Algumas Notas sobre os Critérios de Avaliação da Área de Filosofia na CAPES - Parte I

Marcelo Carvalho

05/05/2020 • Revisão do Documento de Área da CAPES - 2015

12 Mai 2015

 

1. Apresentação

O debate sobre o Documento da Área de Filosofia proposto pela atual coordenação da área na CAPES nos oferece uma oportunidade singular de aprimorar nossos instrumentos de avaliação, adequando-o ao novo contexto da pós-graduação em filosofia no Brasil, que se redefiniu em sua dimensão, distribuição geográfica e perfil acadêmico ao longo da última década. Trata-se também de uma oportunidade para que se reflita sobre o modelo de ensino e pesquisa de pós-graduação buscado por essa comunidade.

Os instrumentos de avaliação desempenham um papel importante não apenas por definirem as notas atribuídas a cada programa, e, com isso, a distribuição de recursos dentro do sistema de pós-graduação. Eles também balizam o planejamento dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) e têm influência direta na construção do perfil futuro do ensino e da pesquisa na área. É fundamental, portanto, que se estabeleça com clareza os parâmetros a partir dos quais se efetiva essa avaliação. A explicitação clara desses critérios é importante sobretudo na indicação das exigências para constituição de novos programas de mestrado e doutorado e na atribuição das notas 3, 4 e 5. Nesses casos é plausível que se explicite o perfil desejado em cada um destes patamares e que, com isto, se indique o caminho do amadurecimento do trabalho dos PPGs e de seus pesquisadores. A atribuição das notas 6 e 7 se faz de modo mais fortemente comparativo, o que dificulta a caracterização de patamares a serem cumpridos pelos Programas. Mas também nesse caso é possível e desejável explicitar os critérios a serem utilizados na avaliação comparativa proposta pelo processo.

A finalidade da proposta que se apresenta aqui é sobretudo colaborar para a organização do debate sobre a construção de critérios claros e efetivos para a avaliação de Programas de Pós-Graduação da Área de Filosofia. A estrutura da avaliação construída pela CAPES desde sua implantação inicial, nos anos 1970, apresenta-nos a possibilidade singular de definir, segundo a peculiaridade de cada área, o que se entenderá por qualidade na pesquisa e do ensino de pós-graduação. As vantagens (e também os problemas) deste modelo são evidentes quando ele é comparado àquilo que tem sido implantado mais frequentemente em outros países, que em geral utilizam indexadores internacionais de circulação e impacto como critério único ou preponderante para a avaliação do trabalho de pesquisa. No caso brasileiro, podemos construir instrumentos mais qualificados e diversificados, entretanto, nossa autonomia tem como contrapartida uma menor participação de nossa comunidade no contexto de publicações indexadas internacionalmente e, como consequência, uma menor circulação internacional de nossos trabalho.

É fundamental reiterar que mais do que apenas constituir instrumentos mais adequados à nossa realidade, os instrumentos que se apresentam para a comunidade de pós-graduação e pesquisa possibilita que se defina os instrumentos de avaliação como meios para a construção de espaços qualificados de pesquisa, na medida em que as avaliações têm um evidente caráter de indução na forma de organização da comunidade e da pesquisa. Assim, uma boa estrutura de avaliação deve ajustar seus critérios às características específicas da atividade acadêmica da área no país e àquilo que se apresenta como horizonte de amadurecimento dessa comunidade. Um dos objetivos do debate que se apresenta aqui é, portanto, contribuir para a consolidação e amadurecimento dos Programas de Pós-Graduação e da atividade de pesquisa desenvolvida por seu intermédio, assim como para a construção de um debate acadêmico maduro e relevante na área.

Para que esse ajuste nos critérios e nas práticas da Área se efetive, entretanto, muitos dos conceitos e da estrutura atual da avaliação precisam ser revisados e reconstruídos. Para trilhar esse caminho, propõe-se aqui, em primeiro lugar, uma concepção básica sobre a pós-graduação em filosofia no Brasil e, a partir destas considerações iniciais, a estruturação do debate através de uma pauta organizada a partir da Ficha de Avaliação da Área.

 

2. Uma identidade para a Pós-Graduação em Filosofia: Formação e Pesquisa

O que queremos da Pós-Graduação em Filosofia no Brasil? O que ela é? O que reconhecemos como trabalhos qualificados nesta área? Podemos responder a essas questões de modo minimalista, talvez pouco polêmico, mas com implicações importantes para a revisão daquilo que se deve considerar em uma avaliação da pós-graduação em filosofia: os Programas de Pós-Graduação são núcleos institucionais de pesquisa e de formação de pesquisadores. Mais do que núcleos de pesquisa entre outros, eles concentram a maior parte da pesquisa na área, em particular da pesquisa com maior impacto e reconhecimento. A formação de pesquisadores pela qual essa estrutura de pós-graduação é responsável inclui a formação de docentes de ensino superior, concebida aqui como fortemente associada à atividade de pesquisa, e a própria reprodução do sistema, formando os docentes e pesquisadores que atuarão na pós-graduação no futuro.

A avaliação da estrutura da pós-graduação assim concebida deve se estruturar a partir da avaliação das condições e resultados desse trabalho de pesquisa e formação de pesquisadores. Em termos bastante gerais, mas importantes de serem explicitados e repetidos, o que se diz por meio dessa resposta minimalista, que tenta identificar o núcleo de nossas atividades, é que bons programas de pós-graduação são aqueles que produzem boa pesquisa e que forma bons pesquisadores. Certamente os critérios do que é uma boa pesquisa devem ser muito debatidos. A pesquisa é plural, a área de filosofia é extremamente diversificada e há muitíssimos meios de avaliação e acompanhamento deste trabalho, para além daqueles que se tornaram mais comuns nas últimas décadas. Mas a compreensão básica do papel da pós-graduação deve ser reiterado para que tenhamos clareza do horizonte contra o qual se deve organizar a atividade de avaliação. A avaliação nunca deve ser concebida como um fim em si. Ela deve se apresentar como instrumento para a realização desse objetivo maior que é a consolidação da pesquisa e da formação de pesquisadores em filosofia no Brasil.

De uma perspectiva preliminar e mais geral, pode-se tentar identificar alguns dos elementos que se apresentam como particularmente relevantes na definição, construção e consolidação da atividade de pesquisa e na formação de pesquisadores aqui referida. Parece razoável supor que um Programa de Pós-Graduação deva se constituir como um núcleo de produção e circulação de pesquisa e que isso desempenha um papel central na consolidação da pesquisa e da formação a que ele se propõe. A consolidação da atividade de pesquisa no país pressupões que núcleos desse tipo sejam integrados nacional e internacionalmente, e, então, o Programa deveria se constituir, através de suas atividades, como instrumento deste processo de integração da pesquisa para além da instituição em que se situa. Também parece razoável supor que a formação de pesquisadores se efetive por meio de um trabalho qualificado de orientação e acompanhamento por parte de pesquisadores do Programa ao qual o estudante está vinculado, mas, também, e de modo imprescindível, por meio de sua inserção em uma rede mais ampla e plural de debates com outros pesquisadores, no país e fora dele.

Essas diretrizes básicas nos indicam elementos relevantes a serem considerados na avaliação da pós-graduação e na consolidação da estrutura atual de pesquisa na área: a qualidade do ambiente de pesquisa e de formação constituído no âmbito do Programa (incluindo-se condições de trabalho dos docentes, condições de estudo dos discentes, infra-estrutura e atividades locais voltadas à pesquisa); a integração da pesquisa docente e discente do Programa com o contexto regional, nacional e internacional em que se coloca, bem como a circulação e recepção obtidas por essas pesquisas; o reconhecimento e qualificação nacional e internacional da pesquisa produzida no âmbito das atividades do programa.

Um programa se nos apresenta sobretudo como um instrumento em meio a um processo mais amplo que é o amadurecimento e consolidação da pesquisa em filosofia no Brasil. Isto se explicita, talvez, de modo mais acentuado no caso dos Programas notas 6 e 7, pelo caráter claramente comparativo da atribuição destas notas. Segundo a concepção da área descrita aqui, espera-se destes programas que desempenhem um papel central na construção da comunidade de pesquisadores, na integração nacional da pesquisa e em sua circulação internacional.

Podemos desenhar a caricatura do programa de pós-graduação que, segundo o que se disse até aqui, se buscaria estimular por meio da avaliação: programas com um corpo docente ativo na atividade de pesquisa, capaz de envolver seus alunos neste processo, com tempo adequado ao trabalho de formação discente e com circulação ampla por outros núcleos de pesquisa e por outros programas do país. Seu trabalho de formação de pesquisadores envolve de modo significativo alunos de graduação e pesquisadores de outras instituições. Os estudantes encontram no Programa um espaço qualificado de pesquisa, com grupos de pesquisa ativos em diversas áreas, presença constante de convidados externos e possibilidade contínua de um diálogo plural e de contato com diferentes pesquisadores. Encontra também recursos materiais adequados às necessidades de sua pesquisa (biblioteca, equipamentos e redes de informática) e apoio acadêmico a seu trabalho (bolsas). A divulgação da pesquisa docente ligada ao Programa se efetiva por meio de uma ampla circulação de seus docentes em eventos acadêmicos no país e fora dele, e também por meio da publicação contínua de artigos e livros. O Programa apresenta um planejamento de suas atividades que explicita a continuidade destas atividades de integração e pesquisa. A qualidade do trabalho acadêmico ali produzido, por docentes e discentes, é explicitada por meio de sua circulação (em publicações e eventos) e pela variada presença de pesquisadores de outras instituições em suas atividades de pesquisa, formação e avaliação de alunos.

 

3. Proposta de eixos sobre o qual reconstruir a estrutura de avaliação

Como estruturar a avaliação da área, dando a ela mais transparência e objetividade, e ao mesmo tempo, construí-la como instrumento para o amadurecimento da pesquisa em filosofia no Brasil? Como garantir que os Programas melhor avaliados sejam aqueles que assumem um papel central nesse amadurecimento e integração nacional e internacional da pesquisa em filosofia? Como estabelecer critérios claros e relevantes para esse processo? Uma possibilidade interessante, defendida aqui, é que se faça isso a partir da revisão da ficha de avaliação dos programas e de sua vinculação clara e direta com cada uma das notas a serem atribuídas, explicitando-se os patamares mínimos a serem considerados para a atribuição de cada uma delas. A vantagem de associar a descrição da avaliação à revisão da ficha de avaliação é que se pode assim oferecer mais do que parâmetros gerais: pode-se descrever uma proposta de avaliação de modo detalhado e claro para a comunidade a ela associada. Essa revisão se desdobra na revisão dos documentos associados à ficha de avaliação: o Qualis Periódicos, o Qualis Livros, o documento sobre avaliação da produção discente (a ser constituído) e o documento sobre avaliação da internacionalização dos Programas.

A revisão da ficha de avaliação aqui referida consiste em:

(a) redefinir o peso atribuído a cada um dos itens e quesitos da avaliação, bem como a caracterização de cada um dos itens, de modo a valorizar os indicadores que explicitem as características visadas pela proposta;

(b) explicitação detalhada dos patamares mínimos para a criação de um mestrado e um doutorado a partir dos itens da ficha de avaliação;

(c) caracterização detalhada dos patamares mínimos a serem atendidos por Programas nota 3, 4 e 5 em cada um dos itens da ficha de avaliação, oferecendo a possibilidade de maior previsibilidade e objetividade na avaliação e indicando o caminho do amadurecimento das atividades de Ensino e Pesquisa em Pós-Graduação no país para os próximos anos;

(d) explicitação clara dos critérios de atribuição das notas 6 e 7, que difere da caracterização anterior por ser a atribuição dessas notas mais fortemente comparativa.

Não se trata, nesse texto preliminar, de apresentar uma proposta detalhada de revisão da Ficha de Avaliação. Propostas desta natureza serão apresentadas oportunamente. Deve-se ressaltar, entretanto, que o grande desafio do debate que atualmente se nos apresenta é consiste em construirmos propostas detalhadas de avaliação sem nunca perder de vista a finalidade geral que podemos atribuir a esse processo, e impedindo que a avaliação se estabeleça como um fim em si.