Nota de repúdio ao Projeto de Lei 1904 - O 'PL do estuprador'

17/06/2024 • Notas e Comunicados

No dia 12 de junho, em votação que durou 23 segundos, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei 1904, chamado “PL do Estuprador”.

O projeto de lei propõe alterar os Artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal para limitar a prática de aborto legal atualmente previsto em casos de estupro, risco de vida para a gestante e em gestações de fetos com anencefalia.

Pelo PL  1904, mesmo em caso de gestação de menor de idade resultante de estupro, o aborto legal só poderia ser realizado até a 22ª semana de gestação.

Mulheres, crianças e adolescentes estupradas frequentemente não têm acesso à informação, a serviços de saúde ou a amparo institucional ou lhes é recusada a realização do procedimento antes de passadas 22 semanas do estupro.

Se o PL 1904 for aprovado, em caso de mulheres estupradas maiores de 18 anos, a prática de aborto depois da 22ª semana de gestação passaria a ser considerada crime de homicídio simples, como prevê o Art. 121 do Código Penal, com pena de reclusão de 6 a 20 anos.

Em contraste, a prática de estupro atualmente caracterizada no Art. 213 do Código Penal prevê pena de 6 a 10 anos ou, quando houver estupro com lesão corporal grave, de 8 a 12 anos (§ 1º). Mesmo em caso de estupro de vulnerável, isto é, pessoa menor de 14 anos ou com deficiência intelectual, conforme o Art. 2017, a pena é de 8 a 15 anos.

Ou seja, em todos os casos previstos em lei, mesmo quando cometidas lesões graves ou o estupro for de pessoa vulnerável, as penas de estupradores seriam inferiores às penas de mulheres estupradas que praticassem o aborto depois de 22 semanas de gestação.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021 foram notificados 66.088 estupros de mulheres, sendo que 75,5% das vítimas eram consideradas vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir. 31,7% das vítimas foram meninas de 10 a 13 anos, cerca de 19,1% das vítimas foram meninas entre 5 e 9 anos e 10,5% tinham 4 anos ou menos[1].

Estudo do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que apenas 8,5% dos estupros são registrados nas delegacias de polícia e só 4,2% pelo sistema de saúde. Descontada a subnotificação, superior a 90%, o número de estupros possivelmente chegaria a 822.000 por ano, 2 estupros a cada minuto[2].

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021: “em cerca de 79,6% dos casos, o autor do estupro era conhecido da vítima”.

No Brasil, mulheres, crianças e adolescentes estupradas frequentemente não têm acesso à informação, a serviços de saúde ou a amparo institucional que lhes permita realizar o aborto legal antes de passadas 22 semanas do estupro.

Para além, esta PL ainda legisla sobre a vida física e psíquica de mulheres. Corpos femininos que estão em risco de morte, cuja constatação da gravidade gestacional demore, perdem o amparo Legal. A escolha da mulher, segundo a PL 1904, se dá na morte prematura ou na prisão.

Ainda, lembrando a demora para muitos exames nos sistemas de saúde brasileiro, há a gestação de fetos anencéfalos que, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, versa sobre os direitos da mulher contrapostos aos do feto anencefálico: direito à saúde, à dignidade, à liberdade, à autonomia e privacidade. Esta PL rompe com todos esses paradigmas jurídicos, colocando a vida da mulher gestante entre a morte e a perda da saúde mental.

Por tais razões, manifestamos nosso repúdio ao PL 1904 e reiteramos:

Vítimas não são homicidas, crianças não são mães e estupradores não são pais!

Não ao PL 1904!

Diretoria da Anpof


[1] Dados disponíveis em: https://apidspace.universilab.com.br/server/api/core/bitstreams/4aabfb54-3045-4475-8649-7e8ecab018ce/content

[2] Dados disponíveis em: https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13541-brasil-tem-cerca-de-822-mil-casos-de-estupro-a-cada-ano-dois-por-minuto