Congresso A Força da Lei
16/04/2024 • Notícias ANPOF
por Águida Assunção e Sá (UFTM) e Yane Aparecida de Oliveira (UFTM)
O pensamento político e educacional de Dom Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875)
Em meio a um silêncio prazeroso, quando se ouvia apenas a natureza, o canto dos pássaros, dos gaviões e das seriemas, o vento balançando as folhas dos coqueiros, e com a sensação de que o lobo-guará estava por perto, realizou-se o Congresso “A força da lei” – o pensamento político e educacional de Dom Antônio Ferreira Viçoso, no Colégio do Caraça-MG, de 01 a 05 de abril de 2024.
A programação foi organizada em cinco blocos: Igreja e Império, Ensino, Política, Escravidão, Igreja e Educação. Na abertura, dia 01/04, a conferência teve como tema “A cultura eclesiástica de Dom Antônio Ferreira Viçoso”, destacando seu pensamento político e educacional na palestra do professor Maurílio Camello (UFMG), trabalhada pelos professores Lúcio Álvaro Marques (UFTM) e Ivan Domingues (UFMG).
No dia 02/04, a conferência trouxe como tema “O ensino na atuação de Dom Antônio Ferreira Viçoso”, trabalhado pelo professor João Paulo Pereira (FDLM). Em seguida, dois foram os temas na mesa-redonda: “O ensino no Caraça e Mariana”, apresentado por João F. B. Silva (UniAcademia/JF), Marcella de Sá Brandão (UFRRJ) e João Paulo Pereira (FDLM) e, num segundo momento, “A história do ensino e sua escrita”, pelo professor Edvaldo A. Melo e João Paulo Pereira (FDLM). Foi um dia intenso de discussões em torno do ultramontanismo oitocentista.
À noite, no ponto alto do evento, aconteceu o lançamento do livro “Dom Antônio Ferreira Viçoso: Correspondência (1823-1875)”, organizado pelos professores Maurílio Camello (UFMG) e Lúcio Álvaro Marques (UFTM). Foi feita uma apresentação do trabalho realizado na organização e edição desta coletânea de cartas de Dom Viçoso, do aparato crítico do texto e sua publicação pela Fundação Alexandre de Gusmão/FUNAG, órgão vinculado ao Ministério da Relações Exteriores – Itamaraty, pelos professores Lúcio Álvaro Marques (UFTM) e Águida Assunção e Sá (UFTM). Trata-se de um acervo de extrema importância para estudos da história de nosso país, nosso Estado e, especificamente, da Diocese de Mariana no século XIX que traz uma grande contribuição para estudos sócio-históricos, filosóficos e linguísticos. As cartas mostram o Antônio, homem público, bispo de Mariana, pastor zeloso para com sua missão, preocupado com a reforma do clero e o ensino, sempre solícito e atento aos diversos chamados, um perfeito articulista no trato com autoridades políticas e eclesiásticas, desde os padres até o Papa e o Imperador. Elas se tornam uma importante fonte de estudos sobre todo o trabalho de Dom Viçoso à frente da Diocese, da Congregação da Missão, junto às Irmãs da Caridade e em tantas outras instâncias que exigiam sua atuação tanto política quanto eclesiástica.
A terceira conferência, no dia 03/04, trouxe o tema “Antônio Ferreira Viçoso na filosofia do século XIX”. O professor Alfredo Storck (UFRGS) fez uma reflexão detalhada sobre formas de escravização desde a venda por extrema necessidade até o direito de vender-se a si mesmo, a partir do documento Escravatura ofendida e defendida – 1840 e da polêmica entre Manoel da Nóbrega e Quirício Caxa; a mestra Yane Aparecida de Oliveira (UFTM) trouxe informações importantes sobre o ensino no Colégio do Caraça e apresentou o documento De Modestia, e o professor Lúcio Marques (UFTM) apresentou sua reflexão acerca da influência francesa presente nos documentos. À tarde, aconteceu a visita guiada à Biblioteca do Caraça, quando foi possível o contato com diversos manuscritos ainda conservados no acervo, destacando-se a parte que ainda carece de pesquisa e publicação que integrará o próximo volume dedicado ao Colégio do Caraça, na Série Scripta Brasiliana.
Na conferência do dia 04/04, o tema central foi “A escravidão no pensamento filosófico de Dom Viçoso”, apresentado pelo professor Roberto H. Pich (PUC-RS). Na sequência, Fabiano Glaeser (PUC-RS) e Roberto H. Pich (PUC-RS) fizeram uma importante apresentação sobre o tema “Círculos abolicionistas, mídia impressa e intelectuais católicos no Sul do Brasil: refazendo os caminhos do catolicismo brasileiro nos debates sobre a abolição da escravatura”, destacando questões importantes sobre emancipação de escravos em festas religiosas a partir da história de Pelotas-RS. Na sequência, o professor Márcio Cenci (UFN) apresentou a reflexão sobre “Restauração, escravidão e catequese no Brasil Colonial”, destacando os franciscanos.
Finalizando os trabalhos do dia, o professor Ivan Domingues, com o tema “O futuro da filosofia no Brasil”, apresentou as atividades que são realizadas pelo Grupo de Trabalho Pensamento Filosófico Brasileiro-ANPOF, coordenado por ele, e o planejamento para os próximos dois anos. Destacou a Série Scripta Brasiliana, inaugurada com a publicação da correspondência de Dom Viçoso e o próximo trabalho já encaminhado e coordenado pelo professor Roberto H. Pich sobre o curso Philosophia Platonica de Frei Gaspar da Madre de Deus. Destacou também a Enciclopédia online que já tem vários verbetes publicados e apresentou a lista de outros verbetes já programados para os próximos dois anos. Apresentou também o que está sendo planejado para o Encontro da ANPOF, em Recife, cuja agenda está sendo construída para trabalhar a filosofia e gêneros literários na Colônia e Império e, ainda, métodos e técnicas de pesquisa em filosofia. Destacou também as lives do GT e os encontros temáticos que estão sendo preparados.
Concluindo a apresentação, falou sobre os livros vinculados ao GT que serão lançados. Fez menção a textos que está programando: um sobre Antônio Pedro de Figueiredo e outro sobre pe. Patrício Muniz. Possivelmente sairá um livrinho sobre as ideias de Cousin, necessárias para compreender a maior parte dos espiritualistas oitocentistas. E ainda um artigo sobre os filósofos brasileiros oitocentistas e a escravidão, na revista Pensando, e um capítulo sobre o General Abreu e Lima, na Coletânea do VIII Colóquio Pensadores Brasileiros.
No dia 05/04, o professor Gustavo de Souza Oliveira (UFU) trabalhou o tema “O cônego, o bispo e o imperador: conflitos e resistências na reforma católica de Dom Antônio Ferreira Viçoso”. Ressaltou as dificuldades enfrentadas por Dom Viçoso em relação a situações de imoralidade vividas por padres, o que trazia enormes problemas para o seu projeto de reforma do clero em Mariana, destacando o caso do padre Roussim. O primeiro Conde da Conceição estabeleceu boas relações com o Imperador, diferente de outros bispos que até o desobedeceram. Ele soube se flexibilizar em diversas situações na sua ação e escolhas, especialmente em um período de acirramento entre Estado e Igreja.
O encontro foi, portanto, uma oportunidade de reflexão sobre a pesquisa, que vai para além do conhecimento produzido para demonstrar um resultado. Deixou ainda mais claro que pesquisar é um entrelaçamento de informações que ora se aproximam, ora se distanciam, levando-nos a reafirmar posições tomadas em nossos estudos assim como também a questionar algumas das nossas afirmações. O evento nos mostrou que o mesmo tema apresenta um caminho com rumos diferentes; no entanto, essas diferenças proporcionam o crescimento na busca do conhecimento.
Como a proposta do evento foi aprofundar o estudo do pensamento filosófico de Dom Antônio Ferreira Viçoso, fez-se, nestes dias, uma revisão do estado da arte com a contribuição dos professores e pesquisadores em torno dos vários temas propostos, como a igreja e o ensino no século XIX, o regimento criado sobre a questão da escravidão, a existência de uma flexibilidade em torno da lei, a sua aplicabilidade e falta de efetividade, fazendo transparecer o nome do evento: a força da lei. A partir das apresentações e discussões, várias questões se abriram para futuras investigações no aprofundamento dos temas.
O local escolhido foi marcante para a realização do evento e o rico e intenso debate em todas as conferências, pois, de certa forma, os participantes se transportaram para o passado não só nos estudos, mas ainda puderam sentir um pouco do silêncio e da solidão que muitas vezes podem ser lidos nos escritos.
Durante um bom tempo do encontro foi interessante questionar a posição de um religioso e tentar responder quem era Dom Viçoso; entretanto, confirmou-se o que já se sabia: um autor pode ser visto e lido de várias maneiras. Em particular, neste momento, é possível enxergar Dom Viçoso como um homem simples, padre, servo e irmão, um homem que sente a dor e o peso da vida e, em outros momentos, um homem político e articulador, um religioso, bispo com responsabilidades múltiplas à frente de uma extensa diocese.
Enfim, o congresso possibilitou ver nos pesquisadores a sede de pesquisa, seja nos pesquisadores iniciantes ou nos que já apresentam uma caminhada maior na busca do conhecimento. Fica evidente o objetivo de aprofundar, aprimorar, refinar as pesquisas sobre o século XIX. As apresentações seguidas de discussões em rodas de conversa proporcionaram um horizonte amplo para o entendimento desse período em várias instâncias. Os documentos apresentados constituem uma preciosa fonte de pesquisa e de entendimento do seu papel no resgate da história preservada na sua conservação.
O Congresso, realizado intencionalmente no Caraça, foi uma fantástica oportunidade de voltarmos nosso olhar para o século XIX, século de tantos acontecimentos que precisam ser estudados continuamente para que muitas questões que hoje trazem tantas dúvidas sejam esclarecidas por um trabalho incessante de pesquisas e investigações. Um grupo pequeno de participantes, mas um conjunto grandioso de discussões e conhecimento adquirido que proporcionam inúmeras chaves de leitura, especialmente a partir do acervo de cartas publicadas que motivaram esse encontro. Um encontro memorável que deixa em todos os presentes a possibilidade de avançar na pesquisa através da leitura das cartas de Dom Viçoso das quais brota um mundo plural e, ao mesmo tempo, íntimo.