souza Santos, Vaga Carne e todas as demais artistas e peças com as quais você vinha trabalhando recentemente, nessa reta final do doutorado. Uma admiração genuína te tomava e era preciso encontrar uma fresta, em toda e qualquer conversa, para que você pudesse compartilhar um pouquinho sobre os textos que andava lendo, o fascínio que eles te despertavam ou as críticas e ressalvas que vinha acumulando com cada um deles.

Nossas vidas se entrelaçaram de forma tão natural, tão espontânea, que tenho dificuldade de rastrear o primeiro momento, o primeiro aceno, que fez com que nos aproximássemos uma da outra. Lembro que seu primeiro ano de mestrado, em 2017, foi também meu primeiro ano de iniciação científica. Meus primeiros passos como pesquisadora foram dentro do mesmo grupo de orientação que você. Assim como você, fui da estética dos alemães até os estudos decoloniais e em torno das questões de raça e gênero. Sentimos a mesma lacuna nos nossos currículos e criamos juntas um grupo de estudos para correr atrás de uma bibliografia feminista, queer e antirracista. Mais tarde, esse grupo culminou no Coletivo Gloria Anzaldúa - Laboratório de Práticas Mestizas (COGA.Lab), o coletivo que criamos junto com Larissa Monteiro, depois com Isabelle Nunes, Yas Lucchesi e Ana Beatriz Castro, e que mais recentemente cuidávamos com Clara Biondo. Após quatro anos de coletivo, desenvolvemos nosso próprio método, nossa própria forma de convocar as/os participantes dos encontros a escreverem. Nas nossas oficinas de escrita, sempre abríamos os trabalhos com a carta de Gloria Anzaldúa intitulada “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”. Penso, portanto, que esta homenagem não poderia ter outro formato, senão uma carta.

Desde 2017, fomos nos tornando pouco a pouco cada vez mais íntimas: com você dividi as primeiras viagens para congressos e seminários, compartilhei crises existenciais, os dramas e delícias da vida acadêmica, sonhei um coletivo e ainda moram em mim todos os planos que fizemos juntas e ficaram por ser realizados. Tá sendo difícil sem você, mas é preciso dar um jeito, minha amiga. Espero ter força para seguir com eles sem você ao meu lado, pois sei que você vai seguir sendo luz e amparo, de onde quer que você esteja.

Por aqui, fico com a lembrança da tua doçura, inteligência, sensibilidade, do acolhimento que você sempre soube oferecer e dos sonhos lindos que sonhamos juntas. Te amo e que tua passagem seja tão serena quanto era a sua presença.

Com amor e saudades,
Annelise Schwarcz (PPGF/UFRJ)

Bruna Rodrigues Dias Testi era doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal Fluminense. Ela estava perto de defender sua tese intitulada “Epistemologias performativas: a produção de corpos na estética teatral contemporânea”, na qual fazia um paralelo entre a performance teatral de mulheres (cis e trans, negras e brancas) em cena e a performatividade de gênero tal como formulada por Simone de Beauvoir, Judith Butler e Paul B. Preciado, analisando as peças Stabat Mater de Janaína Leite, Manifesto Transpofágico de Renata Carvalho e Vaga Carne de Grace Passô. Bruna apostava na hipótese de que as obras de artes possuem a capacidade de expor mecanismos estruturantes, de desmantelar esses mecanismos, revelando suas contradições e apresentando possibilidades de reformulação da relação entre corpo, identidade e sociedade. Infelizmente, seu trabalho foi interrompido por sua partida precoce.


Annelise Schwarcz é licenciada e mestra em filosofia pela Universidade Federal Fluminense na linha de estética e filosofia da arte. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro na linha de gênero, raça e colonialidade, crítica teatral e cofundadora do COGA.lab, por onde facilita grupos de estudos e oficinas de escrita.