Duas ou três palavras sobre a coordenação da área
Vinicius Berlendis de Figueiredo
05/05/2020 • Debate sobre a Coordenação de Área da Capes - 2017
Coordenação de Área na Capes
Para início de conversa, cabe saudar a atual diretoria da ANPOF, que retomou e ampliou a iniciativa da Direção anterior, presidida por Marcelo Carvalho, de abrir um fórum de debates voltado para a discussão de propostas para a próxima coordenação de área, cujo início está previsto para o primeiro semestre de 2018. O mesmo vale para a discussão da avaliação quadrienal. Abaixo, faço algumas observações sobre os dois assuntos, naturalmente ligados.
Discutir sem receios a avaliação é importante, a começar para familiarizarmo-nos um pouco mais com as rotinas do Conselho Técnico Científico da Capes, onde o coordenador da área atua juntamente com os coordenadores das demais 48 áreas. Essa é uma experiência muito rica, em que representantes da comunidade acadêmica de formações diferentes discutem credenciamento ou descredenciamento de programas, parâmetros para avaliar a produção intelectual, ensino e formação de quadros, inserção social dos Programas, etc. Com isso, o CTC-ES responde pela definição de parte importante da política para a pós-graduação brasileira. Ao exigir que os PPGs atendam diversas exigências para ingressarem ou permanecerem no sistema, o CTC-ES fez da indissociabilidade entre ensino e pesquisa a pedra angular da política para a pós-graduação no país.
Um Conselho com essa dimensão e com essas tarefas enfrenta turbulências a todo tempo, em especial porque a elaboração de suas políticas depende de variantes que escapam de sua alçada, a começar por questões ligadas ao orçamento do MEC, que financiam programas como Procad, Minter/Dinter, Cofecub, Probral, etc. O que o CTC-ES pode fazer, e não deixou de fazê-lo recentemente, é posicionar-se contra medidas que ameacem a ampliação e a qualidade da pós-graduação brasileira.
A atuação da Coordenação da Filosofia na Capes possui uma dupla face, já que lhe cabe representar a especificidade da área no âmbito ampliado do Conselho. Essa representação não é corporativa. Seu objetivo não é ganhar espaço a qualquer custo no sistema de pós-graduação, a Coordenação não é o sindicato dos Programas da área. Cabe-lhe, antes, fortalecer e consolidar a área em consonância com os demais segmentos da pós-graduação brasileira. Áreas consolidadas caracterizam-se pela definição e emprego de parâmetros e critérios de qualidade para ensino e pesquisa amplamente apoiados pelo conjunto de seus PPGs e pela adoção de critérios que, apesar de respeitarem especificidades, sejam igualmente inteligíveis para o demais coordenadores do CTC-ES.
Isso explica por que a escolha do/a Coordenador/a de área não é o resultado de uma eleição, mas da indicação pelo Conselho Superior da Capes. Após realizar a consulta aos Programas (essa que se estenderá até o dia 22 desse mês), o Conselho Superior pondera fatores como diversidade regional e institucional, de modo a abrigar no conjunto do CTC-ES as diferentes realidades que compõem a pós-graduação nacional. Nada garante, por isso, que o nome mais indicado pelos PPGs da área se torne efetivamente o/a coordenador/a de área. Mas se engana, quem concluir que isso minora a relevância da consulta. Ao contrário: ela é decisiva, porque incita a comunidade filosófica a uma reflexão sobre si mesma, sobre sua realidade e sobre os critérios e parâmetros aptos a avaliá-la. Afinal, a coordenação da área deve refletir, de forma mediada, essa compreensão que a comunidade filosófica faz de si mesma.
Nessa direção, há uma pauta que me parece incontornável. Como as coordenações mais recentes e a atual, a coordenação da Filosofia que se iniciará em 2018 terá de se haver com a enorme ampliação por que passou a pós-graduação em filosofia nos últimos vinte e pouco anos. O principal desafio desse fenômeno é perceptível a todos: hoje tornou-se comum deparar com trabalhos muito qualificados de autoria de colegas de quem jamais tínhamos ouvido falar. Houve um salto qualitativo na filosofia brasileira, com grande distribuição regional, tornando imperioso que a avaliação dessa realidade se paute por processos muito mais formalizados do que eram antes, numa remota origem, quando todos eram conhecidos de todos – basicamente, porque eram poucos. Não há dúvida de que a formação dessa mediania foi o ganho mais expressivo dos últimos vinte anos. Falta compreender quais implicações concretas esse crescimento trouxe para a avaliação dos Programas.
A primeira delas é a adoção de parâmetros e métricas mais objetivos na avaliação dos PPGs. Parametrização não equivale à mera quantificação. Significa apenas buscar critérios aptos a aferir e hierarquizar atividades e resultados de natureza diversa produzidos no âmbito dos Programas, critérios que incidam sobre elementos qualitativos, tais como o número de publicações qualificadas, conjunto de acordos interinstitucionais com simetria e reciprocidade, alcance de ações voltadas para inserção social da pós-graduação, número de ações de solidariedade e nucleação, etc. Já se vê por que seria equivocado traduzir a oposição entre quantitativo e qualitativo naquela entre “subjetivo” e “objetivo”. Quantificações mal construídas são muito pouco objetivas, assim como não são nada objetivas as avaliações que acreditam poder dispensar toda e qualquer quantificação. O ideal é encontrar o equilíbrio entre fatores qualitativos e quantitativos no interior de nossa realidade específica, a pesquisa e a formação em filosofia.
Se a avaliação adota critérios mais objetivos e diversificados, que possibilitem ler uma realidade complexa e plural, não faz sentido supor que programas possuam algum tipo de “lugar natural” no conjunto da área. Isso não implica negar a “história”, mas abrir nela um espaço mais amplo que o da tradição. Espera-se que programas com trajetórias bem sucedidas, quando efetivamente consolidados, alcancem a nota 5. Conforme o atual Documento de Área, muito claro sobre o que se espera de cada estrato, esses programas possuem bom fluxo de dissertações e teses, inserção nacional, viés de internacionalização, nucleação regional, etc. Já o conjunto de PPGs nos estratos 6 e 7 possui uma dinâmica mais competitiva. Esses são programas de notória excelência, dos quais se espera produção intelectual altamente qualificada, numerosa, bem distribuída; grande inserção social; solidariedade e, em especial, forte internacionalização (pós-doutoramentos reversos, acordos com reciprocidade e simetria, prestígio internacional, etc.). Espera-se que esses programas atestem esses níveis de excelência a cada avaliação, reiterando sua vocação de liderança na área.
O importante, em todo caso, é que o processo de avaliação seja capaz de reconhecer vocações diferentes em um universo plural, sem prender-se a um único modelo de excelência. Instrumentos de avaliação bem afinados são capazes de medir essa diversidade e encontrar equivalências entre essas vocações plurais.
Assim foram concebidos os critérios atuais do Qualis periódicos da Filosofia: eles admitem perfis editoriais distintos, igualmente aptos a galgar os estratos superiores. O mesmo se pode dizer da Classificação de Livros realizada neste quadriênio. Ela revelou que a Filosofia é uma área que já se encontra internacionalizada em suas diversas especialidades, da filosofia antiga à contemporânea, passando pela lógica, a epistemologia, a ética e política, etc., o que se atesta pela ampla participação de nossos colegas em coletâneas estrangeiras de prestígio inquestionável. Cabe à avaliação reconhecer qualidade nesta diversidade. O caminho é sofisticar os parâmetros construídos em sintonia com a comunidade, que amparem o exercício de nosso juízo ali onde ele é necessário.
Penso que a via para afinar os instrumentos de avaliação é a apropriação dos processos de avaliação pela própria comunidade filosófica. A coordenação deve atentar ao que está sendo feito na área, o que é valorizado como excelência pelos que participam dela. O Seminário de Acompanhamento realizado em agosto de 2015 na Capes foi nesta direção. Os coordenadores dos PPGs debateram conjuntamente a reformulação dos parâmetros e diretrizes do Documento de Área, do Qualis periódicos e da Classificação de Livros.
Somos quase 1000 docentes permanentes nos PPGs em filosofia no Brasil. No último quadriênio, se considerarmos a avaliação dos APCNs, as comissões para realização do Qualis e, sobretudo, os leitores envolvidos na Classificação dos Livros, participaram diretamente das rotinas da Coordenação de área aproximadamente 150 consultores. A Classificação de Livros talvez seja o exemplo mais eloquente a esse respeito: cada Programa selecionou os livros que considerou de maior relevância no período; seu conjunto, somando aproximadamente 780 títulos, foi lido pelos quase 80 leitores da Comissão. (A relação desses leitores encontra-se ao fim do Relatório de Avaliação, que ainda contará com uma versão definitiva com alterações agora em dezembro.)
Também foi nesta direção a ação de incluir entre os vários fatores para definir a classificação dos periódicos o questionário endereçado aos Programas indagando quais seriam as dez revistas nacionais que julgavam ser de maior expressão. Verificou-se haver convergência das respostas do conjunto de PPGs em torno de aproximadamente vinte periódicos nacionais, por sinal os mesmos em que foram publicadas as últimas cinco contribuições de cada um dos 139 bolsistas PQ do CNPq. Descobriu-se, assim, aquilo de que já se suspeitava: a área não trabalha de forma aleatória, sabe quais as revistas nacionais mais relevantes para a disseminação de suas pesquisas, identifica quais os títulos mais relevantes, etc.
Estou convencido de que mecanismos auto-avaliativos reforçam todas as etapas do processo de avaliação. Arriscaria dizer ser essa a principal contribuição da atual coordenação, cujo mandato se encerrará em breve. Outros colegas saberão encontrar os meios de melhorar o que merece ser aperfeiçoado no âmbito da coordenação, e não é pouca coisa. Além disso, há pela frente cortes orçamentários mais profundos que aqueles por que já vem passando o ensino e a pesquisa no Brasil. Assim mesmo, há margem de atuação e ela é mais ampla e efetiva do que parece, em especial em relação à estruturação e consolidação da Filosofia como área própria. A meu ver, a principal responsabilidade da futura coordenação é levar a bom termo a condução desse processo.
Por fim, o caráter de balanço de gestão que paira sobre esse texto torna indispensável e oportuno mencionar meus mais profundos agradecimentos a Edgar da Rocha Marques e Telma Birchal, que atuaram de forma decisiva e serena como coordenadores adjuntos neste mandato.