Teaching Plato in Palestine: Philosophy in a Divided World
José Costa Júnior
Professor de Filosofia e Ciências Sociais - IFMG Campus Ponte Nova
06/09/2022
FRAENKEL, Carlos. Teaching Plato in Palestine: Philosophy in a Divided World.
Princeton. Princeton University Press, 2015. | 240 páginas
Exercícios de falibilismo
O filósofo germano-brasileiro Carlos Fraenkel nos oferece em Teaching Plato in Palestine: Philosophy in a Divided World relatos de encontros e debates filosóficos que beiram o ficcional. Entre os anos de 2006 e 2011, o atual Professor de Filosofia e Religião na McGill University em Montreal (Canadá), percorreu diversos lugares do mundo promovendo discussões e debates sobre temas filosóficos diversos, que envolviam traços culturais, sociais e políticos de cada local. O título “ensinar Platão na Palestina” descreve bem a dimensão do desafio: Como abordar temas e promover questões que envolvem desafios à estruturas de pensamento e visões de mundo estabelecidos e basilares? Ou, considerando outro dos casos descrito no livro: Qual é o papel da filosofia para a compreensão das próprias circunstâncias em que se vive? De acordo com a hipótese de Fraenkel, a prática filosófica não simplesmente desafia crenças e ataca visões de mundo estabelecidas, mas contribui para uma compreensão mais apurada de tal conjunto, onde as próprias pessoas, a partir de uma reflexão detida sobre as próprias crenças, pode elaborar e compreender melhor o que pensa e sobre o que pensa.
Fraenkel defende também uma posição falibilista como fundamento das práticas de debate e discussão, isto é, um princípio filosófico que aponta a possibilidade de que possamos estar totalmente ou parcialmente errados nas nossas crenças acerca da realidade, situação essa que abre caminhos para o debate aberto acerca de pontos importantes de nossas visões de mundo. Essa defesa do falibilismo é a base da proposta de Fraenkel nos encontros realizados ao redor do mundo, que convida pessoas de variadas culturas e lugares para discussões filosóficas amplas. Sem impor ou afirmar perspectivas próprias e buscando ao máximo evitar análises e comparações etnocêntricas ou que deslegitimam outras concepções da realidade, o trabalho de Fraenkel nos estimula e faz pensar na importância dessa atitude, frente à tantas imposições de “verdades” e visões de mundo. Não é o caso de Fraenkel defender um relativismo absoluto, mas sim de dialogar, estar aberto e analisar detidamente perspectivas e concepções próprias e alheias, o que contribui para a construção de posicionamentos mais qualificados.
No primeiro encontro, Fraenkel vai ao Oriente Médio ensinar filosofia em Jerusalém. Nesse primeiro conjunto de aulas e debates, são desenvolvidos debates sobre política, religião e ética com estudantes universitários palestinos e israelenses. Retoma hipóteses fundamentais da filosofia ocidental em diálogo com as tradições religiosas da Palestina e de Israel, além de abordar as tensões sociais e políticas da região a partir de perspectivas filosóficas. Já no segundo encontro, Fraenkel vai para a Indonésia, onde promove encontros e estudos sobre temas ligados à religião muçulmana. Ali considera as perspectivas metafísicas e políticas muçulmanas, em diálogo com respostas filosóficas ocidentais para os mesmos problemas. É interessante ressaltar que o contexto não envolve conflitos ou enquadramentos, mas tentativas de aproximação e análises em conjuntos, trocando perspectivas e diálogos. Os estudantes se mostram abertos ao falibilismo proposto por Fraenkel, sem que necessariamente surjam respostas definitivas para as questões trabalhadas pelos grupos.
Já em Nova York, Fraenkel trabalha temas ligados à religião e à ética com judeus hassídicos, partindo de concepções filosóficas de Maimônides e Espinosa, filósofos que abordaram questões de interesse comum entre o autor e os estudantes ligados à tradição judaica tradicional. Os “seminários clandestinos” foram realizados discretamente, uma vez que algumas leituras e problematizações são restritas para aquele grupo (tensão que também é abordada nos seminários, principalmente considerando o impacto das hipóteses espinosistas). Fraenkel também vem ao Brasil e promove encontros com estudantes secundaristas e universitários em Salvador. Reconhece os avanços da legislação brasileira da época (os encontros foram realizados em 2010), que determinava a presença de conteúdos de filosofia no Ensino Médio, e o crescimento da cultura filosófica brasileira nas últimas décadas, considerando a ampliação das instituições de ensino e pesquisa. No caso brasileiro, os debates éticos e políticos foram centrais, devido tanto às condições sociais dos estudantes, quanto às expectativas do papel da filosofia para a cidadania dos brasileiros. As contradições da sociedade brasileira, que podiam ser observadas nas ruas da Bahia, também foram alvo de debate: O que justificaria a grande desigualdade no acesso à recursos tão presente por aqui?
Os últimos encontros descritos no livro envolvem os povos indígenas Mohawk, que vivem na fronteira do Canadá com os Estados Unidos. Ali Fraenkel encontra estudantes e ativistas, que discutem sobre direitos e consequências dos processos de colonização, além de questões ligadas à diversidade cultural e à proteção de culturas. Um debate de fundo sobre a racionalidade e suas condições realizado com os jovens Mohawk chama a atenção, colocando a prova uma possível superioridade filosófica da tradição ocidental. Por fim, no último capítulo do livro Fraenkel apresenta sua defesa da cultura do debate, destacando a necessidade da diversidade e da abertura reflexiva para a construção do diálogo. Ao autor defende também o papel da filosofia para a sociedade, que, ao explorar possibilidades e contribuir para a análise e reflexão sobre os diversos discursos e visões de mundo, estimula a qualificação constante das concepções e visões de mundo.
Em tempos de extremismos, polarização afetiva, absurdos autoritários, negacionismos e “pós-verdade”, entre outras descrições que mostram as possibilidades de diálogo em crise, a leitura do livro de Fraenkel estimula o cuidado e uma abertura crítica, reflexiva e honesta, e nos faz pensar nos desafios que vivemos na atualidade. Num contexto parecido, o filósofo Isaiah Berlin sugeriu:
“Poucas coisas causaram maior dano que a crença por parte de indivíduos ou grupos (ou tribos, Estados, nações, igrejas) de que são os únicos possuidores da verdade. Especialmente a verdade sobre como viver, o que ser e o que fazer – e que aqueles que diferem dos que se consideram possuidores de tal verdade não estão meramente enganados, mas são perversos ou loucos, e precisam de repreensão ou desaparecimento. É uma terrível e perigosa arrogância acreditar que somente você está correto: acreditar que você possui um olho mágico que vê a verdade e que os outros não podem estar corretos se discordarem de você.” (Isaiah Berlin. “Notas sobre o preconceito”, 1981)
Nesse sentido, Teaching Plato in Palestine: Philosophy in a Divided World nos faz refletir principalmente sobre o papel da filosofia em mundos divididos como o nosso, no qual tantas pessoas têm a absoluta certeza “sobre como viver, o que ser e o que fazer”.
Referências
FRAENKEL, Carlos. Teaching Plato in Palestine: Philosophy in a Divided World. Princeton. Princeton University Press, 2015.
BERLIN, Isaiah. “Notas sobre o preconceito”. Tradução de Mário Nogueira. Fundamento: Revista de Pesquisa em Filosofia, n. 5, 2012.