Nota do GT Marx e a Tradição Dialética da Anpof sobre o falecimento do professor Hector Benoit
06/12/2022 • Notas e Comunicados
Quis o destino que um homem atormentado pela angústia e o desespero diante dos paradoxos e misérias da vida morresse inesperadamente e em paz. Assim faleceu Hector Benoit na madrugada desta segunda-feira 05 de dezembro, dormindo e sem tempo para despedidas e lamentações. Seu temperamento uruguaio, Benoit era orgulhosamente basco-uruguaio, certamente não nos toleraria chorando em seu leito de morte.
Hector Benoit foi Professor Livre Docente de Filosofia na Unicamp. Formado em Filosofia na Usp nos anos 70, para driblar a censura militar aos estudos do marxismo dedicou-se ao estudo da dialética antiga e das obras de Platão. Entre 1982 e 1990 tornou-se Mestre e Doutor em Filosofia sob a orientação do falecido e renomado professor José Cavalcante de Souza. Aprendeu grego e passou a ler os diálogos platônicos diretamente em sua língua natal. Desta leitura surgiu uma interpretação original e revolucionária dos diálogos platônicos, antípoda das leituras francesas lideradas pelo estruturalismo de Victor Goldschmidt.
Ao mesmo tempo, aprendeu alemão e estudou Hegel, Marx, Nietzsche e Heidegger também em sua língua original. Nos anos 90 tornou-se professor concursado de Filosofia na Unicamp, onde se aposentou em 2015. Foi líder e fundador dos GTs Platão e o Platonismo e Marx e a Tradição Dialética da Anpof nos anos 2000. Foi Diretor do CPA (Centro do Pensamento Antigo) e integrante do CEMARX (Centro de Estudos Marxistas) da Unicamp. Foi membro do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista e Outubro e fundador da extinta Revista Mais-valia.
Benoit, porém, ainda que possa ser reconhecido como platonista, hegeliano, nietzschiano ou heideggeriano nunca o fora na verdade. Benoit era marxista. Marxista trotskista. Benoit foi militante trotskista desde a juventude e durante toda a sua vida política. Faleceu criticando a experiência soviética pós-Lênin e o marxismo burocrático que surgiu a partir daí. Faleceu acreditando e defendendo as teses clássicas do marxismo, do proletariado como vanguarda da revolução, da necessidade de um partido revolucionário, de uma formação intelectual rigorosa, dialética e filosófica dos militantes e da organização e da solidariedade internacional do proletariado.
Sua experiência com a dialética socrática e os demais filósofos estudados lhe permitiu ultrapassar ainda jovem a leitura e a interpretação canônica de certas inspirações dominantes no marxismo brasileiro sobre a obra de Marx e a revolucionar certas interpretações consagradas e dogmáticas acerca da dialética, de O Capital, da história, da luta de classes, do papel de Engels na interpretação da obra de Marx, do partido, de Lênin, de Trotsky, da Revolução Soviética, da revolução brasileira e do papel central do proletariado brasileiro na revolução internacional.
Suas críticas impiedosas de inspiração trotskista à experiência stalinista não o levaram, contudo, a fechar os olhos à história do próprio trotskismo, internacional e brasileiro, a seus desvios teóricos e políticos, a seu abandono do próprio marxismo clássico e internacionalista de Trotsky, às suas vacilações antiproletárias, a seus adesismos nacionalistas e a seus entrismos oportunistas e, especialmente, à doença vanguardista e degenerativa do esquerdismo e do sectarismo que afeta grande parte das organizações políticas trotskistas.
Hector Benoit era um gênio. E como todo gênio, temperamental, explosivo e sempre muito ciente de si. Mas, Benoit não era um gênio qualquer, Benoit era como um daqueles gênios anunciados por Sócrates no Fedro, daqueles gênios tomados por uma loucura e uma inspiração tão divinas e tão profundas que somente a eles seriam reveladas as verdades e as belezas trazidas pelas Musas. Benoit era um destes loucos irracionais iluminados por uma verdade tão clara e luminosa que não poderia ser compreendida facilmente por nosso racionalismo de inspiração moderna e nosso marxismo esquemático e burocratizado.
Devido à sua rica formação intelectual e filosófica, Benoit queria ser poeta e teatrólogo, ao rigor de seus estudos sobre os diálogos de Sócrates e Platão e ao seu gênio dionisíaco louco, inquieto e antiburocrático, Hector Benoit estava a léguas e léguas de distância de boa parte deste marxismo brasileiro sem alma, sem vida, repetitivo e monótono, que se recusa a se recriar, a se renovar e a se revolucionar intelectual e politicamente.
Hector Benoit viveu mergulhado na angústia e na tristeza. Não suportava a pobreza intelectual e espiritual do marxismo brasileiro. Não suportava a vida e nossa mediocridade. Viveu afundado em crises e insatisfeito. Malgrado essa vida, Benoit tinha belos momentos de alegria quando falava de Sócrates, Platão e Marx, de suas aventuras, e desventuras, amorosas, de futebol, do Palmeiras, que considerava injusto não ter um Mundial, e da Seleção Uruguaia. Chorou quando Luís Suárez, o anti-herói uruguaio, foi expulso da Copa do Mundo no Brasil em 2014 por ter mordido, num ato intempestivo, o ombro do zagueiro italiano Giorgio Chiellini.
Mas, Hector Benoit, agora, morreu em paz e nós estamos mais pobres intelectualmente. Resta-nos a esperança de que novos loucos iluminados como ele surjam e nos tirem deste atoleiro intelectual e político que tomou conta do marxismo e da sociedade brasileira!
COORDENAÇÃO DO GT MARX E A TRADIÇÃO DIALÉTICA DA ANPOF