Apresentação do Dossiê: As pesquisas sobre o Ensino de Filosofia no Brasil: perspectivas epistemológicas sobre o campo

V. 38 Jan./Dez. 2024 • Educação e Filosofia

Autor: Augusto Rodrigues, Patrícia Del Nero Velasco, Rodrigo Pelloso Gelamo

Resumo:

A publicação do presente dossiê representa uma conquista significativa para o Ensino de Filosofia como campo de conhecimento e área de pesquisa no Brasil. Por si só, deve ser comemorada uma publicação de dossiê sobre o Ensino de Filosofia. Há algumas décadas, eram raras as revistas de Educação e Filosofia que contavam com a presença de pesquisas e reflexões sobre a temática; dificilmente, encontraríamos um dossiê ou um volume especial dedicado ao ensino da filosofia. Felizmente, não é essa mais a nossa realidade. A partir de um levantamento recente[1], atesta-se que a organização de dossiês como este se tornou uma prática acadêmica comum, feita por pares direta ou indiretamente envolvidos com a pesquisa em/sobre ensino de filosofia. Tal realização significou, em números, a marca de mais de 30 dossiês temáticos desde o início do século XXI, a qual este dossiê vem se somar[2].

          Mas o valor desta publicação para a área do Ensino de Filosofia vai além dessa dimensão histórica. Conforme se elucida pelo seu título, este dossiê faz parte de um projeto coletivo no qual pesquisadoras e pesquisadores têm como objetivo pensar o campo do Ensino de Filosofia, de forma a entender suas especificidades, seu desenvolvimento histórico e as políticas de saberes que são a ele inerentes. Ao longo das três últimas décadas, algumas ações e pesquisas pensaram a constituição e as particularidades das produções acadêmicas do Ensino de Filosofia. Porém, foi só nos últimos anos que o problema do campo do Ensino de Filosofia adquiriu certa notoriedade entre os pares da área, tornando-se um objeto a ser debatido coletivamente[3].

          Um ponto crucial foi a instituição da subcomissão do GT da ANPOF Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2021, para essa finalidade. De fevereiro a novembro daquele ano, diferentes pesquisadoras e pesquisadores da área se reuniram, periodicamente, para discutir o estatuto epistemológico do campo e viabilizar alguns caminhos para a institucionalização do Ensino de Filosofia dentro da árvore de conhecimento das agências de fomento e de formação de recursos humanos para a pesquisa no país. Nessa direção, o grupo projetou e realizou uma série de ações coletivas para fomentar o tema, assim como também dedicou uma força-tarefa para mapear as produções e iniciativas acadêmicas na área, especialmente aquelas forjadas no século XXI.

          Ainda no mesmo ano, alguns dos esforços da subcomissão se traduziram em iniciativas de ressonância entre a comunidade acadêmica nacional. Tendo em vista a organização do “Mês ANPOF Ensino de Filosofia: por uma cidadania filosófica do campo”, realizado na página institucional e no canal do Youtube da ANPOF durante o mês de outubro de 2021, a subcomissão foi responsável por propor a mesa “Ensino de Filosofia como campo de conhecimento: revendo o cânone filosófico”[4] e fomentar o debate presente no fórum “Cânone – uma proposta de debate” do site da ANPOF (Rodrigues; Gelamo, 2022; Velasco, 2022a). Em ambas as frentes, colocou-se no centro de discussão o Ensino de Filosofia como campo, de maneira a partilhar e argumentar, com o restante da comunidade acadêmica, os avanços conquistados da área e os desafios que ainda se fazem necessários enfrentar.

          A ideia era provocar a comunidade acadêmica a perceber que, desde o início do século XXI, está em curso uma agenda em favor do desenvolvimento das pesquisas sobre o ensino de filosofia no Brasil, e, consequentemente, em favor da criação, maturação e autonomização do campo do Ensino de Filosofia. Hoje as investigações são compostas por diferentes núcleos de pesquisa, espalhados por todo território brasileiro; cultivam problemas, objetos, práticas e referenciais teóricos em comum; encontram espaços para publicação em revistas especializadas na temática; e são utilizadas na preparação dos futuros professores e professoras de filosofia. 

          Com essa provocação, desejava-se cultivar um movimento político-filosófico em prol da cidadania-filosófica do campo do Ensino de Filosofia, em sintonia com a proposta que marcou o mês da ANPOF. Por um lado, isso significa criar estratégias para ampliar os direitos institucionais das pesquisas do Ensino de Filosofia. Como se sabe, as pesquisas na área têm sido acolhidas institucionalmente pela área da Educação, especialmente pelos pares e os recursos da Filosofia da Educação, mas dificilmente são reconhecidas pela área da Filosofia. Considerando que o campo do Ensino de Filosofia é interdisciplinar, pois se vale, principalmente, da contribuição da Educação e da Filosofia, e envolve agentes cujas trajetórias de pesquisa foram trilhadas ora na Educação ora na Filosofia, o grande problema é que parte dessas pesquisas não encontra seu legítimo espaço institucional também na Filosofia. Por essa razão, luta-se pela identificação do Ensino de Filosofia como subárea de pesquisa nos programas de pós-graduação em Filosofia e, igualmente, pela inclusão da subárea nas agências nacionais de fomento à pesquisa e à formação.

          Por outro lado, esse movimento de cidadania-filosófica implica em criar espaços para pesquisar e debater sobre o campo do Ensino de Filosofia no Brasil. O amadurecimento das pesquisas favorece um contexto propício para nos debruçar sobre o que temos feito e procurar problematizar, naquilo que é realizado, nossas especificidades e diferenças, os avanços e os limites do campo. Acreditamos que a instituição de um campo autônomo passa também por um esforço epistemológico, ético, político e estético de seus próprios integrantes, não só para entender e debater nossa constituição, mas também para estabelecer uma relação de convivência em comum, fincar suas raízes nesse território para nutrir-se dele e coproduzir com as pesquisas já existentes.

          O dossiê que agora vem à lume faz parte desse movimento em prol da cidadania-filosófica do campo do Ensino de Filosofia[5]. Convidamos pesquisadoras e pesquisadores que participaram de diferentes momentos da agenda em torno do Ensino de Filosofia a contribuir com o debate, oferecendo suas percepções e problematizações sobre as pesquisas na área. Reconhecemos que um campo de conhecimento e pesquisa está marcado pelas disputas entre as várias perspectivas de seus membros e grupos, e esse debate será salutar para conhecermos e problematizarmos o que temos até agora instituído em termos de campo.

          No convite aos autores e autoras, sugerimos duas possibilidades para se abordar a problemática do campo do Ensino de Filosofia: uma primeira centrada no estatuto epistemológico do campo, e uma segunda cujo enfoque de discussão são as dimensões históricas do campo. Mais do que uma diferenciação conceitual de abordagem, essa distinção serviu apenas para explicitar nossos interesses com a proposta e adequá-la também às possibilidades das/os próprias/os participantes, para os quais, em alguns casos, não tinham uma trajetória de pesquisa propriamente sobre o campo do Ensino de Filosofia, ainda que tenham contribuído ao longo dos anos para a constituição deste. De fato, consideramos que a discussão epistemológica do campo pressupõe também uma dimensão histórica, em suas faces políticas, éticas e estéticas. Portanto, no primeiro caso, imaginamos textos cujas análises e problematizações versassem propriamente sobre as pesquisas do ensino de filosofia no Brasil, de suas especificidades, objetivos, desafios e limites. No segundo caso, vislumbramos uma escrita mais autobiográfica, cujo eixo analítico oferecesse uma perspectiva histórica, de modo a rememorar algumas iniciativas e pesquisas das quais se tenha participado e que seriam consideradas cruciais para a construção dos contornos da área. Poderiam também identificar as linhas investigativas historicamente estabelecidas, a fim de problematizar seus pressupostos teóricos, mostrando em que medida dialogam ou confrontam com outras pesquisas na área.

          Devido à aderência de muitos pesquisadores e pesquisadoras à proposta, esse projeto foi dividido em dois dossiês, um para cada eixo. O leitor e a leitora têm em mãos o segundo deles, que reúne 9 trabalhos escritos em uma perspectiva epistemológica do debate[6]. As autoras e os autores que o compõem não necessitam de apresentação. São nomes já conhecidos na área, que há muito tempo se dedicam à pesquisa e à causa do ensino de filosofia no Brasil e que, por isso, tendem a habitar nossas reflexões. Talvez por essa razão, diríamos que os artigos conseguiram, em seu conjunto, reunir problemas e acontecimentos que configuram as principais dimensões do campo do Ensino de Filosofia. [...]

Notas:

[1] Este dado consta no Manifesto em defesa do Ensino de Filosofia como subárea de pesquisa filosófica. Disponível em:  https://www.anpof.org.br/comunicacoes/noticias-anpof/manifesto-em-defesa-do-ensino-de-filosofia-como-subarea-de-pesquisa-filosofica. Acesso: 31 de jul 2024.

[2] Para acesso aos dossiês em questão, assim como ao acervo mais amplo de artigos, livros e capítulos sobre Ensino de Filosofia, cf. a página institucional do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Filosofia. Disponível em: https://lapefil.pesquisa.ufabc.edu.br/acervo/. Acesso: 01 ago. 2024.

[3] Um resgate histórico parcial do campo do Ensino de Filosofia como problema de pesquisa se encontra no artigo de Rodrigues e Velasco (2024).

[4] Participaram da mesa Patrícia Velasco, Paulo Margutti Pinto e Sílvio Gallo. A discussão foi transmitida no canal do Youtube da ANPOF. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UfxksF8B-oY&t=4198s. Acesso: 31 jul 2024.

[5] Do referido movimento, destaca-se a organização de uma mesa-redonda, “Filosofia do Ensino de Filosofia: diálogos entre Brasil e Argentina”, do XIX Encontro Nacional da ANPOF, realizado em Goiânia no ano de 2022. Patrícia Velasco, Gustavo Ruggiero e Walter Kohan conversaram sobre as realizações das pesquisas do Ensino de Filosofia em ambos os países, de maneira a enfatizar o importante intercâmbio entre os países na área. Previamente à mesa, houve uma conversa entre Elisete Tomazetti, Augusto Rodrigues e Patrícia Velasco, cujos registros se encontram no episódio “Filosofia do Ensino de Filosofia: uma conversa sobre os movimentos de sua constituição como campo acadêmico”, do Podcast ANPOF. (Disponível em: https://open.spotify.com/episode/5IWasvZkqBgl7tEf4jKBKt. Acesso: 12 ago. 2024.) Outra ação que cabe menção foi a proposta temática do VII Encontro Nacional do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar: “Pensar o Campo, Filosofar o Ensino”. Algumas das reflexões que permearam o evento acabaram de ser publicadas em dossiê pela revista Problemata, em seu volume 15. (Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/problemata/issue/view/3075. Acesso: 12 ago. 2024.) No artigo de Rodrigues e Velasco (2024a) que compõe o dossiê supracitado, o leitor e a leitora encontram indicações das demais ações e publicações em prol da cidadania filosófica do Ensino de Filosofia.

[6] Sobre um primeiro esforço nesse sentido, cf. Velasco, 2022b.

ISSN: 1982-596X

Texto Completo: https://seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/74958

Palavras-Chave: Ensino de Filosofia no Brasil, perspectivas epistemológicas

Educação e Filosofia

A Revista Educação e Filosofia mantida pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia e seus respectivos programas de pós-graduação tem como propósito o incentivo à investigação e ao debate acadêmico acerca da educação e da filosofia em seus diversos aspectos, prestando-se como um instrumento de divulgação do conhecimento especialmente dessas duas áreas. Está indexada em 11 repertórios nacionais e internacionais e atualmente está avaliada no Qualis da CAPES com estrato A2.