Minas e horizontes do pensamento
Rogério Lopes
Professor associado do Departamento de Filosofia da UFMG
06/07/2022
Texto publicado originariamente pela Humanitas, Ed. 153
Minas e horizontes do pensamento - Escritos em homenagem a Ivan Domingues
Autores: Anna Carozzi , Carlos Ratton , Helder Carvalho, Jelson Oliveira (Orgs.)
Editora: Unisinos | Págs.: 488
O Festschrift, obra que pertence ao gênero do tributo a pesquisadores renomados, celebra os 70 anos do insigne filósofo Ivan Domingues, e eterniza seu compromisso apaixonado com o diálogo, a filosofia e os valores da vida intelectual.
Minas e horizontes do pensamento é um volume publicado em cuidadosa edição pela Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) que homenageia os 70 anos de Ivan Domingues, professor titular recémaposentado do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde vinha atuando desde a segunda metade dos anos 1970, e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFMG, tendo desempenhado papel decisivo na fundação e consolidação de seu programa de doutorado. Trata-se de um escrito comemorativo que celebra sua trajetória filosófica e que se apresenta como um mapa que permite ao leitor navegar pela diversidade de interesses que têm norteado sua atividade intelectual ao longo das últimas décadas.
Como destacado no prefácio assinado por Marcelo Aquino, o que o leitor terá em mãos é uma obra de perfil plural, seja pela diversidade dos temas abordados em cada um dos seis eixos temáticos que estruturam o volume (escolhidos com o intuito de espelhar a pluralidade de interesses que tem pautado a produção teórica de Domingues), seja pela diversidade dos perfis das autoras e autores que assinam os 25 artigos que compõem o volume (diversidade geográfica, de formação, de interesses teóricos, diversidade geracional e de afiliações institucionais) e que dialogam, ora direta, ora indiretamente com a obra e o pensamento do homenageado [1].
Organizado por Anna Carozzi, Carlos Ratton, Helder Carvalho e Jelson Oliveira, que encabeçaram o projeto e que assinam conjuntamente o texto de apresentação quese poderia qualificar de poético, o presente volume, como dito acima, está estruturado em torno de seis eixos temáticos. Cada um deles se desdobra, por sua vez, em um leque de questões que despertaram o interesse de Ivan Domingues em momentos distintos de sua carreira e para os quais ele tem oferecido respostas que dialogam criticamente com a tradição, não apenas filosófica, mas das diversas áreas do conhecimento, em especial das ciências humanas.
Esses eixos temáticos incluem questões relacionadas ao conhecimento, à sua fundamentação, mas também às condições de sua produção e circulação na contemporaneidade (eixo 1, com quatro contribuições), à tecnologia e seu impacto sobre a condição humana (eixo 2, também com quatro contribuições), questões relacionadas às exigências da vida ética, com especial destaque para os desafios ambientais do presente (eixo 3, com cinco contribuições), questões atinentes à história da filosofia (eixo 4, também com cinco contribuições) e à filosofia no Brasil (eixo 5, com quatro contribuições) e, por fim, questões relacionadas à vida intelectual e ao seu contexto institucional (eixo 6, com três contribuições).
Vários olhares
Os autores que contribuíram para o volume compõem um time heterogêneo, que inclui professores pertencentes à geração imediatamente anterior à do próprio Domingues (como é o caso do professor Guido de Almeida), colegas de geração (Oswaldo Giacoia Junior, Marcelo Perine, Carlos Roberto Drawin, Paulo Margutti, Álvaro Valls, Clélio Campolina), colegas da geração imediatamente posterior à sua (José Raimundo Maia Neto, Antônio Carlos dos Santos, Luiz Rohden), interlocutores mais recentes (Lúcio Marques, Diego Lawler, Antônio Valverde, Jelson Oliveira), distintas gerações de orientandas e orientandos com carreiras já consolidadas (Rodrigo Duarte, Miriam Campolina, Helder Carvalho, Evaldo Sampaio, Lilian Godoy, Wendell Lopes) e, por fim, interlocutores internacionais que atuam em temáticas afins às de Ivan Domingues (Andrew Feenberg, Hugh Lacey, André Berten, Nathalie Frogneux, Marie Gaille).
Estas diversas contribuições autorais são precedidas por uma entrevista relativamente extensa e bastante instrutiva com o homenageado (p. 19-57), da qual participam um time igualmente heterogêneo de “entrevistadores”, que com ele convivem e acessam a sua obra a partir de perspectivas distintas: intelectuais públicos, parceiros institucionais, professores e pesquisadores com atuação nas ciências naturais e humanas, antigos orientandos e orientandas com carreira já consolidada.
Este corpo heterogêneo de entrevistadores nos ajudam a delinear o perfil de Domingues, na medida em que o confrontam com uma sequência de questões que revelam as várias facetas da sua atuação como pesquisador, como professor, como escritor, como intelectual público, como gestor, consultor e idealizador de instituições, como um dos protagonistas do processo de institucionalização da pesquisa filosófica no Brasil, e também como historiador que tem contribuído para uma avaliação crítica desse mesmo processo.
Isegoria
Embora as duas partes do presente volume (a entrevista e as contribuições autorais que se seguem a ela) se complementem na tarefa de exibir para o leitor os contornos de uma vida inteira dedicada às questões da filosofia e da vida intelectual, à militância institucional e à criação de espaços de encontro e interlocução, a primeira parte permite uma abordagem menos dispersiva do conjunto de questões com as quais Domingues tem se ocupado com inigualável paixão ao longo das últimas décadas. Aqui, para tomar de empréstimo as belas e precisas palavras de Aquino, o insigne professor “recorre ao direito que os gregos nomeavam Isegoria: o uso da palavra na assembleia. Nossa Festschrift não deixa de ser uma assembleia – ou seria um banquete? – em que, pelas respostas às perguntas que lhe foram feitas, Domingues tem a oportunidade de falar com parrésia aos seus pares” (p. 8).
Para evitar o risco de uma excessiva dispersão, que se torna ainda mais grave dadas as limitações de espaço, me servirei da entrevista como um fio condutor na parte restante desta resenha e a partir dela remeterei ocasionalmente às contribuições autorais do Festschrift, sobretudo em notas. Que fique registrado, então, que esta resenha não tem a pretensão de ter feito justiça à riqueza e diversidade de seus conteúdos.
Limito-me aqui a observar que as diferentes contribuições satisfazem plenamente ao desiderato dos organizadores, na medida em que se deixam ler “com interesse e [...] com proveito” (p. 11). Mas mesmo em relação ao conteúdo da entrevista, a diversidade e riqueza dos temas tratados me obrigam mais uma vez a uma abordagem seletiva. Enfatizarei, portanto, aqueles traços que tornam mais nítido para o leitor o perfil do homenageado, que constituem parte inquestionável de seu legado intelectual, mas que simultaneamente abrem novas epromissoras perspectivas para o debate filosófico no Brasil.
Abordagens interdisciplinares
O primeiro eixo de questões diz respeito à natureza humana. Domingues é instado a tratar da questão pelo primeiro entrevistador, o médico e geneticista Sérgio Pena (cf. p. 19-23). Essa questão recebe destaque também no prefácio de Aquino ao presente volume. Ao construir sua resposta, o entrevistado recapitula as diversas e frustradas tentativas de oferecer uma definição essencialista da natureza humana ao longo da história do Ocidente (e que pretenderam capturar o humano a partir da identificação de uma única propriedade que seria universalmente compartilhada por todos os indivíduos em todas as épocas), e insiste na necessidade de “vencer os gaps de décadas da filosofia frente à ciência e à tecnologia”
(p. 22) que têm caracterizado tais empreendimentos teóricos.
A militância de Ivan Domingues em prol de abordagens interdisciplinares [2], que tem como horizonte último a utopia epistêmica da transdisciplinaridade, se reflete tanto na sua atuação institucional (ele foi um dos idealizadores e o primeiro diretor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares IEAT da UFMG –; assim como o fundador e coordenador do NEPC – Núcleo de Estudos do Pensamento Contemporâneo –, que se dedica a pesquisas interdisciplinares em estudos sociais em ciência e tecnologia), quanto em sua produção teórica. Se é um fato que ele tem seguido essa recomendação ao longo de toda a sua trajetória filosófica, pode-se dizer, contudo, que essa tendência é particularmente visível em seu enfrentamento da questão antropológica e em seu esforço de revisar criticamente a literatura clássica sobre a questão à luz dos novos desafios postos pela contemporaneidade. Essa necessidade de revisão está no centro da segunda questão endereçada a Domingues, formulada pelo filósofo
inglês Roger Crisp.
Ele indaga se as tecnologias de inteligência artificial poderiam nos forçar a rever o lugar de centralidade que conferimos às realizações humanas em nossos juízos sobre o que é ter uma vida excelente, e se isso não teria como consequência prática a eliminação de um dos traços que sustentam a nossa suposta exclusividade enquanto espécie (cf. p. 23-27). Nesse sentido, a resposta de Domingues, que não equivale a um sim categórico, ilumina aspectos que não foram tratados na resposta à primeira questão.
O diálogo com as ciências naturais e as biotecnologias, que tem sido uma das frentes de pesquisa de Domingues desde a fundação do NEPC, serve como complemento aos seus estudos sobre a epistemologia das ciências humanas [3], tema ao qual ele dedicou um conjunto de livros autorais que compõem uma tetralogia, iniciada com a publicação de O grau zero do conhecimento, em 1991, passando pelos Epistemologia das ciências humanas - tomo I, de 2004, e Lévi- -Strauss e as Américas, de 2012, para concluir com o livro sobre Foucault, publicado pela Editora da UFMG em 2020 em homenagem aos 50 anos de As palavras e as coisas.
Fidelidade iluminista
Poderíamos dizer que o prolongado interesse de Domingues pela epistemologia das ciências humanas, pelas condições de produção e distribuição do conhecimento e pelas ciências [4], assim como sua militância inter/transdisciplinar convergem para a sua interrogação mais recente acerca da natureza humana. Nesse sentido, a frequentação de Kant, Heidegger e Foucault parece ter deixado marcas definitivas na personalidade filosófica do homenageado, conforme sugere o texto muito instrutivo sobre o tema escrito pelo professor Carlos Drawin para o volume comemorativo [5]. Aqui, mais uma vez, questões que fazem parte do repertório da tradição filosófica são retomadas e reatualizadas à luz do que os filósofos podem
aprender ouvindo os seus pares que atuam em outras áreas do saber.
A lição que fica parece confirmar Montaigne, que é citado com aprovação por Domingues nesse contexto (cf. p.22): é possível praticar a filosofia sem ceder à tentação de um léxico essencialista. Essa orientação filosófica mais sensível à singularidade irredutível dos indivíduos, confirmada pelos estudos do geneticista Sérgio Pena, não impede que encontremos certas regularidades e constâncias em estruturas e funções e não nos obriga a abandonar a busca por inteligibilidade nos fenômenos humanos. Pertencemos, afinal de contas, a uma mesma espécie, e temos uma história natural comum.
Domingues, fiel a seu credo iluminista, converge com a conclusão de Pena, segundo a qual o que a genética e a teoria da evolução nos ensinam sobre nós em um plano explicativo se harmoniza com nossas melhores aspirações, no sentido de uma sociedade “desracializada”, por exemplo (cf. p. 23). Este mesmo credo iluminista se manifesta em sua afirmação de que, de um ponto de vista estritamente teórico, nossas melhores teorias científicas falam a mesma linguagem da filosofia, tão logo esta tenha abandonado suas pretensões imperialistas e sua obsessão com essências fixistas (cf. p. 23).
Déficit institucional
Passo agora a um segundo eixo de questões, todas elas suscitadas pelas teses defendidas or Domingues no debate em torno da filosofia no Brasil (que vieram à luz em seu Filosofia no Brasil: legados & perspectivas, de 2017). Três entrevistadores formulam questões que giram em torno desse eixo temático, o que é sintomático da centralidade que a questão assumiu (tardiamente, alguns dirão) na comunidade filosófica brasileira: Jairo Dias (p. 27-30), Crisóstomo de Souza e Simeão Sass (p. 33-39). As questões formuladas por eles ajudam a esclarecer os posicionamentos de Domingues e podem ser lidas com grande proveito em conjunto com a seção V, toda ela dedicada à filosofia no Brasil. As contribuições de Maia Neto, Paulo Margutti e Rodrigo Duarte, em especial, dialogam ora criticamente, ora no sentido de uma complementação deste romance de formação da filosofia acadêmica brasileira que Domingues entregou ao público em 2017. Remeto a elas na nota final desta resenha.
A pergunta de Jairo Dias questiona se a figura do intelectual cosmopolita globalizado, cujo aparecimento, segundo a reconstrução de Domingues, deveria orientar os esforços da filosofia brasileira em seu período atual, caracterizado como um período de pós-formação, não estaria ainda sob a égide da metrópole. A pergunta de Crisóstomo de Souza questiona as credenciais metafilosóficas reivindicadas por Domingues em seu estudo. Por fim, Simeão Sass pergunta ao homenageado quais seriam as suas contribuições mais originais para o debate em questão.
Em sua abrangente e incontornável reconstrução do debate em torno da filosofia no Brasil, Domingues adota e expande a tese dos padres Leonel Franca e Lima Vaz de que a ausência de uma pujante cultura filosófica no Brasil teria como causa principal um déficit institucional. Ao mesmo tempo em que defende, em consonância com sua visada institucional, a tese de que este déficit teria sido sanado com a criação do sistema universitário brasileiro (a partir dos anos 1930) e a implementação do sistema nacional da pós-graduação com forte protagonismo da Capes a partir da década de 1970 e consolidando- se nos anos 1990, Domingues recusa a visão triunfalista que uma tal narrativa poderia sugerir ao introduzir um inventário
dos possíveis no qual o cenário de um novo mandarinato, o dos scholars, sob a égide do que chama de taylorismo produtivista, se mostra mais provável do que o cenário mais promissor da emergência de um pensamento filosófico genuinamente criativo (representado pelo intelectual cosmopolita globalizado) que justifique o longo período de preparação e as lutas para a superação e neutralização do déficit institucional.
Autoriza-se a conclusão de que não há filosofia em um vácuo institucional, mas seria de todo precipitado e injustificado crer que essa condição seja suficiente para gerar pensamento filosófico genuíno. Ao contrário, há bons motivos para se temer que a completa institucionalização e profissionalização da filosofia termine por conduzir à morte do pensamento, na forma de um verdadeiro bloqueio estrutural. É contra esse
pano de fundo que devemos compreender a insistência de Domingues na necessidade de manter a figura contrafactual do intelectual cosmopolita globalizado como tipo ideal distinto tanto do scholar (que o Brasil produz atualmente em escala industrial) quanto do intelectual público, cujo engajamentose restringe às questões locais (à agenda política nacional) (cf. p. 30).
Ensaios metafilosóficos
Domingues acrescenta ao seu Filosofia no Brasil: legados & perspectivas o subtítulo: ensaios metafilosóficos. Como devemos entender essa autodescrição? A pergunta de Crisóstomo de Souza deixa subentendido que estas credenciais não são de reconhecimento óbvio para o leitor da obra. A resposta de Domingues a esse pedido de esclarecimento pode frustrar os leitores na medida em que ela é por demais sucinta: o
caráter metafilosófico residiria na investigação (1) tanto do “ethos filosófico brasileiro” (com o que poderíamos nos perguntar se então não seria ainda uma investigação de natureza “apenas” sociológica, como suspeita Souza), (2) quanto dos “gêneros literários prevalecentes nos meios acadêmicos, transmitidos de geração em geração nos quadros da filosofia institucionalizada, bem como dos meios extra-acadêmicos” (cf.
p. 34). Essa indicação acena numa direção mais promissora, ainda que a apresentação do argumento tenha permanecido sumária. De todo modo, Domingues encerra com a promessa de explicitar melhor suas premissasmetafilosóficas na edição revista e ampliada da obra, prevista para breve.
Por fim, em resposta a Simeão Sass, Domingues destaca mais uma vez que Filosofia no Brasil: legados & perspectivas não se pretende uma historiografia da filosofia brasileira, mas um extenso ensaio (contra o preconceito que o identifica com um gênero curto) de metafilosofia, combinado a uma história intelectual, “sociologicamente lastreada, atenta ao papel das instituições acadêmicas e das diferentes extrações sociais na formação
do agrupamento dos intelectuais como métiere, também, como confraria...” (cf. p. 37). Não se trata, portanto, de um gênero de historiografia
das ideias, nem tampouco de um exercício de exegese textual, mas de um “gênerohíbrido ou compósito”, podendo o resultado “ser revisto e modificado mais de uma vez com o desenvolvimento de pesquisas ulteriores” (p. 37). Esse inacabamento e o caráter de tentativa respondem então pela inserção desse magistral romance de formação da filosofia acadêmica brasileira no gênero ensaístico, segundo a compreensão de seu autor.
Concorde-se ou não com suas premissas e seus resultados (e ambos serão amplamente contestados, porque isso faz parte do ofício dos filósofos) [6], não se pode negar que seu livro representa a principal contribuição autoral para a expansão do autoconhecimento da área (entenda-se: da filosofia compreendida enquanto atividade acadêmica e que dispõe de um sistema de obras, autores e público, conforme o tripé semiótico que o autor toma de empréstimo a Antônio Cândido). Esse esforço de autoconhecimento envolve, enfatizando mais uma vez, o reconhecimento de que não há filosofia em um vácuo institucional, se entendermos por isso uma tradição filosófica, e não um mero exercício de diletantismo (de modo algum condenável a priori) ou a mera existência de obras esporádicas que não dispõem de público nem permitem sua inscrição em uma série historicamente identificável.
Justa homenagem
Apenas alguém movido por uma invulgar paixão pelo autoconhecimento poderia nos ter entregue uma obra tão rica e pacientemente meditada em cada um de seus seis passos argumentativos. Que ele encontre oponentes à altura, pois estes são os que prestam as melhores homenagens às grandes obras. A comunidade filosófica brasileira presta reverências ao autor, e se une aos organizadores do presente volume na celebração de seus 70 anos de engajamento apaixonado pelas instituições, pelo diálogo (entre áreas do conhecimento, entre gerações, entre tradições), pela filosofia e pelos valores da vida intelectual, que ele tem encarnado tão exemplarmente, como está amplamente documentado no Festschrift que lhe presta justa homenagem, e que se lê “com interesse e com proveito”.
NOTAS
1 Dialogam diretamente com a sua obra as contribuições de Evaldo Sampaio, Lúcio Marques, Lilian Godoy, Diego Lawler, Marcelo Perine, Carlos Drawin, Maia Neto, Paulo Margutti, Rodrigo Duarte, Antônio dos Santos, Luiz Rohden e Clélio Campolina. As demais contribuições mantêm uma interlocução indireta, ao tratar de temas de interesse comum.
2 Sobre essa faceta do homenageado, cf. sua resposta à questão posta a ele pelo físico e ex-reitor da UFMG, Francisco César de Sá Barreto (cf. p. 30-3), assim como a contribuição de Antônio Carlos dos Santos para o presente volume, intitulada “Ivan Interdisciplinar”, na seção VI dedicada à Vida Intelectual (p. 443-458)
3 Sobre o projeto epistemológico de Ivan Domingues, cf. a contribuição de Evaldo Sampaio para este volume, na seção I, dedicada às questões do conhecimento e intitulado “O grau zero da diferença? Sobre o projeto epistemológico de Ivan Domingues” (p. 61-70).
4 Sobre as questões relacionadas à produção e distribuição do conhecimento, assim como sobre a função pública do intelectual, remeto o leitor à pergunta dirigida a Ivan Domingues pelo cientista social Yurij Castelfranchi (cf. p. 53-57), assim como à contribuição de Lúcio Marques, na seção I dedicada ao conhecimento, e intitulada “Conhecimento 7.i” (cf. p. 71-88).
5 A contribuição de Drawin se intitula “Heidegger com Kant: Haveria um despertar para o sono antropológico?” e encontra-se na seção IV, dedicada à História da Filosofia (cf. p. 300-317).
6 Penso que as diversas contribuições da seção V (p. 367-440) apontam algumas direções em que essa contestação pode se dar, ainda que seus autores compreendam suas intervenções mais no sentido de uma complementação do projeto de Domingues. O desacordo mais visível é epresentando por Margutti, tendo ele mesmo contribuído consideravelmente para o debate, com sua revisão da historiografia da filosofia brasileira. Em sua contribuição ao volume ele expõe a sua divergência em relação à leitura hegemônica de que a filosofia brasileira teria tido pouca densidade cultural e recusa a hipótese do déficit institucional. A sua estratégia consiste em mostrar como um dos inspiradores desse diagnóstico, no caso Sílvio Romero, é pouco confiável enquanto historiador da filosofia. Maia Neto adota uma estratégia distinta e, embora não o faça de forma explícita, na prática diverge de um pressuposto metafilosófico de Domingues. Embora Domingues reconheça que Machado de Assis foi um intelectual de alcance universal, encarnando historicamente o tipo ideal do intelectual cosmopolita, sua contribuição permanece restrita ao âmbito da literatura. Essa circunscrição obedece a uma decisão metafilosófica segundo a qual se deve traçar uma fronteira rígida entre o regime discursivo da filosofia e o da literatura. Parte do empenho de Maia Neto consiste em mostrar que Machado teria operado não apenas uma guinada formal e estética em seus romances de maturidade, mas também uma “afirmação filosófica [...] no gênero literário do romance em resposta ao déficit da filosofia praticada no Brasil” (p. 375). Rodrigo Duarte, ao aplicar os tipos ideais desenvolvidos por Domingues para capturar o ethos da filosofia brasileira da colônia até a contemporaneidade, sugere que Vilém Flusser, embora apresentando traços do diletante e do intelectual público, em alguma medida teria se tornado um exemplo do intelectual cosmopolita globalizado com forte identificação com o Brasil. Valls expande a narrativa de Domingues para incorporar uma crônica sobre a consolidação da pós-graduação em filosofia na UFRGS.