Nota de pesar - Rubens Rodrigues Torres Filho
15/12/2023 • GT Schopenhauer
Nota de pesar - GT Schopenhauer (15/12/2023)
Foi com grande pesar que recebemos, há poucos dias, a notícia de falecimento de Rubens Rodrigues Torres Filho. Professor no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, suas contribuições brilhantes ao estudo de História da Filosofia, e mais especificamente, da Filosofia Alemã Clássica, são passagem obrigatória para todo pesquisador que pretenda alcançar excelência acadêmica. Soube, como poucos, desentranhar a “coerência interna de um autor, [...] requisito mínimo de um trabalho bem-sucedido de História da Filosofia, [...] sem artificialismo, sem escamotear ou tentar dissimular as dificuldades” (Prefácio. Cacciola, 1994). Dentre seus estudos estão: “O espírito e a letra. A crítica da imaginação pura, em Fichte” (1975) e “Ensaios de filosofia ilustrada” (1987; 2004 [2ª edição revisada e ampliada]). Rubens era dotado de uma fineza inigualável no uso das línguas: verteu com maestria autores como Kant, Fichte, Schelling, Nietzsche, Novalis, Benjamin e Adorno. Sua obra é marcada também pela poesia, com destaque para “O vôo circunflexo” (1981), vencedor do Jabuti de poesia, republicado em “Novolume. 5 livros de poesia, poemas novos, inéditos, avulsos e traduções” (1997).
No Prefácio a “Schopenhauer e a questão do dogmatismo” (Cacciola, 1994), demonstra sua perspicácia também na leitura deste filósofo alemão:
“Evitar e combater o dogmatismo era, para ele [Schopenhauer] também, como para todos os grandes mestres desse período, uma forma de assimilar a lição de Kant: tomar o mundo da representação por absolutamente real, eis o erro que conduz a ‘construir uma ontologia onde só havia material para a dianoiologia’. Mas seu caso é, de todos, aquele em que fica mais claro o quanto esse ‘assimilar’ conserva o sentido original de ‘tornar semelhante a si’: negar que a metafísica tenha uma vocação extra-mundana e procurar a explicação do Mundo no próprio Mundo é, aos seus olhos, o reverso indissociável dessa operação de saneamento da filosofia. Limitação do conhecimento, completa idealidade do espaço, do tempo e das categorias, mas sem o supra-sensível e a razão prática (por onde o dogmatismo banido retornaria de contrabando). O mundo é totalmente representação sim, mas é também, por outro lado, totalmente Vontade, irrepresentável e indestrutível. Como sustentar o desafio dessa radicalização?”
Aos familiares e amigos, toda nossa solidariedade!
Nota de pesar – Maria Lucia Cacciola, publicada originalmente em FFLCH/USP
Aos 81 anos de idade morre Rubens Rodrigues Torres Filho (1942-2023), o grande professor de Filosofia da FFCLH, talvez no ver de muitos, genial. Não sei se se poderia dizer especialista no sentido vulgar da palavra, mas como os que leram sua obra e conviveram com ele, percebia-se nesta figura inesquecível e em suas palavras, o brilho e a genialidade da filosofia. Não dava para se enganar, ele trazia em si a força da palavra e da linguagem. Filosofia na veia e veia humorística insuperável. Estudioso e mestre de Fichte, cujo livro, O espírito e a letra é magistral, poeta, professor sem vícios burocráticos, sua inteligência e aptidão para o saber dominavam com graça e habilidade seus afazeres.
Poeta e dos bons nos trazia mais e mais palavras com seu estofo de verdades. Tive a sorte de ser sua orientanda, coisa de que nunca me esqueço. Tudo que aprendi filosoficamente e quotidianamente (porque não), foi com ele, desde a primeira aula inaugural até a fazer marcha a ré sem derrubar paredes da entrada da casa da Rua Camiranga, onde ele morava numa vila poética e despretensiosa. Lá, além de mil assuntos filosóficos ou não, conversávamos sobre o meu mestrado e doutorado e encontrávamos pessoas queridas, que não sei mais onde andam. Ele dava muitos cursos, sobretudo sobre filosofia alemã, que lia e relia para nós “con amore” apesar do rigor do métier impedir, às vezes, o poupar as ironias e a inevitável retomada dos textos que tinham sido meio amarfanhados na exposição dos candidatos.
Rubens não ensinava filosofia, ele apresentava a filosofia diante de nós, como presença obrigatória. Suas aulas magnas se davam quando lhe aprouvesse e esperávamos por vezes uma a duas horas para seu início. Claro que esse “tempo perdido” valia a pena e preparava para a reflexão, mesmo talvez, à nossa revelia. Esperávamos pela palavra exata e pela pontuação precisa do pensamento. Aliás, foi a isso que sempre associei a palavra “pensamento” e precisão no ensino.
Muito terá que ser dito do Rubens, além dessas impressões de uma “desorientanda”, como ele gostava de me chamar com fino humor.
Esperemos por livros e artigos sobre Rubens e pela sua presença constante junto aos estudantes mais novos, não só daqui, mas do mundo todo. Que essa nota pretenda mostrar apenas algo do que vimos nele.
Adeus querido, Maria Lúcia Cacciola