Pela ampliação da excelência: uma radiografia das bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq

Diretoria Anpof 2023/2024

23/06/2023 • Bolsas de produtividade em pesquisa do CNPq

Por: Diretoria Anpof 2023-2024

Introdução

O ponto principal do presente artigo é que para um processo de inclusão mais radical na pós-graduação temos que ampliar o critério de excelência para além do modo como ele foi historicamente definido pela área de filosofia. Acreditamos que é preciso incorporar novas perspectivas do fazer filosófico. Considerando que a missão francesa chegou a São Paulo para formar a filosofia institucional e, com ela, vieram as primeiras noções de excelência acadêmica, é possível afirmar que a leitura estrutural (focada na estrutura interna dos textos) e analítica dos textos da história da filosofia[1], sustentada por vários desses filósofos da missão francesa, foram um vetor importante para a formação da atividade filosófica feita no Brasil.[2] Foi nesse sentido e com a constatação do mal estar da "transposição" da filosofia francesa para o nosso país que Paulo Arantes retoma a ideia de Foucault, com peculiar ironia, de que o Departamento de Filosofia da USP seria um departamento francês de ultramar, por conta da força do método estrutural na sua formação desde a época de sua primeira sede na Rua Maria Antônia (Arantes, 1994, p.17). Outra forma de leitura rigorosa dos textos, aquela que podemos chamar de leitura analítica de caráter lógico, foi responsável por expandir essa herança francesa com a introdução da filosofia analítica como instrumento de leitura da história da filosofia. Essa leitura foi responsável por formar parte importante do quadro institucional da filosofia brasileira, especialmente na UNICAMP (na qual também estava presente o método de leitura estrutural de matriz francesa e onde a área de lógica é forte e tem uma tradição que remonta à década de 1970)[3]; por formar, em parte, a filosofia na UFMG (também influenciada pelo método estrutural e analítico); por formar a UFRJ (responsável por criar a importante revista Analytica), e com alguma inserção na UFRGS.

Segundo detalhado estudo de Rocha e Leite publicado em 2018, até o ano de 2016, mais de 50 por cento dos projetos de Bolsa de Produtividade (PQ), as quais supostamente premiam com dinheiro público os pesquisadores de maior destaque na sua área no Brasil[4], concentrava-se na subárea de História da Filosofia.[5] Com efeito, é importante notar, contudo, que mesmo projetos nas outras subáreas como estética, metafísica e epistemologia, podem ser, em alguns casos, considerados também a partir deste enquadre metodológico que marcou de modo hegemônico, mas não exclusivo, a formação dos centros de filosofia. Esse método de leitura dos textos de história da filosofia teve acentuada relevância para a formação dos programas de pós-graduação dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mas, sobretudo, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. É preciso dizer que esses dois últimos são responsáveis pela formação no nível especialização, mestrado e/ou doutorado de 121 bolsistas de produtividade do CNPq (PQ) num universo de 173[6], ou seja, praticamente 70% dos/as bolsistas passaram pelo Rio e/ou São Paulo.

A distribuição de bolsas de produtividade (PQ) esteve concentrada nas instituições desses dois estados, sobretudo quando consideramos os níveis mais altos dessa bolsa PQ Sênior e PQ 1; porém, com a formação de novos quadros em Minas Gerais e nos estados do Sul do Brasil passaram a concentrar também o montante dos bolsistas de produtividade. É o que percebemos quando constatamos que as bolsas PQ nível 1 se encontram nas instituições do Sul e Sudeste do Brasil, com a exceção de cinco bolsistas num universo de 81. Isto é, apenas 6% de bolsistas PQ Sênior e PQ1 estão fora das regiões Sul e Sudeste. Com o aumento do número de bolsas ocorreu uma pequena pulverização no nível 2, o que não altera drasticamente a prioridade desse modelo de produzir textos de filosofia e de alguns centros de determinarem o que é a excelência em filosofia, sobretudo porque os bolsistas nível 2, presentes em outras regiões, na maioria foram formados nas regiões Sul e Sudeste[7].

No presente estudo nos concentraremos nas bolsas: PQ sênior, PQ de Nível 1 para as quais os pesquisadores devem ter mais experiência e serem considerados o modelo de pesquisador; o que em geral demanda tempo, especialmente no caso do PQ Sênior que tem que ter tido bolsa do Nível 1 durante 20 anos. Esses pesquisadores ocupam o topo da hierarquia da excelência filosófica e são responsáveis por escolherem os pesquisadores excelentes (sim, são sobretudo homens, numa flagrante desigualdade de gênero, considerando que em relação aos homens as mulheres correspondem a apenas 17% dos bolsistas), visto que apenas quem está no Nível 1 pode participar do Comitê Assessor (CA) que decide o destino das bolsas[8]. A escolha deste nível se justifica porque queremos retomar, na medida do possível e com os dados disponíveis no sistema do CNPq, um dos caminhos por meio do qual a excelência foi introduzida e é mantida na área a partir também das bolsas de produtividade e à qual modelo de filosofia essa excelência serve. A nossa hipótese é de que o modelo de filosofia eurocêntrico ou do Norte-Global[9] foi responsável por governar a destinação dessa verba pública e influenciar o modo contundente como a filosofia acadêmica circula no Brasil. Esse modelo centrado no Norte-Global delimitou o modo de fazer filosofia, definiu seus valores, seu conteúdo e a sua forma, que foi responsável por dizer que tipo de pensamento em filosofia pode ser considerado por sua qualidade e relevância filosófica.

A nossa tese é a de que da leitura sistemática dos "clássicos da filosofia" ou de alguns temas canônicos conecte-se ao método estrutural, seja ligada ao método analítico, ou mesmo da combinação deles, e se constituiu parte relevante da produção da filosofia feita no Brasil. Para algumas pessoas, essa tese pode parecer óbvia, mas queremos compreender as implicações desse processo de hegemonização da produção filosófica dita de excelência que, como concluiremos, teve como consequência a construção de uma filosofia centrada num cânone filosófico majoritariamente branco, masculino e não raramente economicamente privilegiado. Esse cânone não deve ser apagado, mas pode e deve ser questionado, especialmente quando se trata de financiamento público de pesquisa,  para que possamos abrir espaços para outras tradições filosóficas nas agências de fomento. A relevância dessa tese é de descrever aquilo que talvez não seja difícil de constatar, mas que tem um efeito radicalmente indutor da produção filosófica e redutor das possibilidades da reflexão filosófica no universo acadêmico brasileiro. Com isso, acreditamos que a filosofia brasileira institucional pode ter contribuído indiretamente para aquilo que Sueli Carneiro concebeu como uma forma possível de epistemicídio. O epistemicídio não designa propriamente uma morte, mas uma espécie de silenciamento. Nos termos postos por Sueli Carneiro, numa entrevista ao programa Espelho: "É fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da auto-estima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos epistemicídio" (Carneiro, 2005)[10]

Assim, na medida em que se concentra na tradição ocidental de matriz europeia sem se perguntar os porquês de assim o fazer, a filosofia institucional, no modo como tem sido realizada, contribui para o silenciamento de outras formas de fazer filosofia.[11] O nosso propósito aqui não é invalidar a forma como a parte hegemônica da filosofia foi desenvolvida no Brasil, nem muito menos relativizar a qualidade das pesquisas e a importância histórica e indelével de grandes centros para a consolidação da filosofia institucional no Brasil. É possível pensar a partir de agora novos rumos ou pelo menos acolher melhor novas epistemologias na filosofia produzida no Brasil que devem ser prioridade no investimento público? Eis o nosso convite para pensarmos também em que medida a nossa área não está corroborando indiretamente o que poderíamos chamar de racismo estrutural[12] (Almeida, 2019). Ou em que medida a nossa área pode atuar numa forma talvez próxima do conceito de epistemicídio desenvolvido por Sueli Carneiro (Carneiro, 2023), por meio do financiamento público das bolsas de produtividade e de parte das verbas da pós-graduação, deixando, assim, de saldar uma dívida histórica com outras tradições filosóficas? Estamos propondo um exame de nossa área para que possamos conferir protagonismo político e epistemológico para algumas iniciativas já existentes e que façamos um exame crítico para tentar diminuir a reprodução, pelo menos em algum grau, do racismo, do classismo e da misoginia.

A construção da excelência: a bolsa de produtividade

As bolsas de produtividade durante muito tempo foram, quando ainda não são, tacitamente tomadas como critério para a qualidade dos programas de pós-graduação. É interessante perceber, por exemplo, que no site do Departamento de Filosofia da UNICAMP é destacada a quantidade de bolsistas da instituição como demonstração de sua qualidade como um todo. Essas bolsas garantem que certos professores/as tenham "capital" para formarem e liderarem projetos de cooperação. Os bolsistas com o maior nível estão direta ou indiretamente ligados aos programas de pós-graduação com maiores notas, alguns deles se aposentam das instituições públicas e assumem vaga em uma privada, levando consigo além da bolsa, o capital material e simbólico para essas instituições.[13] Além disso, é importante notar como essas bolsas se concentram em alguns poucos estados da Federação, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul[14], que foram os entes federativos para os quais, é relevante destacar, foi destinada a migração europeia no projeto de embranquecimento do Brasil.[15] A atuação desses bolsistas consolida, por meio de projetos de cooperação, certas áreas da filosofia e contribuem, de alguma forma, para o fortalecimento de algumas subáreas de filosofia.

Essas subáreas também orientam a formação de bancas para concurso e os próprios Grupos de Trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (GTs da ANPOF ). Praticamente 60% dos GTs da ANPOF fazem referência direta: 1) a um filósofo nominalmente; 2) a épocas da história da filosofia. Destaca-se ainda que alguns GTs são temáticos, mas nas suas descrições existe um foco, sobretudo, na tradição do Norte-global. Nesse sentido, apenas 5 GTs não se filiam, pelo que pudemos constatar, diretamente ou quase exclusivamente, à tradição do Norte-Global nos seus títulos e/ou descrições[16]. Algumas universidades, por exemplo, para garantir a sua excelência abrem concursos condicionando a área do concurso às subáreas de filosofia no CNPq. As próprias avaliações dos programas dificilmente poderiam prescindir da presença de bolsistas de produtividade como uma variável que embora não conste diretamente na atual ficha de avaliação da CAPES, indica indiretamente a atribuição de qualidade do programa. Com frequência esses bolsistas de produtividade dos níveis mais altos foram coordenadores da área de filosofia junto à CAPES ou estiveram à frente de outros órgãos de fomento ou centros de pesquisa.[17] Em suma, a bolsa de produtividade, embora seja um investimento público individual, influencia diretamente na cadeia da produção e avaliação acadêmica que obviamente acontece em rede e que envolve, por conseguinte, as orientações.

Durante muito tempo, a falta de programas de pós-graduação de nível de doutorado em algumas regiões do país, apesar de terem uma pós-graduação nível mestrado com bastante história e com professoras/es renomadas/os, fez com que vários estudantes realizassem uma espécie de migração para os centros nos quais estavam esses bolsistas de produtividade e ajudaram, com a produção dos seus trabalhos de qualidade, ainda mais a fortalecer esses centros no que tange à sua produção discente.[18] 

Além de receberem as pessoas que viriam de fora desses centros, "os imigrantes regionais", sobretudo do Norte, Centro-Oeste, Nordeste e do interior do Sul, com forte destaque na sua região, os centros de excelência contavam com várias pessoas das capitais do Sul, especialmente Porto Alegre, e do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte) bem formadas na cultura europeia e muitas vezes descendentes de europeus como sugerem os seus sobrenomes. Algumas dessas pessoas tinham, pelo menos, um capital cultural significativo, ligado à sua origem europeia, advinda do processo de migração/embranquecimento conhecido, segundo algumas autoras, como a "solução italiana" (Azevedo, 2004), outras guardavam esse capital por sua condição de classe média. O resultado foi uma grande competição para a entrada nos programas de pós-graduação dos centros de excelência que, em geral, beneficia pessoas com mais condições materiais e/ou com um importante capital cultural. Em geral, estamos falando de pessoas brancas. Por conta da falta da existência de dados produzidos a partir de autodeclaração, seria difícil a confirmação empírica do que estamos afirmando. Nosso ponto, porém, visa ressaltar que é extremamente difícil não reconhecer a falta de pessoas negras, especialmente mulheres, nas bolsas de produtividade. De qualquer forma, a dificuldade de acessar os dados raciais ou simplesmente a sua não existência é por si só um dado relevante.

Não parece ser sem interesse o fato de não termos nas instituições de fomento, nem nos programas, dados (claros e de fácil acesso) raciais, de gênero, e classe sobre as entradas de estudantes da pós-graduação nesses centros. Essa realidade se coaduna também com a ideia de que a pós-graduação em geral (e não apenas a filosofia!) não é um lugar de reparação histórica e social. De certa forma, isso exemplifica o tamanho do atraso das políticas de cota na pós-graduação, o que indica também uma residual resistência especialmente à implementação de cotas raciais. Vale ainda ressaltar quanto às questões de gênero que as mulheres da filosofia brasileira têm feito um trabalho extraordinário de mapeamento das desigualdades e injustiças com destaque para os levantamentos do projeto coletivo "Quantas Filósofas?" e mais recente também o levantamento feito pela ANPOF.[19] Nesses e em outros trabalhos fica explícita a desigualdade de gênero na pós-graduação em filosofia. 

O que transparece dessa realidade descrita é que, de algum modo, ainda segue naturalizada na pós-graduação uma acepção de uma elite intelectual, especialmente masculina e bem formada, preferencialmente de berço, como a responsável por dar continuidade institucional ao legado da filosofia ocidental. O simples fato de as pessoas que dominam mais de uma língua terem preferência em seleções e aquelas que não precisam sustentar a família terem mais chances de perseverar na pós-graduação deveria ser ponto de partida de qualquer reflexão sobre os critérios da excelência. 

Para furar essa desigualdade, as pessoas localizadas fora desse círculo de privilégios podem adentrá-lo quando se dispusessem a grande esforço suplementar para conseguir um lugar no que já poderíamos chamar de elite filosófica do país. Algumas poucas pessoas que não tinham nem uma família de classe média, nem qualquer formação cultural (eurocentrada) prévia, conseguiram furar esse cinturão e terminam por servir, indiretamente ao modelo hegemônico assim propagado, gerando a crença na ideia redentora de que tudo era só uma questão de esforço. A palavra do engano, sabemos: mérito.[20] Outras pessoas para atingirem certos níveis de excelência adoecem porque para suplantarem as dificuldades estruturais que lhes acomete se exaurem completamente.

Com o capital material e simbólico das bolsas de produtividade, pesquisadores e algumas poucas pesquisadoras formaram vários quadros, por meio de orientações de mestrado e/ou doutorado, com alta qualificação, que é oriunda, muitas vezes, de um privilégio social simbólico e/ou material. Pessoas com algum capital simbólico ou cultural terminam formando os primeiros quadros subsequentes aos pesquisadores hoje sênior ou àqueles que já se aposentaram. Ou seja, parte significativa das bolsas PQ 1 são destinadas a pesquisadores e pesquisadoras de apenas quatro capitais de quatro estados da Federação (conforme tabela de bolsista do CNPq).[21] Estamos falando de um processo de ramificação e transmissão de um conceito de excelência, por meio dos bolsistas de produtividade e das instituições nas quais eles atuam ou atuaram, que selecionava a pauta da filosofia feita no Brasil no que diz respeito à parte dos temas e no que tange à sua abordagem.

Nesse sentido, há uma reprodutibilidade dos temas e autores, chancelados como excelentes ou canônicos, e de abordagem (centrada especialmente na leitura estrutural e/ou analítica dos textos), uma vez que as verbas da bolsa e o status acadêmico que ela proporciona mobilizam o capital simbólico com o qual se organiza tanto a produção de textos quanto de orientações. E como o número de pessoas formadas nesses centros de excelência não poderia ser todo integrado ao corpo docente desses mesmos centros, dado o número limitado de vagas para docentes, ocorreu uma migração para várias cidades do Sul, iniciando por capitais para além de Porto Alegre e indo para o interior dos estados do Sul, para o Centro-Oeste, Norte e para o Nordeste, que passou a abrigar parte do quadro de pessoas formadas no Sul e Sudeste[22].

Assim, parte dos bolsistas de produtividade que receberão essa bolsa nas regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste e no interior do Sul, onde há menos bolsistas, serão justamente aqueles formados em parte diretamente pelos bolsistas dos centros de excelência ou por outros pesquisadores/as desses centros de excelência. Ou seja, mesmo as bolsas destinadas a regiões como o Nordeste, são bolsas que mantêm pelo menos, em alguma medida, o monopólio de certos centros na determinação do que é uma pesquisa de excelência. 

Trata-se de um sistema que é irrigado pelas pessoas que estão no topo e pelos seus respectivos departamentos, os quais seguem se ramificando na figura dos orientandos por todo o país. Basicamente, esse sistema está centrado no Rio de Janeiro e em São Paulo (com alguma ramificação em Minas Gerais e Rio Grande do Sul). De fato, os bolsistas nível 1 são praticamente inexistentes; por exemplo, no Nordeste (temos apenas três, o que corresponde a 3,7% do total de bolsistas), inexistentes no Norte, e no Centro-Oeste temos apenas dois (o que corresponde a 2,4% do total de bolsistas).[23] A concentração é ainda mais dramática se são levados em consideração os critérios raciais, os quais, aliás, nunca foram devidamente mapeados, mas não é difícil reconhecer a explícita desigualdade racial na distribuição de bolsas. Considerando esse ponto, a excelência, respaldada pelas bolsas de produtividade, tem gênero (a concentração no gênero masculino é enorme) e, sobretudo, raça; como tudo aquilo que diz respeito às diferenciações de classe e sistemas de estratificação no Brasil.

Desse modo, as bolsas de produtividade ratificam um modo de fazer filosofia que efetivamente se construiu sobre uma compreensão de que a filosofia deve ser a inscrição numa tradição ocidental do Norte Global; senão pela abordagem explícita da história da filosofia ocidental, pelo menos pelo empreendimento do método de leitura estrutural e/ou analítico. As subáreas que definem o que é a área de filosofia no CNPq com alguma frequência não tocam diretamente nas principais questões do nosso país e só subsidiam o que historicamente a branquitude elegeu como legítimo como tarefa filosófica. E mesmo na subárea que poderia albergar alguma reflexão voltada para as questões do Brasil como, por exemplo, a subárea de Filosofia Brasileira, as Filosofias Afro-Brasileiras e Ameríndias foram durante anos frequentemente ignoradas. De todo modo, a minoria dos bolsistas de produtividade está inserida na subárea "Filosofia Brasileira". Em 2016, por exemplo, não havia nenhum bolsista nesta área (ver estudo detalhado: Fernandes Leite e Rocha Neto, 2018)[24]. Isto é, a política de bolsas de produtividade da área de filosofia constrangeu em parte a atuação da pesquisa filosófica brasileira a ser, numa parte não negligenciável, uma leitura estrutural e analítica da filosofia do Norte-Global.

O que certa excelência pode esconder

Esse apanhado geral serve para que tenhamos noção da raiz em virtude da qual a excelência foi trilhando o seu caminho e dos centros responsáveis por ditarem a natureza da excelência na área de filosofia. Com o poder outorgado da bolsa de produtividade pesquisadores conseguiram negligenciar discussões durante muito tempo sobre temas necessários para o Brasil e para a própria formação de estudantes como, por exemplo, as questões raciais, de gênero, o problema da fome, injustiça epistêmica, filosofias de outras tradições além daquela do Norte-Global, etc., para se aterem com maior frequência à maestria da leitura de textos filosóficos "eleitos" como clássicos ou de temas igualmente tomados como clássicos na filosofia.

Esse pacto filosófico em torno da filosofia ocidental de matriz europeia de algum modo se coaduna, talvez apenas indiretamente, com aquilo que Cida Bento afirma ser o pacto narcísico da branquitude, mas aqui pensando esse pacto no contexto da filosofia acadêmica brasileira. Para Cida Bento, o ??“silêncio, a omissão, a distorção do lugar do branco na situação das desigualdades raciais no Brasil têm um forte componente narcísico, de autopreservação, porque vêm acompanhados de um pesado investimento na colocação desse grupo como grupo de referência da condição humana” (Bento, 2014, p. 437). Assim, na medida em que pesquisas se beneficiam do investimento público para reafirmar uma hegemonia quanto ao trato das questões filosóficas centrada no Norte-Global, elas pactuam, indiretamente e certamente de modo inconsciente, com a exclusão de tantas outras tradições em nome da "autopreservação" dos valores da própria branquitude ou daquilo que a branquitude elegeu como a filosofia por excelência.

A eleição apenas de pensadores brancos (com exceção para algumas pensadoras, na maioria brancas, mas já com o aumento também significativo da presença de mulheres negras, e graças ao louvável trabalho de várias colegas responsáveis por introduzirem pensadoras no cânone) como o que deve ser estudado e financiado determina um modo ocidental de fazer filosofia como a expressão máxima da tarefa do pensamento. É como se fazer filosofia se resumisse, em parte, a comentar e amplificar o grande feito dos notáveis homens brancos europeus: os seus sistemas, visões de mundo e percepções do humano que supostamente espalhariam o universal.

Nesse sentido preciso, a filosofia acadêmica pode ser entendida como um dispositivo de racialidade que, tal como ele foi formulado por Sueli Carneiro, significa:  “uma noção produtora de um campo ontológico, um campo epistemológico e um campo de poder conformando, portanto, saberes, poderes e modos de subjetivação cuja articulação constitui um dispositivo de poder” (Carneiro, 2023, p.44). Ou seja, a filosofia acadêmica organizou um campo do que é objeto próprio da ontologia e da epistemologia na mesma medida em que conformava a filosofia a ser uma continuação, especialmente na forma de comentário, da tradição ocidental; com foco especial no pensamento europeu ou do Norte-Global. Assim, para que alguém se subjetivasse como filósofo ou, como ouvimos tantas vezes, historiador da filosofia, seria preciso assimilar, pelo menos em parte, o saber europeu como espelho de um universal para dispor da possibilidade de uma formação acadêmica institucional na universidade pública e mesmo em algumas instituições comunitárias e privadas.

Nessa perspectiva, não é apenas a USP que seria um departamento francês de ultramar (Arantes, 1994). Parte significativa da filosofia chancelada pelas principais pesquisas (com o financiamento público da bolsa de produtividade do CNPq e dos subsequentes projetos de cooperação) reforça um mecanismo de poder organizado sobre o legado europeu e, em alguns casos, norteamericano, que é responsável por excluir outras epistemologias por se focar no Norte-Global. É nesse momento em que podemos entender aquilo que Sueli Carneiro estabelece como "o nexo entre essa concepção de epistemicídio e o estatuto do Outro na tradição filosófica ocidental, mais especificamente a forma pela qual essa tradição exclui a diversidade" (Carneiro, 2023), visto que a afirmação da filosofia pelo Norte-Global serviu na mesma medida para desautorizar outras formas de fazer filosofia. A missão francesa na USP logrou êxito em introduzir na filosofia acadêmica brasileira a filiação à tradição hegemônica europeia e legou para a filosofia brasileira a ideia de que devemos nos concentrar no comentário dos filósofos clássicos. Ou ainda, no máximo, usar os pensadores europeus para comentar questões brasileiras e, em geral, após uma carreira já estabelecida.

É sintomático que quem historicamente determinou a excelência a partir do modelo europeu raramente se ocupou de pensar conjuntamente o lugar da branquitude no que diz respeito ao monopólio de determinar o que é excelência; o que deve ou não ser estudado pela filosofia ou ainda, mais gravemente, o que pode ser legitimamente chamado de filosofia. Tampouco se colocou em questão quais tradições deveriam ser tomadas como filosofia e quais não, visto que estava dada a compreensão hegemônica de que fazer filosofia é se filiar à tradição ocidental e tecer comentários rigorosos sobre o que os europeus produziram (com as devidas exceções, obviamente, que em parte surgem de grandes centros na forma de incríveis iniciativas de eventos sobre temas como raça, enciclopédias sobre filósofas, etc., mostrando que nada pode ser visto de modo uniforme). A questão que se impõe é por que, afinal, até hoje professores renomados e com financiamento público insistem que o pensamento dos povos originários, por exemplo, não deve ser objeto da filosofia?

Mais uma vez podemos escutar Sueli Carneiro dizer que não conseguiu fazer doutorado em filosofia na Universidade de São Paulo porque a filosofia africana não era considerada filosofia (Santana, 2023). E quantas pessoas no Brasil não passaram por isso? Quantos projetos foram negados no CNPq como inapropriados por não se adequarem ao referencial até aqui inquestionável e hegemônico de excelência, o qual envolve frequentemente a leitura estrutural ou analítica dos textos? Quantos estudantes deixaram de ganhar bolsas de estudos e desistiram de sua pesquisa por não se adequarem ao clássico modelo de redigir trabalhos em filosofia? Quantas Sueli Carneiro não foram obrigadas a ir para outras áreas? Quantas mulheres negras temos na filosofia e quantas são impelidas a irem para outras áreas? Quantas mulheres negras são professoras e pesquisadoras nos programas de pós-graduação do Brasil?

Aqui é fundamental sublinhar a força dos movimentos sociais, da militância. Essa palavra que já serviu até como uma das justificativas para reprovação de projetos de pesquisa (os relatos de bancas de seleção são abundantes), tomados como "militantes", no nível de mestrado e doutorado, pelo menos, quando não até em concursos públicos. Isto é, a militância foi tomada como antípoda da neutralidade que a excelência exige e também serviu, como nos ensina Sueli Carneiro, com uma forma possível de epistemicídio ou apagamento de algumas tradições que, segundo ela, "se manifesta também no antagonismo entre discurso militante e discurso acadêmico" (Carneiro, 2023). Com efeito, foram os militantes e as militantes como Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Nego Bispo e, sobretudo, o movimento negro que empurraram o pé para abrir as portas da universidade.

E, para além da óbvia capacidade de ser excelentes, pelos padrões ditados por isso que se constituiu historicamente como a elite brasileira na filosofia, as pessoas negras e indígenas trouxeram um desarranjo mais perigoso. O epistemicídio, nos termos de Sueli Carneiro, operado pela lógica de certa compreensão da excelência começou a ser descortinado quando outros corpos começaram a circular de modo insubmisso. Não está em jogo mostrar que esses corpos são bons leitores dos filósofos clássicos, mas de perguntar pela ausência de outras matrizes de pensamento e de circulação de outras sabedorias e filosofias: outras epistemologias e práticas de produção do conhecimento. 

As pessoas negras e indígenas começaram a reivindicar os espaços da universidade não mais exclusivamente pela ótica do colonizador, mas com a proposição de que certa filosofia não espelha o universal, ao qual todas as pessoas periféricas deveriam se adequar para serem reconhecidas como excelentes. Como se fosse necessário vestir "a máscara branca" (Fanon, 2020) para se manter na universidade. Trata-se agora de exigir que a universidade não conceda espaço para que as pessoas negras e indígenas apenas reproduzam o que se considera excelente e que está focado no Norte Global. Os corpos insubmissos ou, nas palavras de Sueli, insurgentes (Carneiro, 2023) não querem apenas entrar na universidade, mas também pelo menos reorientar a produção filosófica para uma rede mais ampla de possibilidades.

Elas estão forçando a intelectualidade brasileira  a  se ver com seu traço de classe, raça e gênero [especialmente na intersecção desses fatores, como nos ensinou Beatriz Nascimento (Nascimento, 2021)], porque introduzem no debate filosófico aquilo que foi silenciado. Assim, temas quase impronunciáveis como o racismo na filosofia, filosofia da macumba, feminismos, especialmente o feminismo negro, pensamento originário, o problema da fome, sabedorias ancestrais, etc., passaram a figurar na pauta da pós-graduação, especialmente em alguns poucos centros, e nos convidam a navegar em novos rumos.

A excelência dita no plural

A força da manutenção do privilégio branco de determinar o que é a filosofia está diretamente ligada a outra construção fantasmática: a neutralidade das instituições. A ideia de que as instituições de fomento à pesquisa e de produção do conhecimento poderiam estar à margem do capitalismo e do seu incentivo à competição. Como se as instituições ao funcionarem sob o princípio da excelência, definido apenas pelos que se atribuem o poder de definir o que é a excelência, pudessem estar isentas de interesses de manutenção de privilégios e estarem imunizadas em face da reprodução de estratificações sociais.

Com efeito, o problema das instituições é que elas parecem ser neutras quando não são. E isso é tão mais verdade quanto uma palavra como "excelência" consegue passar incólume naquilo que ela esconde em sua suposta "neutralidade". O que ela esconde é o que ela exclui. Ela opera como filtro social de desigualdades epistêmicas existentes na medida em que orienta a reflexão filosófica para reprodução do saber europeu e reduz a filosofia, em parte, a ser um comentário da produção europeia e/ou norte-americana. Assim, a falsa neutralidade da terminologia acadêmica geralmente guarda dentro de si o segredo social das injustiças provocadas por dinâmicas de privilégio, que, ao ocultar o debate sobre quem determina a excelência e o que pode ser objeto da excelência faz a filosofia, em parte, servir de instrumento ideológico da branquitude na forma do epistemicídio.

Toda construção do que pode ser objeto da filosofia, ratifica, no que escolhe como ontologicamente filosófico, aquilo que apaga como negação da filosofia. As músicas que podem ser objeto da filosofia, os artistas que poderiam ser dignos de uma reflexão filosófica, os escritores e as escritoras que poderiam figurar nas dissertações e textos de filosofia têm em seu comum o fato de serem decisões majoritariamente de pessoas brancas. O destaque historicamente dado às produções europeias é proporcional ao apagamento das tradições de terreiro, das florestas, das quebradas de todo Brasil.

A filosofia institucional se coaduna com a universidade como reprodutora tanto de uma lógica de pesquisa centrada na noção capitalista de indivíduo (notem que as pesquisas são coletivas, mas a bolsa de produtividade é um incentivo público individual!) quanto no fato de que muitas vezes serve como um agente na promoção do epistemicídio por meio da defesa de um único modelo de excelência em filosofia.

Ora, primeiramente, a excelência tal como ela foi construída institucionalmente no Brasil não deve ser o principal fator para a legitimidade das pessoas negras e indígenas estarem na universidade, especialmente esse padrão de excelência que é inscrito num modo colonial de fazer filosofia [ver artigo de Juliana Aggio (2023]. Isto é, a excelência de pessoas negras e indígenas no cânone ocidental diz, obviamente, da sua capacidade de se mover bem mesmo numa tradição que não é necessariamente a sua, mas diz sobretudo de uma imposição que serviu como uma espécie de máscara branca na sua entrada na pós-graduação. É como se dissessem: vocês podem entrar na universidade desde que estudando o cânone europeu. Isso obviamente pode ser importante, mas sem o devido cuidado pode reproduzir a colonialidade. De algum modo, as pessoas negras e indígenas não tiveram opção de levar às universidades as suas tradições, seus modos de produzir conhecimentos e tecnologias, suas cosmovisões e explicações de mundo, suas lógicas e suas artes. E é nisso que persiste a ferida colonial.

A dívida do Brasil é na verdade uma ferida colonial que só poderá ser cicatrizada quando, em nome da inclusão, possamos retirar o monopólio de uma única compreensão da excelência do centro para pensarmos aquilo que está na margem, na periferia, na sabedoria que vem das florestas e dos quilombos. O que há de radical neste escrito não é a reivindicação de mais cotas (ainda que mais cotas sejam sempre necessárias!), mas a insistência de que o estado não financie uma forma possível e talvez apenas indireta de epistemicídio e que comecemos a reconhecer, estudar, pensar e construir outras formas de pensamento e produção filosóficas. Não basta apenas ter cota para quilombolas e indígenas. É preciso que esses povos componham o corpo docente dos cursos de filosofia na condição de responsáveis por manterem vivos os seus saberes e as suas culturas que a filosofia europeia e norte-americana, e a sua, em parte, ainda dependente e colonizada filosofia brasileira, tentou, ainda que indiretamente, silenciar.

Desse modo, se não é possível refazer a história, que as bolsas de produtividade ajudaram a fomentar e reproduzir, é possível não repetir. Não tem mais sentido que a área de filosofia continue premiando com bolsas quase exclusivamente os trabalhos que estão muito longe de dialogarem com aquilo que é necessário do ponto de vista epistêmico e político para o Brasil dos próximos 40 anos. É chegada a hora, com atraso de décadas, que a área de filosofia valorize nas agências de fomento as demais culturas que formam o Brasil. As bolsas devem deixar de serem vistas como uma espécie de prêmio e passarem a servir à indução de pesquisas (que representem) daquilo que durante muito tempo ficou à margem. Esse texto, contudo, não pode ser lido como uma desautorização de outras formas, inclusive ligadas à tradição europeia, de fazer filosofia. Não se trata disso, óbvio. Essa postura dicotômica e excludente é a postura colonial. O que queremos é a democratização da filosofia institucional, mas não naquilo que ela tem de formal e abstrato, mas no que ela necessariamente precisa apontar para a assimilação de outras epistemologias e tradições. Para tanto, é preciso que a área comece a valorizar mais o financiamento de outras epistemologias e não apenas daquelas que se originam no Norte-Global.

Referências 

Almeida, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Ed. Jandaíra, 2019.

Aggio, Juliana. Outros modos de fazer filosofia. Coluna ANPOF, 2023 e também In https://diplomatique.org.br/outros-modos-de-se-fazer-filosofia/

Arantes, Paulo Eduardo. Um departamento francês de ultramar: Estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. São Paulo: Paz e Terra, 1994.

Azevedo, Célia. Onda Negra, medo branco: o negro no imaginário da elite no século XIX. São Paulo: Annablume, 2004.

Bento, Cida. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, I. Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, 2014.

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Carneiro, Sueli. Entrevista para o programa Espelho[ENP1] .

Bourdieu, Pierre.  Noblesse d'État: gandes écoles et esprit de corpos. Paris: Minuit, 1989.

Fanon, Frantz. Pele Negras, Máscaras Brancas. São Paulo: UBU, 2022.

Gueroult, Martial. O problema da legitimidade da história da filosofia. Revista de História. São Paulo, n° 75, 3° trim., 1968.

Guimarães, Antônio S . Racismo e antiracismo. São Paulo: Editora 34

Jesus, Alessandro S. Notas sobre a ferida colonial. Recife: Titivillus, 2022.

Leite, Anderson e Ivan Rocha. (2018). Perfil dos bolsistas de produtividade em CNPq em Filosofia - ano 2016.

Nascimento, Beatriz. Uma história feita por várias mãos. São Paulo: Zahar, 2021.

Santana, Vinicius. Verbete Sueli Carneiro. Enciclopédia de Mulheres na Filosofia. Unicamp: 2023.

 

 

 

 


[1] Na própria descrição do departamento de filosofia da USP há uma ênfase num dos seus principais objetivos que consiste "numa abordagem analítica da História da Filosofia, que visava a dar ao aluno instrumentos teóricos para a compreensão das lógicas internas dos sistemas filosóficos". Ver: https://filosofia.fflch.usp.br/departamento/hist%C3%B3rico

[2] Ivan Rocha e Anderson Leite advertem que a missão francesa na USP foi uma das responsáveis por fomentar a compreensão de que "caberia aos estudiosos de filosofia tão somente a reconstrução e interpretação das ideias e doutrinas filosóficas do passado por meio de um rigoroso método de leitura cerrada de textos clássicos" (Rocha; Leite, 2018, p.45). De fato, os professores responsáveis por aquela missão sustentavam que a tarefa por excelência da filosofia deveria ser a leitura atenta dos textos. Ver, por exemplo, Gueroult, 1968.

 

[3] Na UNICAMP, a pós-graduação se iniciou antes da graduação e com um mestrado e doutorado em 1977 na área de Lógica e Filosofia da Ciência ver: https://www.ifch.unicamp.br/ifch/filosofia/historia-departamento.

[4] Nosso artigo se concentra na última lista de bolsistas de produtividade, mas seria importante um estudo de toda série histórica. Apesar de a bolsa ser um investimento individual, na figura do bolsista sabemos que ela indica a força de certos centros e serve para fortalecer também as suas instituições.

[5]  Segundo Ivan Rocha e Anderson Leite, em 2016, a maior parte dos projetos dos bolsistas de produtividade (50,4%) se concentrava na subárea de História da Filosofia com enfoque em filosofia moderna e contemporânea (Rocha; Leite, 2018).

 

[6] Para a presente pesquisa consideramos a formação de mestrado e/ou doutorado. Há casos de pessoas que fizeram a graduação e mestrado num dos dois estados e doutorado fora do país. Mesmo com um doutorado no exterior, elas não podem deixar de contar como formadas, de algum modo, nessas instituições brasileiras. Há um número pequeno de pesquisadores que fizeram toda formação fora do país, posto que alguns são naturais de outros países. Fizemos a consulta na tabela disponível em http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.prc_comp_cmt_links?V_COD_DEMANDA=200310&V_TPO_RESULT=CURSO&V_COD_AREA_CONHEC=70100004&V_COD_CMT_ASSESSOR=HF e na análise do currículo Lattes dos bolsisas de produtividade (PQ).

[7] Para evitar qualquer cunho pessoal não citaremos nominalmente nenhum pesquisador ou pesquisadora. O texto não é sobre pesssoas, mas sobre estruturas. Todas as nossas consultas foram feitas a partir do Lattes dos bolsistas de produtividade. Sabemos que o preenchimento do Lattes não é feito de modo uniforme por todos os pesquisadores e pesquisadoras. Certamente, imprecisões podem estar presentes aqui. Isso, contudo, não altera em linhas gerais o levantamento que fizemos.

[8] É importante lembrar que para compor o comitê assessor do CNPq, que decide a destinação das bolsas, o bolsista deve ser do Nível 1 (com exceção para casos excepcionais), segundo as normas do CNPq, e por essa razão, devemos nos centrar nessas bolsas do Nível 1 ao longo do texto (https://www.gov.br/cnpq/pt-br/composicao/comites-de-assessoramento/normas).

[9] A subárea de lógica tem uma importante especificidade pelo seu caráter, em alguns casos, mais técnico. De qualquer forma, no presente levantamento, levamos em consideração as bolsas dessa subárea. O mesmo é válido para algumas discussões de filosofia contemporânea (filosofia da mente, epistemologia analítica, etc.) em que não há necessariamente uma análise calcada na História da Filosofia. Essas subáreas, ligadas grosso modo, à filosofia analítica, têm ganhado força no Brasil.

 

[10]https://www.geledes.org.br/epistemicidio/?gclid=Cj0KCQjwpPKiBhDvARIsACn-gzCJ2vWDJl-88KVDXJIJRvVLQYogBp3S9BHCp6c34VxnaUBWajG34YkaAoLDEALw_wcB

[11] Em absolutamente nenhum momento do artigo está em questão julgar a qualidade do trabalho de colegas. O presente artigo não é sobre isso. Apenas, estamos fazendo essa radiografia das bolsas de produtividade para mostrar como elas são muito concentradas no gênero masculino, em alguns estados e, muito provavelmente, racialmente, e referendaram um modelo eurocentrado de fazer filosofia que não é o único modelo de filosofia.

[12] Para Silvio Almeida, "o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural". O caráter estrutural do racismo se relaciona com a compreensão de que todas as esferas da vida social são organizadas, pelo menos no Brasil, racialmente, de sorte que as pessoas negras e a sua cultura de modo geral se encontram quase sempre numa condição de subalternização em relação aos padrões da branquitude.

[13] Dos 14 bolsistas de produtividade em Filosofia PQ Sênior e PQ 1A temos: 4 USP (nota 7 na CAPES); 4 UNICAMP (nota 6 / CAPES); 2 UFSC (nota 7/CAPES); 2 UFMG (nota 7 CAPES) 1 UFRJ (nota 5) 1 PUC-Rio (nota 5 / CAPES).

[14] Não há bolsistas PQ na região Norte, há apenas 13 no Nordeste (o que corresponde a apenas 7,5% do total de bolsas) e 10 no Centro-Oeste (o que corresponde a 5,7% do total de bolsas)

[15] Sobre esse ponto consultar a importante obra de Célia Azevedo que detalha as justificativas para a imigração de pessoas brancas. (Azevedo, 2004, p.147). Antonio S. A. Guimarães, importante estudioso das questões raciais e do racismo sublinha que : “A mobilidade relativamente rápida dos imigrantes europeus testemunha, assim, a relativa complacência da sociedade brasileira via-a-vis aos imigrantes brancos, contrastando muito com o modo subordinado e preconceituoso com que os africanos foram assimilados” (Guimarães, 2009, p.57). A mudança no sistema político brasileiro manteve uma desigualdade racial que levaria mais tarde Beatriz Nascimento à afirmação de que a democracia racial no Brasil não incluía as pessoas negras (Nascimento, 2021, p.40).

[16] Alguns GTs não têm a descrição no site da ANPOF. Ver: https://www.anpof.org.br/gt/ Os GTs que não se estruturam a partir do Norte-Global correspondem a 6,7% do total de GTs. É digno de nota que o GT Pensamento Filosófico Brasileiro tem construído um importante espaço para debater a produção filosófica feita no Brasil. Segundo podemos constatar no site do próprio GT o seu objetivo consiste, entre outras coisas, "[i] filosofia feita ou difundida no Brasil, indiferente ao crivo do nacional ou de raízes em nossas terras [filosofia no Brasil], [ii] filosofia feita em nosso país, com enraizamento nacional ou brasileiro [filosofia do Brasil]." https://anpof.org/gt/gt-pensamento-filosofico-brasileiro

[17] A série histórica das coordenações de área mostra a presença massiva de bolsista do CNPq ocupando este cargo. Notadamente, alguns ex-coordenadores de área, por razões variadas, ainda atuam na área de filosofia, mas não pediram, depois de um tempo, renovação da Bolsa de Produtividade. Podemos estar enganadas/os, mas nos parece que as eventuais exceções confirmam a regra.

[18] Apenas um professor fez toda a sua formação no Nordeste (com o doutorado em comunicação, sob a orientação de um bolsista de produtividade PQ1A) e apenas dois fizeram mestrado no Nordeste e o doutorado não passou pelos centros de formação no Brasil porque o doutoramento ocorreu em outro país. Dos bolsistas de produtividade, 13 fizeram toda a sua formação de pós-graduação fora do país. Desses 13, cinco são colegas oriundos de outros países. A fonte utilizada aqui foi o Currículo Lattes. Após consulta onde foram formados os bolsistas, de acordo com as informações disponíveis no portal Lattes do CNPq, chegamos a esses números. https://lattes.cnpq.br/

 

[19] https://www.filosofas.org/quantas da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas e da ANPOF https://www.anpof.org.br/wlib/arqs/aanpof/34.pdf

[20] Pierre Bourdieu nos ensina no seu livro Noblesse d'État que a força da origem social que serve de filtro na seleção das "qualidades" e "competências" a serem retidas como as melhores no desempenho acadêmico. Por esse caminho ele mostra, por exemplo,  que a terminologia que envolve a excelência acadêmica sempre abarca competências que não podem ser adquiridas pelo trabalho propriamente escolar: o excelente está ligado a um campo semântico do inefável, da excepcionalidade aristocrática de uma cultura trazida de berço, só ela capaz de explicar uma destreza naturalizada que não se consegue definir muito bem de onde vem ( a"aisance"que se contrapõe ao esforço de quem faz o trabalho de aprender e o esforço transparece na textura de seus textos) é o marcador social que diferencia o "gênio" do "intelectual esforçado".

[21]  Dos 81 bolsistas do nível PQ1, 10 fizeram toda a sua formação no exterior, o que corresponde a 12% . O restante passou por um dos quatros estados supracitados.

[22] Apenas três bolsistas PQ que se encontram em instituições do Nordeste fizeram a sua formação em Filosofia sem passarem no mestrado e no doutorado pelo Sul ou Sudeste, o que corresponde a 23% dos bolsistas de produtividade da região Nordeste.

[23]  Dados de 2023. http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.prc_comp_cmt _links?V_COD_DEMANDA=200310&V_TPO_RESULT=CURSO&V_COD_AREA_CONHEC=70100004&V_COD_CMT_ASSESSOR=HF

[24] A criação relativamente recente do GT na ANPOF de Pensamento Filosófico Brasileiro tem se mostrado importante para a discussão a respeito da filosofia feita no Brasil. Importante sublinhar a recente criação do GT Filosofia e Raça que introduz na ANPOF a temática da racialidade. Outros dois GTs têm pautado de modo relevante a questão das mulheres na filosofia. O GT Filosofia e Gênero e o GT Mulheres na História da Filosofia têm feito um trabalho extraordinário para a democratização da filosofia no que diz respeito às questões de gênero e também na medida do possível das questões de raça.

 


 [ENP1]Onde está disponível?