Um exemplo de inversão do domínio ideológico norte-americano no Brasil
Viso · Cadernos de estética aplicada N° 14 • Viso: Cadernos de Estética Aplicada
Autor: Carla Milani Damião
Resumo:
Propomos discutir a relação de domínio ideológico-cultural norte-americano sobre o Brasil, tendo em vista exemplos documentados. Trata-se da chamada “política de boa vizinhança” [Good Neighbor Policy], com início em 1933 até o final da Segunda Guerra, notadamente durante o governo Getúlio Vargas no Brasil e o governo Franklin Roosevelt nos Estados Unidos. A necessidade de propaganda política passava pela “sedução” cultural da potência estadunidense sobre seus vizinhos latino-americanos. Neste sentido, o momento político de tentativa de “adoção” ideológica do Brasil pelos Estados Unidos foi marcado pela “encomenda” de produtos culturais como a personagem do malandro Zé Carioca de Disney. O exemplo mais ambíguo que marca essa ambição de domínio ideológico é o filme encomendado a Orson Welles e jamais finalizado, intitulado: It’s All True [É tudo verdade]. O filme não concluído por seu famoso diretor, filmado em 1942, só se tornou conhecido em 1993 quando outros diretores americanos realizaram um documentário remontando partes do filme. O material presente nesse documentário foi também recuperado pela pesquisa realizada pelo cineasta brasileiro Rogério Sganzerla, da qual surgiu uma tetralogia composta pelos filmes: Nem tudo é verdade (1986), A liguagem de orson Welles (1990), Tudo é Brasil (1997) e O signo do caos (2003). O projeto de domínio cultural encomendado a Orson Welles terminou em fracasso, visto que este desviou sua atenção da glamourosa cidade do Rio de Janeiro e do Carnaval, para filmar a saga de jangadeiros que lutavam por direitos trabalhistas. A conotação política do filme determina seu fracasso no domínio ideológico de propaganda política do governo americano. Sganzerla elegeu o episódio para pensar e criticar o domínio ideológico norte-americano sempre presente na cultura brasileira, de uma maneira bastante ambígua. A ambiguidade permeia a atitude dos dois cineastas: o grande Orson Welles e o audacioso Rogério Sganzerla, conhecido por sua verve crítica e disputa com o cinema novo de Glauber Rocha. Quando lemos a respeito do que seja um “filme-ensaio” ou um “ensaio fílmico”, um dos primeiros nomes que salta à frente dos demais é Orson Welles, principalmente em “F for Fake” (no Brasil: “Verdades e mentiras”). Podemos encontrar nesse gênero a maior aproximação entre Welles e Sganzerla. Com base nessa aproximação, podemos notar que o contraste marcado pelo viés do domínio político e cultural ganha outro aspecto ao situarmos intercâmbios culturais evidentes na linguagem fílmica, possíveis de ser transmudados em libertação política e abertura para se pensar o transcultural.
Abstract:
We propose to discuss the North-American ideological and cultural domination over Brazil, pointing out some examples and relevant documents. The example is related to the, so called, Good Neighbour Policy, which started in 1933, and lasted until the end of World War II, during Getúlio Vargas’s government in Brazil, and Franklin Roosevelt’s government in the United States. The need for political propaganda took the form of cultural "seduction" conducted by U.S. might over its Latin American neighbours. In this sense, the political moment of ideological attempt to "adoption" of Brazil by the United States was marked by "ordering" Walt Disney to create cultural products such as the trickster character Zé Carioca. The most ambiguous example of ideological ambition marking this domain, is the Orson Welles film commissioned, but never completed, entitled: It's All True. This famous director’s unfinished movie was filmed in 1942, and only became known in 1993 when other American directors made a documentary film reassembling parts of the movie. This documentary material was also reconstructed through the research of the Brazilian filmmaker Rogerio Sganzerla, through which a tetralogy consisting of these films appeared: Not Everything Is True (1986), Orson Welles’s Cinematic language (1990), All Is Brazil (1997) and Sign Of Chaos (2003). This cultural project of political domination, which Orson Welles was commissioned to undertake, ended in failure, as he diverted his attention from the glamorous city of Rio de Janeiro and Carnival, to film the saga of fishermen (jangadeiros), fighting for their labour rights. The political overtones of the film determines its failure in the ideological field of U.S. political propaganda. Sganzerla opted to criticize the American ideological domination, always present in Brazilian culture, in a very ambiguous way. The ambiguity permeates the attitude of the two film makers: the great Orson Welles and the audacious Rogério Sganzerla, known for his verve and critical disparity with the film maker Glauber Rocha. When we read about what is a "film-essay" or a "filmic essay", one of the first names that jumps ahead of the others is Orson Welles, especially in his "F for Fake". We can find in this genre the closest rapport between Welles and Sganzerla. Herein, we note that the contrast marked by the U.S. cultural political domination, results in another aspect, more positive, of a real cultural exchange, based on film language, which could possibly be transmuted into political liberation and openness to cross-cultural thinking.
Texto Completo: http://revistaviso.com.br/visArtigo.asp?sArti=129
Palavras-Chave: ideologia, imperialismo , filme-ensaio , Well
Viso: Cadernos de Estética Aplicada
viso s.m. 1 modo de apresentar-se, aparência, aspecto, fisionomia 2 sinal ou resquício que deixa entrever algo; vestígio, vislumbre 3 recordação vaga; reminiscência 4 modo de ver, opinião, parecer 5 o cume de uma elevação, monte ou montanha 6 pequena colina, monte, outeiro 7 obsl. o órgão da visão, a vista. ETIM lat. visum ‘visão, imagem, espetáculo’.